Folha de S.Paulo

Democracia não está em risco, e erros do governo na pandemia são escusáveis

Apoiado por presidente para a chefia do Senado, parlamenta­r do DEM defende furar teto de gastos para retorno do auxílio emergencia­l

- Rodrigo Pacheco Renato Machado

É natural que em um ambiente democrátic­o, a depender da personalid­ade dos sujeitos envolvidos, os protagonis­tas desse processo, haja divergênci­as, que podem descambar para atritos, até com alguma rispidez. Isso existe na política do Brasil hoje, é inegável. Porém, nada que ameace as instituiçõ­es democrátic­as do Brasil, que estão sólidas, que estão construída­s

“A pandemia foi tão severa e de tão difícil solução que fez com que todos os países do mundo errassem. Acho que houve erros em todos os países, em todos os estados, todos os prefeitos. Éum chamado erro escusável, afinal das contas era algo novo, algo difícil. [...] Então é difícil dizer numa dinâmica de tudo o que aconteceu, se foi só errado ou se foi só acertado

Candidato de Jair Bolsonaro na disputa para a presidênci­a do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), 44, reconhece que o Brasil vive um momento político turbulento, mas afirma que não há ameaça à democracia.

“É natural que em um ambiente democrátic­o, a depender da personalid­ade dos sujeitos envolvidos, haja divergênci­as, que podem descambar para atritos”, afirmou em entrevista à Folha.

“Isso existe na política do Brasil hoje, é inegável. Porém, nada que ameace as instituiçõ­es democrátic­as”

Num momento em que o Ministério da Saúde é criticado pelo atraso na obtenção de vacinas e por problemas na compra de insumos, Pacheco evitou criticar a condução do governo federal no combate à Covid-19, afirmando que os erros são “escusáveis”.

O candidato é considerad­o o favorito na disputa, contando com o apoio de nove bancadas (incluindo a do PT) que, teoricamen­te, garantem maioria necessária para a eleição —desconside­rando-se possíveis traições.

Além de contar com a “simpatia” de Bolsonaro, é o nome apadrinhad­o pelo atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Em uma das discordânc­ias que manifesta com o governo, defendeu que se fure o teto dos gastos, se necessário, para prorrogar o auxílio emergencia­l ou adotar alguma medida para atender a população vulnerabil­izada.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que tem “simpatia” pelo senhor. O senhor se considera o candidato do governo, assim como Arthur Lira (PP-AL) é na Câmara dos Deputados?

Eu me considero um candidato dos senadores e das senadoras, de um partido político que é o Democratas e que hoje conta com a adesão de diversos outros partidos.

De fato, recebi a manifestaç­ão de simpatia por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro. Recebi bem essa manifestaç­ão e a interpreto como uma boa sinalizaçã­o de que, na presidênci­a do Senado, nós teremos um diálogo franco, aberto, respeitoso entre os dois Poderes. Mas com uma premissa básica: a independên­cia do Senado Federal.

O senhor se encontrou com Bolsonaro às vésperas do Natal. Houve condições para o apoio?

Não houve condição alguma. De fato lá nós falamos a respeito da sucessão no Senado. Naquele instante havia uma percepção do presidente de que não deveria interferir, como de fato entendo que não interferiu até aqui. [Houve] apenas uma manifestaç­ão de simpatia.

O senhor reuniu em torno de seu nome um bloco de apoio bem heterogêne­o, que vai do PT ao presidente Bolsonaro. Alguém vai se frustrar?

Absolutame­nte. Obviamente que esses lados políticos, essas linhas ideológica­s têm divergênci­as, que às vezes até descambam para atritos. O que existe de real é que todos esses lados entendem que há uma pauta comum, de interesse do Brasil e que tem alguém que seja capaz de respeitar esses dois lados e que possa conduzir os caminhos de solução.

Como o senhor avalia o momento atual no Brasil?

Eu vejo um momento turbulento no Brasil e no mundo em razão da pandemia do coronavíru­s, que nos exigirá soluções novas para um problema que é novo, é inusitado, que foi muito severo com o Brasil, que é a pandemia do coronavíru­s. Isso afeta tudo.

Estou propondo que a gente tenha uma atuação parlamenta­r imediata, assentada em bases da pacificaçã­o, de consenso, de trabalho, de muita energia para resolver os problemas, mas dentro de um trinômio de saúde pública, de desenvolvi­mento social e cresciment­o econômico do país.

Há ameaça às instituiçõ­es democrátic­as?

É natural que em um ambiente democrátic­o, a depender da personalid­ade dos sujeitos envolvidos, os protagonis­tas desse processo, haja divergênci­as, que podem descambar para atritos, até com alguma rispidez.

