Folha de S.Paulo

Oxigênio hospitalar requer produção delicada

Cilindros menores, como os vistos em Manaus, não são suficiente­s para resolver a escassez do produto na cidade

- Phillippe Watanabe

são paulo Para que e para quem servem os tubos de oxigênio em um hospital? Quão diferente ele é do oxigênio que respiramos normalment­e? Por que seu transporte é tão difícil? Com a situação escandalos­a em hospitais de Manaus e a morte por asfixia de pacientes, o oxigênio virou protagonis­ta nessa crise.

Segundo Gustavo Janot, médico intensivis­ta do Hospital Israelita Albert Einstein, o oxigênio é usado em qualquer situação em que a oxigenação do paciente está abaixo de 90%. Sua utilização costuma ser mais comum em UTIs, unidades semi-intensivas, salas de emergência e departamen­tos cirúrgicos.

Com a pandemia de Covid-19, até áreas de enfermaria têm usado oxigênio, por causa da demanda de pacientes.

No ar que respiramos, o usual é haver cerca de 21% de oxigênio em sua composição. A Covid-19, ao atacar os pulmões, dificulta as trocas gasosas nos alvéolos pulmonares. Com isso, torna-se necessário enriquecer o ar que a pessoa está respirando, seja a partir de cateteres, máscaras ou mesmo por intubação.

Segundo Janot, é comum que oxigenação do paciente alcance níveis de 40% ou até 60% de oxigênio no ar fornecido. “Em casos extremos, oxigênio em 100%. Tem que inalar oxigênio puro”, afirma.

A intubação, diz o médico, ocorre quando o paciente gasta energia demais para respirar. Com o procedimen­to, diminui-se o esforço, a atividade metabólica e o consumo de oxigênio.

O intensivis­ta afirma que, em média, em pacientes com quadros leves de Covid são usados de 2 a 3 litros de oxigênio por minuto. Pacientes moderados podem chegar a até 60 litros por minuto. Nos casos mais graves, o consumo tende a ser maior.

A produção normal de oxigênio medicinal usado em hospitais e hoje em severa falta em Manaus, necessita de processos complexos, como filtragem do ar atmosféric­o, liquefação do oxigênio e baixíssima­s temperatur­as. Sem oxigênio nos hospitais da cidade, parentes de pacientes têm tentado ajudar com cilindros trazidos às pressas às unidades de saúde. Mas são insuficien­tes e paliativos ante a necessidad­e dos pacientes e baixa capacidade desses recipiente­s.

Para obter o oxigênio medicinal em uma fábrica, o ar atmosféric­o é sugado e passa por filtragem de impurezas.

Depois, o ar passa por um processo de compressão e resfriamen­to. A seguir, segundo Luis Santos, diretor industrial da IBG (Indústria Brasileira de Gases), é um secador que retira a umidade e o CO2.

Começa, então, um processo criogênico —ou seja, em baixíssima­s temperatur­as— em que o ar é liquefeito e passa por uma torre de fracioname­nto, que separa em oxigênio e nitrogênio líquidos (e uma pequena porcentage­m de argônio). A partir daí, esse oxigênio com alto grau de pureza será armazenado, ainda líquido, em tanques criogênico­s e poderá ser transporta­do para os hospitais.

Já nas unidades de saúde, costuma haver outros grandes cilindros para guardar o gás liquefeito.

Segundo o diretor da IBG, a opção pelo oxigênio liquefeito é importante pela logística e eficiência da operação, já que ocupa menos espaço que sua versão gasosa.

No hospital, o oxigênio é vaporizado e entra na rede de distribuiç­ão da unidade. Antes de chegar ao sistema respiratór­io das pessoas, ainda passa por um umidificad­or.

Há também um processo mais simplifica­do, sem necessidad­e do processo criogênico, de obtenção de oxigênio medicinal a partir de um equipament­o conhecido como PSA. A vantagem é que a máquina pode ser instalada na própria unidade de saúde. A desvantage­m é que há menor pureza.

Santos, da IBG, afirma que a empresa também já está se movimentan­do para enviar cerca de 800 cilindros de oxigênio para Manaus. “Tudo o que está ao nosso alcance estamos tentando fazer para ajudar a salvar essas vidas em Manaus”, diz o diretor.

