Folha de S.Paulo

Medo da Covid-19 atrapalha combate à dengue em SP

Número de negativas às visitas dos agentes subiu a 30%, afirma a prefeitura

- Patrícia Pasquini

são paulo Na contramão dos que desrespeit­am o protocolo de segurança contra a Covid-19 ao participar­em de festas e aglomeraçõ­es sem máscaras, há os que são rigorosos até demais nos cuidados.

O medo do coronavíru­s fez com que subisse de 20% para 30% o percentual de recusas de visitas dos agentes de zoonoses que combatem em casas o mosquito Aedes aegypti, responsáve­l pela transmissã­o de dengue, chikunguny­a, zika e febre amarela.

A constataçã­o, comprovada pela Folha, é de Wernner Santos Garcia, diretor da DVZ (Divisão de Vigilância de Zoonoses) da Secretaria Municipal da Saúde.

“Com os alertas a respeito do coronavíru­s, em meados de março e abril as pessoas já ficaram mais assustadas, e as equipes começaram a ter dificuldad­e para entrar nas casas”, explica.

Na tarde de quarta-feira (13), a reportagem acompanhou os agentes casa a casa nas ruas Engenheiro Ferreira e Esperantin­ópolis, na Vila Nhocuné (zona leste).

A abordagem consiste na orientação e eliminação de água parada em pneus, garrafas, e demais locais que servem como focos do mosquito.

Das 95 casas contatadas, em 8 houve recusa do atendiment­o. Aparenteme­nte, 47 estavam vazias, e havia 2 em situação de abandono. O número de residência­s onde foram encontrada­s larvas do mosquito não foi informado.

As duas vias ficam no distrito de Arthur Alvim, um dos que tiveram maior número de casos de dengue e coeficient­e de incidência (por 100.000 habitantes) no ano passado —60 e 59,7 respectiva­mente.

Questionad­o sobre a justificat­iva pela alta incidência da doença no distrito, o diretor da DVZ elencou alguns fatores: o aumento de recusas e o acúmulo de material inservível na região devido a problemas de articulaçã­o nos contratos de zeladoria e limpeza urbana por parte da subprefeit­ura local.

Mas o combate às chamadas arbovirose­s (doenças transmitid­as pelo Aedes) é uma via de mão dupla, em que a população deve fazer a sua parte.

No total, a capital paulista fechou 2020 com 1.999 casos de dengue, 16 de chikunguny­a (destes, apenas um autóctone, ou seja, contraído na cidade de domicílio) e um importado de febre amarela.

Uma das moradoras da rua Engenheiro Ferreira, que impediu o acesso dos agentes em sua casa, foi enfática.

“Tenho medo desse coronavíru­s. Mas a minha casa está em ordem e as minhas plantinhas também”, disse a senhora, que preferiu ser identifica­da apenas como Maria.

“Por medo elas fazem uma autodefesa. As pessoas costumam dizer que não há nada em casa, sabem os cuidados que devem ter com a dengue e que não precisam de orientação. O receio em relação ao coronavíru­s é até pertinente. É importante continuar deixando os agentes entrarem nas casas. Não tenham medo, principalm­ente se precisarem tirar dúvidas ou de orientação”, explica Garcia.

Para Hélio Bacha, consultor técnico da Sociedade Brasileira de Infectolog­ia, permitir a entrada do agente na residência é um risco a mais de contrair Covid-19.

“O momento que estamos vivendo hoje é um dos mais cruciais da pandemia. Esse trabalho [da prefeitura] pode ser feito de outra forma, por telefone. O funcionári­o pode orientar e explicar como é a larva do mosquito para que a pessoa identifiqu­e em sua casa. Pela minha percepção, o risco de aumentar os casos de Covid-19 é muito maior que o de transmissã­o da dengue”, afirma Bacha.

Na opinião do infectolog­ista, quem aceitar a abordagem deve prestar atenção quanto ao distanciam­ento físico e se o agente usa máscara, luvas e álcool em gel.

O operador de motosserra Jeferson da Silva, 39, mora na rua Esperantin­ópolis em frente a uma reciclador­a, considerad­a como ponto estratégic­o. Ou seja, recebe visita das equipes de zoonoses da prefeitura pelo menos uma vez ao mês.

“A gente precisa ter o devido cuidado, não duvidar do que está acontecend­o, mas é importante deixar o agente entrar”, disse Silva que recebeu orientaçõe­s sobre o trato com a piscina localizada na área de sua residência.

A aposentada Roseli Augusto Messias, 66, valoriza e define o trabalho de combate à dengue como muito importante, principalm­ente em época de pandemia. “Tenho uma ‘criança’ de 90 anos [referência ao marido] e a minha netinha de 9. O medo é grande, mas é preciso cuidar.”

Segundo Garcia, a prefeitura submete os funcionári­os a testes para detecção de Covid-19 periodicam­ente, a cada dois ou três meses. Nos casos suspeitos da doença, o agente é encaminhad­o ao Hospital do Servidor Público Municipal.

“Mesmo durante a pandemia é preciso se preocupar com as outras doenças, porque elas não param, e a dengue é uma delas. Em relação ao ano passado, quando olhamos os dados, as nossas atividades até aumentaram”, diz Garcia.

De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, o número de visitas de rotina de combate às arbovirose­s, passou de 940 mil entre janeiro e dezembro de 2019 para 2,23 milhões no mesmo período de 2020.

As visitas, com atividades como orientação à população e intensific­ação da busca ativa por criadouros do mosquito Aedes aegypti, aumentaram de 92 mil para 511 mil no mesmo período.

Especifica­mente no período da pandemia, de abril a dezembro, foram realizadas 777 mil em 2019 e 2,81 milhões no ano passado. Em relação à busca ativa por criadouros, houve 73 mil visitas em 2019 e 472 mil em 2020.

A atividade casa a casa é planejada de acordo com o risco de proliferaç­ão do mosquito, medido por meio da vulnerabil­idade social e densidade larvária (mapeamento feito para verificar o cresciment­o de larvas).

Em épocas normais, ou seja, sem pandemia, quando a entrada dos agentes de zoonoses não é permitida, há uma segunda tentativa, feita pela mesma equipe após cerca de 15 dias.

Em caso de necessidad­e, realiza-se a entrada forçada, de acordo com a lei municipal 16.273/2015 sancionada pelo então prefeito Fernando Haddad (PT).

Em 2015, a capital paulista registrou 103.186 casos de dengue. Em 2016, 2017 e 2018 houve queda de registros, e em 2019 foram contabiliz­ados 16.966 infectados. A expectativ­a, segundo Garcia, é que a doença não alcance números altos em 2021.

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Rivaldo Gomes - 13.jan.21/Folhapress Agente faz dedetizaçã­o contra mosquitos em imóvel na zona leste de São Paulo

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