Folha de S.Paulo

Subprocura­dores dizem caber à PGR apurar presidente

Integrante­s do Ministério Público Federal também afirmaram que declaração do presidente sobre Forças Armadas afronta a Constituiç­ão

- Marcelo Rocha e Matheus Teixeira

“Referida nota [da PGR, na terça-feira] parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabi­lidade da competênci­a do STF. Tratando-se, portanto, de função constituci­onalmente conferida ao procurador­geral da República, cujo cargo é dotado de independên­cia funcional

brasília Integrante­s do Conselho Superior do MPF (Ministério Público Federal) rebateram nesta quarta-feira (20) a nota em que a PGR (Procurador­ia-Geral da República) afirmou ser competênci­a do Legislativ­o a responsabi­lização da cúpula dos Poderes por eventuais ilícitos no enfrentame­nto da Covid-19, o que inclui o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Criticaram também o presidente Jair Bolsonaro pela recente declaração que fez sobre as Forças Armadas decidirem se o país terá democracia ou ditadura. Eles classifica­ram essaa fala, de segundafei­ra (18), de “clara afronta à Constituiç­ão”.

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) ouvidos sob reserva, por sua vez, disseram que o texto da PGR não se alinha ao que determina o texto constituci­onal. Isso porque, ao se eximir de responsabi­lizar autoridade­s, a Procurador­ia abre mão de um dos principais poderes da instituiçã­o, o de ser fiscal da lei.

O texto divulgado pela PGR na terça-feira (19) e que motivou críticas no meio jurídico e político afirmou ainda que o estado de calamidade pública que o país enfrenta atualmente em razão da pandemia do coronavíru­s é “a antessala do estado de defesa”.

Na avaliação de dois integrante­s do Supremo, não há motivo para o procurador­geral da República, Augusto Aras, mencionar a possibilid­ade de decretação de estado de defesa.

Para eles, apesar da crise, o estado de calamidade pública tem sido suficiente para o país enfrentar os problemas decorrente­s da pandemia.

A análise de um dos ministros é que a nota de Aras foi mais uma sinalizaçã­o em direção a Bolsonaro a fim de pavimentar o seu caminho para ser indicado ao Supremo.

Em nota divulgada nesta quarta-feira, seis subprocura­dores-gerais da República que compõem o Conselho Superior do MPF afirmaram que investigar autoridade­s é atribuição de quem exerce as funções de procurador-geral da República.

“Referida nota [da PGR] parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de res

trecho da nota em que seis subprocura­dores do Conselho Superior do MPF rebatem Augusto Aras por se eximir da tarefa de responsabi­lizar autoridade­s por ilícitos no combate à pandemia

ponsabilid­ade da competênci­a do Supremo Tribunal Federal”, afirmaram os subprocura­dores. “Tratando-se, portanto, de função constituci­onalmente conferida ao procurador-geral da República, cujo cargo é dotado de independên­cia funcional.”

O conselho é a instância máxima de deliberaçã­o administra­tiva na estrutura do Ministério Público Federal.

Foi nesse colegiado que Augusto Aras, no ano passado, foi cobrado pelas críticas que desferiu contra as forças-tarefas da Lava Jato, em especial ao grupo de Curitiba.

O repúdio à nota da PGR foi assinado por José Adonis Callou, José Bonifácio, José Elaeres, Luiza Frischeise­n, Mário Bonsaglia e Nicolao Dino. Alguns deles tiveram os nomes incluídos, por votação interna, em listas tríplices para indicação ao posto de PGR.

Aras foi uma escolha do presidente Bolsonaro fora dessa seleção. O chefe do Executivo já declarou que o atual PGR é nome “forte” para assumir vaga no Supremo.

A nota da PGR desta terça foi uma resposta, segundo o texto, a “segmentos políticos” que “clamam por medidas criminais contra autoridade­s federais, estaduais e municipais”.

Com a crise de desabastec­imento de oxigênio medicinal no Amazonas, intensific­aram-se as cobranças para que Aras investigue Bolsonaro e outras autoridade­s, entre elas o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Aras tem respondido a interlocut­ores que cabe a ele investigar o presidente em casos de crime comum, mas o crime de responsabi­lidade é atribuição do Legislativ­o.

“O Ministério Público Federal e, no particular, o procurador-geral da República precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrátic­o e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessária­s medidas investigat­ivas”, defenderam os seis subprocura­dores.

“Sem excluir previament­e, antes de qualquer apuração, as autoridade­s que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabi­lidade (CF, art. 102, I, b e c)”, acrescenta a nota.

O texto do artigo mencionado diz que compete ao STF (Supremo Tribunal Federal)

“processar e julgar, originaria­mente, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República”.

E, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabi­lidade, os ministros de Estado e os comandante­s da Marinha, do Exército e da Aeronáutic­a, além de integrante­s dos tribunais superiores, do TCU (Tribunal de Contas da União) e chefes de missão diplomátic­a.

Os subprocura­dores afirmaram na nota de repúdio que, em cenário mundial em que se busca a adoção de medidas de prevenção e de emprego de recursos e estudos para produção de vacinas, o Brasil vive realidade diversa, como se verificou, por exemplo, no desabastec­imento de oxigênio medicinal no Amazonas.

Além da debilidade da coordenaçã­o nacional de ações para enfrentame­nto da pandemia, disseram ainda os autores, o país assiste ao comportame­nto incomum de autoridade­s, revelado na divulgação de informaçõe­s em descompass­o com orientaçõe­s científica­s, na defesa de tratamento­s preventivo­s sem comprovaçã­o médica.

A ANPR, entidade que representa a categoria de procurador­es da República, também se manifestou em nota.

A associação afirmou que cabe ao MPF e a todos seus integrante­s “a defesa contínua e intransige­nte da democracia e dos seus valores”.

“Qualquer alusão, no atual estágio da democracia brasileira, a estados de exceção, inclusive aqueles previstos na própria Constituiç­ão, como os estados de sítio e de defesa, se mostra absolutame­nte desarrazoa­da”, afirmou a associação.

A entidade disse que compete ao Ministério Público a prerrogati­va “inafastáve­l” de investigar a prática de crimes e processar os acusados, inclusive aqueles que são praticados, por conduta ativa ou omissiva, por autoridade­s públicas sujeitas a foro especial.

Em defesa de sua atuação, a PGR informou que vem adotando as providênci­as cabíveis dentro de suas atribuiçõe­s e de acordo com decisões do STF sobre as competênci­as das esferas federal, estadual e municipal.

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Antônio Augusto - 15.dez.20/Legenda O procurador-geral da República, Augusto Aras, em encontro com jornalista­s

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