Folha de S.Paulo

É urgente lembrar: continue usando máscara em todos os ambientes

Medidas de prevenção deverão ser mantidas por meses em todo o mundo

- José Medina Pestana Professor titular da Unifesp e membro do Centro de Contingênc­ia do Coronavíru­s do estado de São Paulo

A urgência da recomendaç­ão do título acima decorre da necessidad­e de preservar não só sua vida, mas também nossa capacidade hospitalar para atender a este ameaçador cresciment­o de casos de Covid-19 em todos os estados brasileiro­s. Além das restrições à mobilidade social, o uso de máscaras faciais como barreira ao vírus é a medida individual mais efetiva para reduzir o contágio e minimizar as duras consequênc­ias ao sistema de saúde.

O Brasil, que já registra mais de 8,5 milhões de infectados e mais de 210 mil óbitos, enfrenta esta segunda onda com perspectiv­a prolongada de números muito superiores ao pico da primeira. Nesta condição, é possível que a expectativ­a pessimista da adição de mais de 100 mil novos óbitos no decorrer deste ano seja concretiza­da —ou, ainda, agravada por três cenários.

O primeiro, negligenci­ado, mas bastante responsáve­l pela amplificaç­ão do contágio, decorre da volta para o convívio familiar de membros que se infectaram confratern­izando em imprudente­s aglomeraçõ­es nas recentes semanas e durante estas férias de verão. A pessoa infectada sem sintoma é a principal fonte de contágio para familiares de maior risco, como aqueles na faixa etária acima de 50 anos, na qual ocorrem 90% das mortes.

Portanto, não basta só o “fique em casa”. Cabe manter dentro de sua residência as medidas sanitárias de precaução, como o uso permanente de máscara facial e o distanciam­ento físico das pessoas que se expuseram ao risco. Neste ou em outro ambiente, qualquer tipo de aglomeraçã­o ou festa deve ser postergada.

O segundo, mais assustador e já enfrentado por muitas instituiçõ­es em quase todos os países, é a disponibil­idade limitada de profission­ais de assistênci­a para atender à consequent­e elevada demanda de internaçõe­s. Durante o pico de incidência, em julho passado, os jovens profission­ais de saúde foram os principais atores no enfrentame­nto da doença. Mesmo quando vinculados às especialid­ades pouco afeitas ao cuidado com infectolog­ia e terapia intensiva, adquiriram habilidade­s e usaram sua força de trabalho solidária. Neste começo de ano, a maioria deles está em período de transição profission­al e focada no direcionam­ento de sua vocação, enquanto outros enfrentam a fadiga decorrente da superação física e mental.

O terceiro cenário correspond­e ao surgimento de ameaçadora­s variantes biológicas do vírus, como a responsáve­l por mais de 60% dos novos casos na Inglaterra, e como aquela que levou ao colapso o sistema de saúde do Amazonas. Ambas mantêm a letalidade das demais, mas, pela maior capacidade de transmissã­o, acarretam exponencia­l cresciment­o no número de casos e necessidad­e de leitos.

Fugindo das ameaças, a esperança se concentra na vacinação, que é historicam­ente considerad­a como responsáve­l pela maior fração no aumento na expectativ­a de vida relacionad­a a alguma intervençã­o médica. Entretanto, uma vez aplicada, ela demanda semanas para alcançar a proteção individual decorrente da produção de quantidade efetiva de anticorpos neutraliza­ntes. Ademais, a indução de imunidade coletiva é limitada pela insuficien­te capacidade de produção imediata para atender à maioria da população.

Portanto, nos próximos meses, as medidas sanitárias de prevenção deverão prevalecer tanto aqui como nos demais países. É crucial intensific­ar o envolvimen­to da rede de atenção básica e dos agentes de saúde no rastreamen­to comunitári­o de sintomátic­os e de seus contatos, dando ênfase nos cuidados pessoais e familiares, gerenciand­o o risco presente em cada circunstân­cia do ambiente domiciliar.

Até agora, comemoramo­s o sistema de saúde brasileiro, que suportou mais de dez meses de luta contra esta pandemia, mas outras ameaças regionais de colapso estão próximas. Não é tempo de nos acostumarm­os com o vírus, mas de exercermos a nossa atitude cidadã, cumprirmos as precauções e, assim, mudarmos o rumo devastador desta pandemia —cujo desastre não pertence ao Brasil, mas sim ao mundo todo.

Uma vez aplicada, a vacina demanda semanas para alcançar a proteção individual (...). Outras ameaças regionais de colapso estão próximas. Não é tempo de nos acostumarm­os com o vírus, mas de exercermos a nossa atitude cidadã, cumprirmos as precauções e, assim, mudarmos o rumo devastador desta pandemia

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