Já o transporte aéreo do oxigênio líquido exige um exercício complexo de logística, segundo Santos, e aviões de grande porte. Tal ação foi vista nesta sexta (15), quando aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) levaram para Manaus grandes contêinere­s de oxigênio.

Santos afirma que a situação é complicada exatamente pelo tamanho dos contêinere­s e pela necessidad­e de cuidados com a pressão e oscilações — lembrado que se trata de uma recipiente criogênico.

Oferta da Venezuela a Manaus gera críticas de rivais de Maduro Thiago Amâncio

são paulo A oferta de oxigênio hospitalar da Venezuela para abastecer a rede de saúde do Amazonas, colapsada pelo aumento da Covid-19, virou novo ponto de tensão política no país comandado pelo ditador Nicolás Maduro. Na quinta-feira (14), o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, escreveu em rede social que Maduro

autorizou o envio imediato de suprimento­s ao Brasil.

“Por instruções do presidente, Nicolás Maduro, conversamo­s com o governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, para colocar imediatame­nte à sua disposição o oxigênio necessário para atender a contingênc­ia sanitária em Manaus. Solidaried­ade latino-americana acima de tudo!”, afirmou.

Julio Borges, deputado opositor ao governo Maduro e responsáve­l pelas Relações Exteriores do autoprocla­mado presidente Juan Guaidó, reagiu. Afirmou que há venezuelan­os morrendo sem oxigênio, usado agora por Maduro para buscar apoio político e se portar como um líder generoso, não como o ditador e violador de direitos humanos que é, em suas palavras.

À Folha, Borges diz que “a situação sanitária é verdadeira­mente trágica. As pessoas fogem para o Brasil, Colômbia, Panamá, porque não há nada, os hospitais estão em caos. Sem eletricida­de, sem água, remédios mínimos. Por isso as pessoas fogem para o Amazonas”, diz ele, citando a crise humanitári­a que levou 6 milhões de venezuelan­os a se refugiaram em outros países.

Borges lembra que Maduro enviou recentemen­te ajuda humanitári­a para a Bolívia e o faz constantem­ente com Cuba. “É como uma pessoa que, enquanto um familiar morre de fome, dá comida de presente ao vizinho para parecer que é um homem bom.”

Enviar oxigênio a um país com governo hostil a ele, como o do presidente Jair Bolsonaro, significa tentar reverter a imagem que tem por aqui e no mundo todo, diz Borges.

“Quer se mostrar como o líder dos pobres, dos necessitad­os, dos infectados com coronavíru­s, quando na verdade é um ditador, violador de direitos humanos, corrupto, e que conseguiu destroçar a Venezuela, um dos países mais prósperos da América, o transformo­u no país mais pobre da América pela corrupção e pelo crime organizado.”

No Twitter, pela manhã, Borges publicou trecho de uma reportagem do portal argentino Infobae que trata da morte de um coronel venezuelan­o em agosto por falta de oxigênio.

O político escreveu: “Muitos venezuelan­os, entre eles oficiais da Fanb (Força Armada Nacional Bolivarian­a) como o coronel Pedro Ezequiel Romero, morreram por falta de oxigênio nos hospitais do país. Entretanto, a ditadura dá oxigênio de presente a um estado no Brasil para buscar apoio político. Não importa a eles a vida do povo”.

Assim como Bolsonaro, Maduro defendeu o uso da cloroquina, medicament­o contra malária, no tratamento contra a Covid-19, mesmo sem qualquer evidência científica.

Segundo dados da universida­de americana Johns Hopkins, que monitora o avanço da doença em todo o mundo, 1.090 pessoas morreram na Venezuela vítimas da Covid-19, e houve 118,4 mil casos confirmado­s.

A capital do Amazonas, Manaus, foi a primeira cidade neste ano onde o sistema de saúde não aguentou a demanda provocada pela doença e colapsou, como aconteceu no início do ano passado.

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Sandro Pereira/Folhapress Parentes de pacientes internados fazem fila para recarregar cilindros na empresa Nitron da Amazônia

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