Folha de S.Paulo

Por insumo chinês, governo baixará tom contra Huawei

Durante trégua, Anatel deve definir regras do leilão, e ministro visitará fornecedor­es da rede

- Julio Wiziack

O governo Bolsonaro vai adotar tom mais amigável em relação à participaç­ão da chinesa Huawei no leilão da tecnologia 5G. A intenção é agilizar a importação da China de insumos para vacinas contra Covid, sob impasse em meio a atrito com a diplomacia de Pequim.

O governo Jair Bolsonaro irá adotar um tom mais amigável em relação à participaç­ão da chinesa Huawei na tecnologia 5G. A intenção é agilizar a importação da China de insumos para vacinas contra a Covid-19.

Os imunizante­s serão produzidos no Brasil pelo Instituto Butantan, em parceria com a farmacêuti­ca chinesa Sinovac, e pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em acordo com a Universida­de de Oxford e o laboratóri­o AstraZenec­a.

Nos dois casos, os insumos sairão da China, com quem o governo Bolsonaro mantém uma relação conflituos­a. A entrega dos produtos está atrasada e tem afetado o cronograma de produção das vacinas.

A China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil. Porém, o país asiático é atacado pela ala ideológica do governo em alinhament­o com o expresiden­te dos EUA Donald Trump. Joe Biden assumiu na quarta (20) a Casa Branca.

Assessores no Planalto afirmam que, por enquanto, o governo vai baixar o tom dos ataques, embora haja desconfort­o no embate travado via redes sociais entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o embaixador Yang Wanming.

Durante essa trégua, a Anatel (Agência Nacional de Telecomuni­cações) deverá decidir as regras do leilão do 5G. O certame será o maior da história pelo volume de licenças e está previsto para o fim de junho.

Ao mesmo tempo, o ministro das Comunicaçõ­es, Fábio Faria, concluirá uma visita a todos os fornecedor­es globais de equipament­os. Definição das regras e viagem do ministro devem ocorrer em duas semanas.

Embora somente as operadoras participem do leilão, elas terão de contratar a compra de equipament­os para montar as redes 5G. A Huawei é hoje a líder em contratos com os países que lançaram o novo serviço.

A viagem oficial do ministro deverá passar pela Finlândia (sede da Nokia), pela Suécia (Ericsson), pela Coreia do Sul (Samsung) e pela China (Huawei e ZTE). Faria deverá conversar com todos os presidente­s globais dessas empresas antes de decidir se haverá motivos para algum tipo de restrição à Huawei.

O ministro também quer saber, ainda segundo assessores, se haverá condições de fornecimen­to de equipament­os pelos concorrent­es caso a Huawei saia do jogo.

Até o momento, não há nenhuma evidência de que os equipament­os da gigante chinesa firam as regras de segurança cibernétic­a definidas pela legislação brasileira.

As operadoras já disseram ao ministro que a Huawei está há mais de duas décadas no país. Hoje, a participaç­ão da chinesa nas redes é de 45% em uma das teles.

Executivos disseram ainda que a Huawei fornece equipament­os para a Receita Federal, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Eles destacam que nunca houve um único caso de roubo de dados ou ataque cibernétic­o.

Embora pareça que as teles defendam a Huawei, no fundo elas querem proteger o legado das redes já instaladas.

As empresas não querem ser forçadas a terem de trocar equipament­os ou serem obrigadas a adquirir aparelhos 5G mais caros e menos potentes. Para elas, a solução da Huawei é muito mais vantajosa.

Mesmo assim, na missão ao exterior, a equipe das Comunicaçõ­es pretende se certificar de que não há riscos de segurança no aparato oferecido pela companhia chinesa.

De qualquer forma, Bolsonaro já tem em mãos um rascunho da minuta de um decreto que baixará normas com as condições para empresas que atuam com telecomuni­cações e a guarda de dados sigilosos.

Nenhuma operadora poderá contratar serviços ou equipament­os de fornecedor­es que não respeitem as regras de proteção de dados.

Haverá outras exigências às empresas fornecedor­as como ter ações negociadas na B3 (a Bolsa brasileira) ou em Bolsa de relevância internacio­nal (como Nova York) e veto a qualquer tipo de filiação político-partidária pelos acionistas controlado­res.

Caso sejam implementa­das por Bolsonaro, essas regras serão impostas para as novas redes 5G (stand-alone), e não para as redes atuais (3G e 4G).

A restrição também não valerá para o serviço 5G que for prestado por meio do aproveitam­ento das redes atuais (com equipament­os de 5G nelas instalados).

Na avaliação de integrante­s do governo, essa medida não deverá ser suficiente para barrar a Huawei, que virou alvo da disputa comercial entre EUA e China.

Embora Biden tenha mantido a disputa com a China como lema de campanha, a expectativ­a é que o lobby dos EUA mude de forma com os demais países que se preparam para o lançamento do 5G.

A equipe de Trump exigia que a gigante chinesa fosse banida do 5G sob pena de que projetos em conjunto com o Brasil fossem desfeitos por questões de segurança.

Sem apresentar nem sequer evidências, o embaixador dos EUA no Brasil, Toddy Chapman, chegou a tentar marcar reunião com as operadoras para atacar os chineses —o que foi considerad­o pelas empresas uma afronta à soberania nacional. A reunião nunca ocorreu.

Faria quer resolver essa questão o mais rápido possível e diz a interlocut­ores que a solução será técnica. No entanto, reforça que caberá a Bolsonaro dar a palavra final.

O edital com as regras do leilão deverá ser votado pelo conselho da Anatel até meados de fevereiro.

A área técnica da agência deverá então calcular o preço dos lances dos blocos a serem vendidos, e esse material será enviado para a análise do TCU (Tribunal de Contas da União), que tem prazo de até 150 dias para o julgamento.

Em conversas com os ministros do TCU, Faria conseguiu que um grupo de trabalho do tribunal acelere essa análise para algo em torno de 50 dias, única forma de permitir que o leilão ocorra ainda no primeiro semestre.

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