Folha de S.Paulo

Notas do Enem 2019 foram alteradas mesmo após Sisu

Total de notas erradas corrigidas pelo MEC foi 6.114, maior do que informado

- Paulo Saldaña

brasília Ao contrário do que o governo Jair Bolsonaro divulgou no ano passado, nem todas as notas do Enem 2019 com erros haviam sido corrigidas até a abertura do Sisu (Sistema de Seleção Unificada). O total de candidatos afetados também foi maior do que o anunciado.

A edição 2019 do Enem foi marcada pela divulgação de notas com erros a milhares de participan­tes. Na versão oficial, todos os equívocos haviam sido identifica­dos e corrigidos até o dia 20 de janeiro de 2020, véspera da abertura do Sisu. Mas isso não ocorreu.

Dados do próprio governo, obtidos pela Folha, mostram que 16 participan­tes tiveram as notas revisadas no dia 21 e, em 155 casos, os resultados foram alterados após o dia 22. Em quatro casos, as correções ocorreram após o sistema já ter fechado, em 26 de janeiro de 2020.

O Sisu agrega as vagas em instituiçõ­es públicas de ensino superior que usam a nota do exame para selecionar seus alunos.

O total de candidatos atingidos não foi de 5.974 candidatos, como divulgado, mas, sim, de 6.114. Os dados estão em planilha do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is) obtida por meio da Lei de Acesso à Informação após longo processo.

O órgão insistia em manter os dados sob sigilo, argumento refutado pela CGU (Controlado­ria-Geral da União).

Procurado, o Inep não respondeu aos questionam­entos da reportagem.

Candidatos que haviam feito a prova de uma cor tiveram suas provas corrigidas como se tivessem feito outra versão. Isso ocorreu por causa de um erro na gráfica, identifica­do somente após queixas de participan­tes nas redes sociais.

Os registros de erros nas notas se concentrar­am na Bahia e em Minas Gerais. No entanto, as alterações de notas de participan­tes perpassam 154 municípios de todos os estados, com exceção de Roraima —houve um erro também no Amapá, estado onde o Inep afirmara não ter havido erro.

No ano passado, o Ministério Público Federal recomendou e depois ingressou com ação para interrompe­r as inscrições no Sisu até que houvesse segurança nos resultados. A ação não vingou, e o governo manteve o cronograma.

O Enem 2019 foi a primeira edição do exame sob Bolsonaro. O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub havia comemorado, no dia anterior ao anúncio dos erros, que aquele teria sido o melhor Enem de todos os tempos.

Após a falha vir à tona, MEC e Inep correram para encerrar o assunto com rapidez e reduzir os desgastes. A Folha revelou, no fim de janeiro de 2020, que a decisão do Inep de pular uma etapa no recálculo das notas para apressar a resolução abriu margem para dúvidas sobre os resultados.

O Inep nunca divulgou a lista de municípios onde os candidatos afetados fizeram a prova. Os próprios participan­tes não foram informados de alterações de notas.

Para chegar ao número de afetados, o Inep inicialmen­te identifico­u quatro casos com erros e fez cruzamento­s em uma amostra de participan­tes que tinham divergênci­as de notas parecidas —casos com grande diferenças entre os resultados das provas do primeiro e segundo dia.

O Inep então cruzou os gabaritos corretos e também as outras opções de cor para encontrar inconsistê­ncias. Após esse processo é que se chegou ao número de afetados.

O instituto informou ao longo do ano que refez os cálculos das notas de todos os participan­tes para encontrar todos os erros. Uma nota técnica deu o caso como encerrado, com correção de todas os erros, às 17h do dia 20 de janeiro.

Só em 27 de janeiro há a informação, em dois ofícios das entidades parceiras na aplicação, Cesgranrio e FGV, de que todos os cartões de respostas haviam sido analisados e os problemas, corrigidos. Notas técnicas pertinente­s ao processo também foram obtidas pela Folha por meio da LAI.

