Oxigênio hospitalar requer produção delicada
Cilindros menores, como os vistos em Manaus, não são suficientes para resolver a escassez do produto na cidade
são paulo Para que e para quem servem os tubos de oxigênio em um hospital? Quão diferente ele é do oxigênio que respiramos normalmente? Por que seu transporte é tão difícil? Com a situação escandalosa em hospitais de Manaus e a morte por asfixia de pacientes, o oxigênio virou protagonista nessa crise.
Segundo Gustavo Janot, médico intensivista do Hospital Israelita Albert Einstein, o oxigênio é usado em qualquer situação em que a oxigenação do paciente está abaixo de 90%. Sua utilização costuma ser mais comum em UTIs, unidades semi-intensivas, salas de emergência e departamentos cirúrgicos.
Com a pandemia de Covid-19, até áreas de enfermaria têm usado oxigênio, por causa da demanda de pacientes.
No ar que respiramos, o usual é haver cerca de 21% de oxigênio em sua composição. A Covid-19, ao atacar os pulmões, dificulta as trocas gasosas nos alvéolos pulmonares. Com isso, torna-se necessário enriquecer o ar que a pessoa está respirando, seja a partir de cateteres, máscaras ou mesmo por intubação.
Segundo Janot, é comum que oxigenação do paciente alcance níveis de 40% ou até 60% de oxigênio no ar fornecido. “Em casos extremos, oxigênio em 100%. Tem que inalar oxigênio puro”, afirma.
A intubação, diz o médico, ocorre quando o paciente gasta energia demais para respirar. Com o procedimento, diminui-se o esforço, a atividade metabólica e o consumo de oxigênio.
O intensivista afirma que, em média, em pacientes com quadros leves de Covid são usados de 2 a 3 litros de oxigênio por minuto. Pacientes moderados podem chegar a até 60 litros por minuto. Nos casos mais graves, o consumo tende a ser maior.
A produção normal de oxigênio medicinal usado em hospitais e hoje em severa falta em Manaus, necessita de processos complexos, como filtragem do ar atmosférico, liquefação do oxigênio e baixíssimas temperaturas. Sem oxigênio nos hospitais da cidade, parentes de pacientes têm tentado ajudar com cilindros trazidos às pressas às unidades de saúde. Mas são insuficientes e paliativos ante a necessidade dos pacientes e baixa capacidade desses recipientes.
Para obter o oxigênio medicinal em uma fábrica, o ar atmosférico é sugado e passa por filtragem de impurezas.
Depois, o ar passa por um processo de compressão e resfriamento. A seguir, segundo Luis Santos, diretor industrial da IBG (Indústria Brasileira de Gases), é um secador que retira a umidade e o CO2.
Começa, então, um processo criogênico —ou seja, em baixíssimas temperaturas— em que o ar é liquefeito e passa por uma torre de fracionamento, que separa em oxigênio e nitrogênio líquidos (e uma pequena porcentagem de argônio). A partir daí, esse oxigênio com alto grau de pureza será armazenado, ainda líquido, em tanques criogênicos e poderá ser transportado para os hospitais.
Já nas unidades de saúde, costuma haver outros grandes cilindros para guardar o gás liquefeito.
Segundo o diretor da IBG, a opção pelo oxigênio liquefeito é importante pela logística e eficiência da operação, já que ocupa menos espaço que sua versão gasosa.
No hospital, o oxigênio é vaporizado e entra na rede de distribuição da unidade. Antes de chegar ao sistema respiratório das pessoas, ainda passa por um umidificador.
Há também um processo mais simplificado, sem necessidade do processo criogênico, de obtenção de oxigênio medicinal a partir de um equipamento conhecido como PSA. A vantagem é que a máquina pode ser instalada na própria unidade de saúde. A desvantagem é que há menor pureza.
