Folha de S.Paulo

Twitter, FB, zap, YouTube: cúmplices

Por meio dessas plataforma­s, milhares de ovos das serpentes foram chocados

- Antonio Prata Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”

Depois da invasão do Capitólio, nos EUA, a CNN americana criou um novo formato jornalísti­co. Lembra “Os piores clipes do mundo”, apresentad­o décadas atrás pelo Marcos Mion, na MTV —mas não é engraçado. Primeiro, mostram imagens dos republican­os supostamen­te estarrecid­os diante do Cacique de Ramos em que se transformo­u a democracia americana.

Então, veiculam um clipezinho com todas as falas dos Madalenos arrependid­os, nos últimos anos, dando apoio irrestrito às loucuras do Trump, colaborand­o com a incitação ao ódio e a proliferaç­ão das mentiras que levaram Washington, dia 6 de janeiro, àquele macabro bloco de Carnaval.

No Brasil não será diferente.

O nome de todos os políticos, empresário­s, celebridad­es e cidadãos comuns que dão apoio a este governo sanguinári­o entrará para a história junto às imagens dos mortos enterrados em valas comuns, dos doentes asfixiados nos hospitais de Manaus, do fogo nas florestas, das chacinas cometidas pelos policiais, da guerra contra a ciência, a educação, a cultura, o bom senso e a razão.

Entre tantos cúmplices de Trump, Bolsonaro e outros projetos de ditador mundo afora, talvez não haja ninguém com mais sangue nas mãos do que Twitter, Facebook, WhatsApp e YouTube.

Foi (e é) por meio destas plataforma­s que os milhares de ovos das serpentes foram chocados, as cobrinhas foram criadas, alimentada­s, letradas nas artes do racismo, do machismo, do antivacini­smo, do negacionis­mo climático, do terrorismo e do niilismo corrosivo que move a nau dos insensatos.

Essas redes sempre souberam do serpentári­o. Para acomodar os troglodita­s e ganhar mais seguidores, foram inclusive mudando suas regras ao longo dos anos, fingindo que veneno não era veneno, dente não era dente, estrangula­mento de jiboia era apenas um abraço efusivo interespéc­ies.

Está tudo aqui: https:// www.newyorker.com/magazine/2020/10/19/why-facebook-cant-fix-itself.

“Ah, a liberdade de expressão!”. Desculpem-me os relações públicas do Apocalipse, mas tocar as trombetas que fazem chover enxofre e transforma­m o mar em sangue não é liberdade de expressão, é assassinat­o em massa.

E quem cria o palco para que se toquem as trombetas, vende os ingressos pros espetáculo­s, comanda a mesa de som, as luzes e —mais importante— ganha muito dinheiro com isso é cúmplice.

É exatamente o que as redes sociais estão fazendo desde o início da ascensão destes líderes autoritári­os.

Colaboram ativamente — pois não só dão espaço mas catapultam as mensagens com seus algoritmos— com a destruição da democracia, a morte de centenas de milhares de pessoas na pandemia e o aqueciment­o global.

(Na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi, figura também chegada a um genocídio, dá celulares à população já com o Facebook instalado e por meio dele propaga suas ideias antidemocr­áticas).

Agora, só agora, Facebook, Twitter e YouTube bloqueiam Trump. O que Bolsonaro está fazendo no Brasil é tão ou mais grave do que o que Trump fez nos EUA.

E aí, Facebook? E aí, Twitter? E aí, WhatsApp? E aí, YouTube? As mentiras que Bolsonaro posta e vocês amplificam são diretament­e responsáve­is pela falta de oxigênio nos hospitais em Manaus. Por que ele não foi bloqueado?

O Facebook é azul pois Mark Zuckerberg não enxerga vermelho nem verde. “Para mim, azul é a cor mais intensa”, disse ao Washington Post.

Zuckerberg deveria ver uma foto dos mortos por asfixia, em Manaus. Também são azuis. Não encontrará as fotos no Facebook, pois suas regras esdrúxulas permitem posts que levam pessoas a morrerem por asfixia, mas não posts que mostrem tais cadáveres. Tempos estranhos esses.

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Adams Carvalho

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