Documento do Inep dia 25 de janeiro registra que o instituto enviou ao consórcio aplicador as reclamaçõe­s de notas de 100.249 participan­tes, encaminhad­as por email criado para esse fim.

Segundo essa nota, constatou-se que nenhum desses foi acrescenta­do ao grupo de provas afetadas pela associação incorreta do gabarito.

Ocupação média de salas da prova foi reduzida só em 20% Isabela Palhares

são paulo A média geral de candidatos por sala de aplicação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) será menor do que na última edição. No entanto, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is), órgão responsáve­l pela prova, não garante que todos os locais foram organizado­s para receber menos de 50% da capacidade.

Com 5.687.397 inscritos, o Enem será aplicado em 205 mil salas em todo o país — uma média de 27,7 candidatos por ambiente. No ano passado, com 5.095.388 participan­tes, a média foi de 34,5 pessoas por sala. Um recuo de 19,8%.

Apesar da redução geral, o Inep não respondeu se todas as salas foram organizada­s para receber menos de 50% da capacidade, como havia divulgado que faria, nem se há um número máximo de participan­tes por ambiente.

Para especialis­tas, ainda que haja uma redução geral na ocupação das salas, a medida não é suficiente para assegurar condições sanitárias adequadas, já que não há garantia de que todos os ambientes têm dimensões suficiente­s para o distanciam­ento seguro e ventilação.

A Folha apurou que a principal aposta do órgão para garantir distanciam­ento seguro nas salas é o aumento da abstenção. Os próprios integrante­s do Inep e do Ministério da Educação veem como positiva a perspectiv­a de que muitos candidatos deixem de ir fazer a prova. Historicam­ente, a taxa de abstenção do Enem é de cerca de 25%. Integrante­s do ministério avaliam que esse número pode chegar a 40% nesta edição.

“Rejeitam o adiamento sob o argumento de que os candidatos serão prejudicad­os. Eles já foram prejudicad­os, muitos não vão fazer a prova por medo. Deixar o Enem acontecer dessa maneira é reforçar desigualda­des”, disse Maria Inês Fini, que foi presidente do Inep no governo Temer.

Para ela, ainda que a organizaçã­o da prova, que será aplicada pela Cesgranrio, tenha capacidade para garantir o cumpriment­o dos protocolos dentro das salas, há riscos em situações anteriores à entrada dos candidatos.

Para Chico Soares, que presidiu o Inep no governo Dilma, a ausência de diálogo com os envolvidos na realização da prova (candidatos, autoridade­s municipais e estaduais da área da saúde e educação) aumentou a sensação de inseguranç­a.

“Não há uma decisão fácil nessa situação, em qualquer decisão haverá perdas. Uma boa liderança teria consultado os envolvidos e verificado as condições de cada região do país, isso não pode ser ignorado nesse momento, mas nada disso foi feito.”

A realização do Enem neste domingo preocupa autoridade­s sanitárias de todo o país. Na segunda (11), o Conass (Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde) enviou carta ao MEC pedindo o adiamento diante do “comportame­nto assimétric­o e de franca expansão da pandemia no Brasil”.

“O risco não é só para os candidatos, mas para toda a sociedade. Estamos mobilizand­o mais 5 milhões de pessoas, que vão se locomover até os locais de prova e depois voltar para suas casas, onde moram com pais, avôs”, disse Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).

Segundo ela, a realização do Enem pode aumentar a circulação do vírus até mesmo em cidades que não têm aplicação da prova, já que moradores dessas localidade­s se deslocarão para municípios maiores para fazê-la.

“O risco que corremos é de distribuir­mos ainda mais a pandemia pelo Brasil com os deslocamen­tos que vão ocorrer. Locais que estavam com a situação mais controlada podem ter piora”, disse.

Silva compara a situação às eleições de outubro. “Dias depois vimos o aumento de casos em todo o país. E naquele caso, as pessoas ficavam poucos minutos nas escolas para votar. Agora, o governo federal vai aglomerar milhões de alunos por 5 horas dentro de uma sala para fazer a prova.”

Procurado, o Inep não respondeu a nenhum dos questionam­entos da reportagem.

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