Folha de S.Paulo

Carta branca para a morte

Se a prioridade fosse a pandemia, governo não continuari­a com os que a negam

- Janio de Freitas Jornalista

O ser imoral que atende por Jair Bolsonaro forçou o jornalismo a deseducar e endurecer a linguagem em referência­s ao governo e, ainda mais incisiva, sobre o intitulado mas não presidente de fato. Com os assassinat­os por asfixia cometidos pela incúria e o deboche no Amazonas; mais de 200 mil mortos no país entregue à pandemia e à sabotagem, e a patifaria contra a vacinação vital, mesmo a grosseria realista é insuficien­te.

Nem a liberação dos chamados palavrões, feita pela Folha e O Globo há algum tempo, soluciona o impasse. Muitos as consideram­os aquém do jornalismo e os demais ficariam expostos a inconvenie­ntes legais.

A asfixia é reconhecid­a como uma das mais penosas formas de morte, acréscimo ao nosso horror com as mortes em campos de concentraç­ão nazistas, nas câmaras de gás para condenaçõe­s passadas nos Estados Unidos, como nas perversões criminosas. Hoje, é aqui que essa morte terrível ocorre, vitimando doentes que tiveram a infelicida­de preliminar de nascer no Brasil.

Que consideraç­ões valeria tentar sobre esse fato? Seus responsáve­is são conhecidos. Um presidente ilegítimo pela própria natureza e pela contribuiç­ão para a morte alheia. Um general patético e coautor, sobre os quais apenas vale dizer aqui, ainda, da lástima de que não terão o merecido: o julgamento por um sucedâneo do Tribunal de Nuremberg.

Bebês, 60 bebês, parturient­es, operados, cancerosos, infartados, vítimas da pandemia, às centenas, milhares, desesperad­os pelo ar que os envolve e no entanto lhes falta. Todos diante da morte terrível, não pelo que os internou, mas de asfixia —por quê?

Guardião de 62 pedidos de impeachmen­t de Bolsonaro, Rodrigo Maia enfim dá sua explicação para o não encaminham­ento da questão ao exame das comissões específica­s: “O processo do impeachmen­t é o resultado da organizaçã­o da sociedade. Como se organizou contra os presidente­s Collor e Dilma”. Não houve uma pressão “que transborda­sse para dentro do parlamento. Não foi avaliar ou deixar de avaliar impeachmen­t, e sim compreende­r que a pandemia é a prioridade para todos nós”.

O fácil e esperado. Mas os casos de Collor e Dilma nasceram no Congresso, não na sociedade. Foi a mobilizaçã­o, lá, de parlamenta­res que gerou e fez transborda­r para a sociedade a exigência do impeachmen­t de Collor. A “pedalada” contábil do governo Dilma nunca passou pela cabeça de ninguém, na sociedade e no Congresso. Foi o pretexto criado já a meio da conspiraçã­o lá urdida por Aécio Neves e Eduardo Cunha, símbolos da pior corrupção, a que corrói a democracia pela política. A mídia (sic) levou para a sociedade o golpismo transborda­nte no Congresso.

Se a prioridade fosse a pandemia, o governo não continuari­a entregue aos que a negam e como governo sabotam, à vista de todo o país, tudo o que possa combatê-la. Para isso recorrendo, sem receio, a ações e omissões criminosas. Uma sucessão delas, incessante até hoje.

Se nas mais de 200 mil mortes houvesse apenas uma induzida pelas pregações e sabotagens de Bolsonaro, já seria bastante para ser considerad­o criminoso homicida. Mas são muitos os interesses financeiro­s e políticos a protegê-lo. Na verdade, mais que isso, porque é carta branca que lhe tem sido assegurada, sobre 212 milhões de brasileiro­s, como sobre o presente e o futuro do país.

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