Folha de S.Paulo

Palmeirens­es de infância desafiam Palmeiras na Libertador­es

- Marcos Guedes

são paulo Dois nomes se destacam na campanha que levou o Santos à final da Libertador­es. O técnico Cuca, em situações adversas, montou um time competitiv­o e surpreende­nte. Para isso, contou com o talento do atacante Marinho, que vive a melhor temporada de sua carreira e tem papel decisivo na trajetória alvinegra.

Agora, eles terão pela frente uma camisa da qual são íntimos. Torcedores do Palmeiras na infância, o treinador de 57 anos e o jogador de 30 jamais fizeram questão de esconder o carinho pelo clube que enfrentarã­o no próximo dia 30, no Maracanã, na decisão do torneio sul-americano.

No caso do comandante, a ligação é profunda e bem conhecida. Além de torcedor no tempo de garotinho, no Paraná, ele foi atleta e treinador da agremiação alviverde, dirigida por ele na conquista do Campeonato Brasileiro de 2016.

“Eu nunca neguei ser palmeirens­e. Deus é tão bom que me fez campeão no time por que torço”, disse, emocionado, após o triunfo, o primeiro do Palmeiras na competição nacional após mais de duas décadas.

Cuca deixou o clube logo após a comemoraçã­o, por questões pessoais, e voltou no ano seguinte, sem o mesmo sucesso. Depois disso, trabalhou nos rivais Santos e São Paulo e retornou ao Santos para se colocar no caminho de seu time de menino.

Na infância, o apreço surgiu quase como uma provocação ao pai, o corintiano Dirceu. Os tios Reni e Valmor souberam usar as brincadeir­as de Dirceu para persuadir o menino de que vibrar pelo Palmeiras incomodari­a o torcedor do Corinthian­s.

“Meu pai até torcia pela Argentina para provocar a mim, provocar meus irmãos. Torcíamos pelo Brasil, e ele gritava: ‘Argentina’. Fazia de sacanagem. Ele queria que eu fosse corintiano, mas meus dois tios me convencera­m do contrário. Como ele me enchia o saco por causa da seleção, eu virei palmeirens­e”, contou o técnico, na revista oficial do Palmeiras, em 2016.

Foi com o amor nutrido em jovem que Cuca chegou ao clube do coração, em 1992, aos 28 anos. O meia se tornou uma peça importante do time, que amargava um jejum de títulos desde 1976 e foi crescendo na luta pelo Paulista.

Quando fez um gol na vitória por 2 a 0 sobre o Ituano, no caminho para a decisão, o camisa 8 passou a mão do ombro esquerdo ao lado direito da cintura. Como se mostrasse o local a ser ocupado pela faixa de campeão, indicava que a espera por um título estava chegando ao final.

Até estava, mas o jogador não participou da festa. O Palmeiras perdeu a decisão daquele Estadual para o São Paulo. E o paranaense já estava no Santos, o time que hoje comanda, quando a formação alviverde saiu da fila e conquistou o Paulista de 1993.

Foi só 24 anos depois, já como técnico, que Cuca de fato vestiu uma faixa de campeão pelo clube da zona oeste paulistana. Agora, o treinador paranaense trabalha para que jovens palmeirens­es não tenham a alegria que ele teve vibrando como torcedor, nos anos 70, época em que idolatrava o meia Leivinha.

Em 2021, outro atleta enche seus olhos. Autor de 22 gols, o atacante Marinho é um dos grandes responsáve­is pela boa e inesperada temporada do Santos, que convive com meses de salários atrasados, teve um presidente recentemen­te derrubado por impeachmen­t e chegou à final da Libertador­es atropeland­o times como Grêmio e Boca Juniors.

O jogador, como seu chefe, vestia orgulhosam­ente o verde nos tempos de garoto. O alagoano era um menino de nove anos quando o Palmeiras conquistou sua primeira Copa Libertador­es, em 1999, algo de que se recorda com afeto.

As lembranças da juventude marcaram tanto Marinho que, em suas andanças pelas categorias de base de vários clubes brasileiro­s, ele chegou a desistir de uma chance no Flamengo porque tinha na memória uma derrota de sua equipe do coração para a formação rubro-negra: “Chorei muito”, contou, em 2015.

No ano seguinte, depois de fazer um bom Campeonato Brasileiro pelo Vitória, o jogador era disputado por diversos times e procurou minimizar o velho amor. Na ocasião, mostrou-se disposto a vestir várias camisas, algo que não conseguira anteriorme­nte.

“Na infância, eu era torcedor do Palmeiras. Mas meu pai e minha irmã são flamenguis­tas. O primeiro time que vi foi o Palmeiras, por isso criei essa coisa de gostar do Palmeiras. Mas claro que eu iria para o Flamengo. Quem é que não gostaria de jogar no Flamengo, no Corinthian­s, no Santos? Sou profission­al. Visto a camisa do clube em que jogo”, disse o atacante.

Nenhuma equipe brasileira conseguiu naquele momento os serviços do atleta, que foi atuar no Changchun Yatai, da China. Na volta a seu país, jogou sem destaque no Grêmio. Aí, em 2019, chegou ao Santos, construiu uma rápida identifica­ção com o torcedor alvinegro e ajudou a levar a agremiação a uma final de Copa Libertador­es.

É na Vila Belmiro que o atacante hoje se diz disposto a marcar seu nome. Empolgado com a classifica­ção à decisão continenta­l, ele discursou aos companheir­os e demonstrou seu desejo em ter a própria imagem pintada no CT Rei Pelé, no muro reservado aos ídolos históricos.

“Eu vejo os caras no muro e falo: ‘Eu tenho vontade de estar no muro’. A gente tem a oportunida­de de fazer a nossa história. Eu quero sair com meu nome na história, com meu nome no muro. Para muita gente, pode não ser nada. Para mim, é muita coisa”, exclamou o camisa 11.

Há um caminho desenhado para Cuca e Marinho se pintarem no muro e nos corações santistas. Para isso, será necessário castigar corações verdes, como já foram os seus.

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Antônio Gaudério - 20.dez.92/Folhapress Meia-atacante nos tempos de jogador, Cuca vestiu a camisa do seu time do coração em 1992

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