Santos, da IBG, afirma que a empresa também já está se movimentando para enviar cerca de 800 cilindros de oxigênio para Manaus. “Tudo o que está ao nosso alcance estamos tentando fazer para ajudar a salvar essas vidas em Manaus”, diz o diretor.
Já o transporte aéreo do oxigênio líquido exige um exercício complexo de logística, segundo Santos, e aviões de grande porte. Tal ação foi vista nesta sexta (15), quando aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) levaram para Manaus grandes contêineres de oxigênio.
Santos afirma que a situação é complicada exatamente pelo tamanho dos contêineres e pela necessidade de cuidados com a pressão e oscilações — lembrado que se trata de uma recipiente criogênico.
Oferta da Venezuela a Manaus gera críticas de rivais de Maduro Thiago Amâncio
são paulo A oferta de oxigênio hospitalar da Venezuela para abastecer a rede de saúde do Amazonas, colapsada pelo aumento da Covid-19, virou novo ponto de tensão política no país comandado pelo ditador Nicolás Maduro. Na quinta-feira (14), o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, escreveu em rede social que Maduro
autorizou o envio imediato de suprimentos ao Brasil.
“Por instruções do presidente, Nicolás Maduro, conversamos com o governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, para colocar imediatamente à sua disposição o oxigênio necessário para atender a contingência sanitária em Manaus. Solidariedade latino-americana acima de tudo!”, afirmou.
Julio Borges, deputado opositor ao governo Maduro e responsável pelas Relações Exteriores do autoproclamado presidente Juan Guaidó, reagiu. Afirmou que há venezuelanos morrendo sem oxigênio, usado agora por Maduro para buscar apoio político e se portar como um líder generoso, não como o ditador e violador de direitos humanos que é, em suas palavras.
À Folha, Borges diz que “a situação sanitária é verdadeiramente trágica. As pessoas fogem para o Brasil, Colômbia, Panamá, porque não há nada, os hospitais estão em caos. Sem eletricidade, sem água, remédios mínimos. Por isso as pessoas fogem para o Amazonas”, diz ele, citando a crise humanitária que levou 6 milhões de venezuelanos a se refugiaram em outros países.
Borges lembra que Maduro enviou recentemente ajuda humanitária para a Bolívia e o faz constantemente com Cuba. “É como uma pessoa que, enquanto um familiar morre de fome, dá comida de presente ao vizinho para parecer que é um homem bom.”
Enviar oxigênio a um país com governo hostil a ele, como o do presidente Jair Bolsonaro, significa tentar reverter a imagem que tem por aqui e no mundo todo, diz Borges.
“Quer se mostrar como o líder dos pobres, dos necessitados, dos infectados com coronavírus, quando na verdade é um ditador, violador de direitos humanos, corrupto, e que conseguiu destroçar a Venezuela, um dos países mais prósperos da América, o transformou no país mais pobre da América pela corrupção e pelo crime organizado.”
No Twitter, pela manhã, Borges publicou trecho de uma reportagem do portal argentino Infobae que trata da morte de um coronel venezuelano em agosto por falta de oxigênio.
O político escreveu: “Muitos venezuelanos, entre eles oficiais da Fanb (Força Armada Nacional Bolivariana) como o coronel Pedro Ezequiel Romero, morreram por falta de oxigênio nos hospitais do país. Entretanto, a ditadura dá oxigênio de presente a um estado no Brasil para buscar apoio político. Não importa a eles a vida do povo”.
Assim como Bolsonaro, Maduro defendeu o uso da cloroquina, medicamento contra malária, no tratamento contra a Covid-19, mesmo sem qualquer evidência científica.
Segundo dados da universidade americana Johns Hopkins, que monitora o avanço da doença em todo o mundo, 1.090 pessoas morreram na Venezuela vítimas da Covid-19, e houve 118,4 mil casos confirmados.
A capital do Amazonas, Manaus, foi a primeira cidade neste ano onde o sistema de saúde não aguentou a demanda provocada pela doença e colapsou, como aconteceu no início do ano passado.