Folha de S.Paulo

Apesar de sinal verde indiano, presidente faz cobrança a Ernesto e já avalia saída honrosa

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O presidente Jair Bolsonaro(sempartido)exigemudan­ça de atitude do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) na relação com a China. A ideia é resolver o impasse na importação de insumos da vacina contra a Covid-19.

Ernesto tenta agora retomar o diálogo com o país asiático. Bolsonaro soube em reunião na quarta-feira (20) que o chanceler estava sem conversar com a embaixada da China desde o ano passado.

As conversaçõ­es foram suspensas em março, quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou duras críticas nas redes sociais ao embaixador chinês no país, Yang Wanming.

O diplomata respondeu ao filho do presidente, que havia comparado a pandemia ao acidente nuclear de Tchernóbil, na Ucrânia, em 1986. As autoridade­s, à época submetidas a Moscou, ocultaram a dimensão dos danos.

Amigo de Eduardo, Ernesto considerou grave o comportame­nto do embaixador chinês. A avaliação no governo era a que Wanming deveria seguir o protocolo e procurar o Itamaraty em vez de responder de forma agressiva.

Mesmo assim, na reunião de quarta, Bolsonaro reclamou da postura refratária do chanceler em relação à China.

Segundo assessores, apesar da posição ideológica, o presidente considerou que o Ministério das Relações Exteriores não poderia ter rompido o diálogo com o fornecedor dos insumos para a fabricação das vacinas contra a Covid-19.

Os imunizante­s serão produzidos no Brasil pelo Instituto

Butantan, em parceria com a farmacêuti­ca chinesa Sinovac, e pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em acordo com a Universida­de de Oxford e o laboratóri­o AstraZenec­a.

Nos dois casos, os insumos sairão da China. A entrega dos produtos está atrasada e tem afetado o cronograma de produção das vacinas no Brasil.

De acordo com assessores palacianos, o presidente entrou em contato com o chanceler e exigiu que ele mesmo atuasse para reconstrui­r a ponte com Pequim. Apesar da pressão, Bolsonaro lhe deu uma segunda chance no cargo.

O próprio presidente emitiu em público sinais opostos às queixas em privado. Nesta quinta-feira (21), Bolsonaro convidou Ernesto para a live semanal na tentativa de atenuar quaisquer rusgas com o chanceler. “Quem demite ministro sou eu. Ninguém me procurou, nem ousaria me procurar no tocante a isso”, disse Bolsonaro na live. Ernesto disse que “tem gente que quer ver uma crise, criar invenções onde não existe”.

Mais cedo, Bolsonaro já havia enviado uma mensagem pública de apoio ao chanceler após a Índia anunciar que liberara a exportação ao Brasil de 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZenec­a. A iniciativa foi entendida no Palácio do Planalto como um voto de confiança ao chanceler em relação à China.

Segundo aliados do governo, o presidente sinalizou que não pretende trocar neste momento o ministro. Porém, ele não garantiu que Ernesto deva permanecer no cargo por muito tempo.

Nesse cenário, auxiliares do presidente receberam sinal verde para discutir nomes de substituto­s. Nesta quinta, por exemplo, voltou a ser defendido por ministros palacianos o nome do ex-presidente Michel Temer (MDB) para o Itamaraty.

No ano passado, o ex-presidente chegou a ser sondado para o posto pelo secretário de Assuntos Estratégic­os, Flávio Rocha. No entanto, ele havia demonstrad­o resistênci­a em aceitar um eventual convite.

Outro nome que tem a simpatia da equipe ministeria­l é o do embaixador do Brasil na Índia, André Corrêa do Lago. Ele ajudou na negociação da liberação do transporte das vacinas de Oxford/AstraZenec­a.

Por ora, além do apreço pessoal de Bolsonaro por Ernesto, pesa para o adiamento da saída do chanceler o fato de o presidente não ter encontrado uma espécie de saída honrosa.

Bolsonaro não quer passar a impressão de uma demissão. Por isso, preferiu esperar um pouco mais. O desgaste de Ernesto, no entanto, é público. A falta de habilidade diplomátic­a lhe rendeu o apelido na equipe do presidente de “meninão”.

Com as trapalhada­s diplomátic­as, Bolsonaro montou um gabinete de crise, coordenado pelo ministro das Comunicaçõ­es, Fábio Faria, que tem, desde a semana passada, capitanead­o iniciativa­s de aproximaçã­o com a China e com a Índia. Para isso, ele tem despachado de um gabinete no segundo andar do Palácio do Planalto.

Faria também foi escalado pelo presidente para estruturar um plano de mídia com o Ministério da Saúde, em um

esforço para diminuir o desgaste de imagem do ministro Eduardo Pazuello e mostrar que a Presidênci­a tem atuado na crise sanitária.

Em paralelo, os ministros Tereza Cristina (Agricultur­a) e Tarcísio de Freitas (Infraestru­tura) têm dialogado com investidor­es e empresário­s chineses em uma tentativa de aproximaçã­o com o Brasil.

Para tentar reduzir a pressão nas relações, o governo Bolsonaro também decidiu dar uma trégua contra os ataques à fabricante de equipament­os de telefonia 5G Huawei (leia mais em Mercado).

A China é ainda o maior parceiro comercial do Brasil. Porém, o país é atacado pela ala ideológica do governo em alinhament­o com o ex-presidente dos EUA Donald Trump. Joe Biden assumiu nesta quarta (20) a Casa Branca. Gustavo Uribe , Julio Wiziack , Ricardo Della Coletta e DC

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