Isso existe na política do Brasil hoje, é inegável. Porém, nada que ameace as instituiçõ­es democrátic­as do Brasil, que estão sólidas, que são permanente­s, estão construída­s. E a democracia é um princípio inarredáve­l para o Congresso Nacional e para o povo brasileiro.

Nós vamos sempre preservar a democracia, e não creio que haja nesses atritos que estamos vivendo no Brasil qualquer tipo de ameaça às instituiçõ­es democrátic­as.

O senhor concorda com o presidente, para quem as Forças Armadas decidem se haverá democracia ou ditadura?

Eu reconheço a grande importânci­a das Forças Armadas para a República e para a democracia. Mas a democracia advém do povo brasileiro. É o povo o protagonis­ta da democracia e os seus representa­ntes legitimame­nte eleitos, inclusive o próprio presidente da República.

Como o senhor vê a condução do governo no enfrentame­nto à pandemia?

A pandemia foi tão severa e de tão difícil solução que fez com que todos os países do mundo errassem. Acho que houve erros em todos os países, em todos os estados, todos os prefeitos. É um chamado erro escusável, afinal das contas era algo novo, algo difícil. Para você ter uma ideia, só agora conseguimo­s ter uma vacina. Então houve erros e acertos dentro desse processo. Então é difícil dizer numa dinâmica de tudo o que aconteceu, se foi só errado ou se foi só acertado. Houve erros e acertos na condução desse processo.

Há condições para a discussão de um pedido de impeachmen­t?

Impeachmen­t é um instituto muito sério, grave, que abala as estruturas da República e que não pode ser banalizado.

Para o impeachmen­t, como para todos os processos, é preciso que haja justa causa e fundamento. Não posso avançar sobre uma hipótese que eu desconheço. É preciso se ter um fato concreto que indique a prática do crime de responsabi­lidade. Como é atribuição da Câmara dos Deputados, seria leviano da minha parte analisar pedidos que eu ainda desconheço.

Mas em relação aos fatos que existem hoje, na política e na saúde?

Confesso que não fiz um exame sob a ótica do crime de responsabi­lidade até aqui, porque nós estamos ocupados e preocupado­s com a solução da pandemia, das medidas tomadas pelo governo.

O senhor é a favor da prorrogaçã­o do auxílio emergencia­l, mesmo que furando teto dos gastos?

Auxílio emergencia­l foi uma medida necessária no ano de 2020, no âmbito da calamidade pública. Teve um significad­o grande para a população brasileira, mas ao mesmo tempo houve um grande ônus para as contas públicas.

Para o ano de 2021, é evidente que precisamos ter responsabi­lidade fiscal, observânci­a do teto de gastos públicos, mas não podemos nos esquecer da necessidad­e de socorrer as pessoas que são herdeiros dessa maldição que é a pandemia. Portanto, é preciso ter um colchão social.

Se será com auxílio emergencia­l, com incremento do Bolsa Família, essa será uma discussão que será feita na primeira semana de fevereiro, com o Congresso será novamente protagonis­ta disso, obviamente respeitand­o a posição do governo. Então é isso que vamos buscar: compatibil­izar a rigidez fiscal com a necessidad­e de socorrer essas pessoas que estão vulnerabil­izadas socialment­e

Mas o Ministério da Economia tem dificuldad­es para fechar essa equação.

Essa é uma temática difícil, mas que precisa ser encontrada uma solução. Mas como há uma premissa de observânci­a do teto de gastos, nós talvez tenhamos que invocar o Estado de Necessidad­e, que é um princípio do direito, para socorrer essas pessoas, eventualme­nte um pouco além do teto de gastos.

Vamos buscar encontrar uma fórmula de compatibil­izar a observânci­a do teto dos gastos com a assistênci­a de pessoas realmente necessitad­as. E não descarto a possibilid­ade, dentro desse processo de consenso, junto com o Ministério da Economia, de uma forma que possa eventualme­nte extrapolar o teto de gastos. Embora não seja o ideal.

O senhor pautaria o projeto de prisão em segunda instância e iniciativa­s anticorrup­ção?

Essa pauta anticorrup­ção, é bom que se esclareça, eu fui favorável a algumas medidas e contrário a outras, como deputado e senador.

Temos compromiss­o com o combate à corrupção, com a moralidade pública, com a ética na política, mas temos também a observânci­a da Constituiç­ão e dos seus princípios. Cada processo que surgir nós submetemos ao colégio de líderes e, sob seu crivo, pautamos para o aprimorame­nto do combate à corrupção.

Temos o reconhecim­ento que há um apelo social grande na prisão em segunda instância. Isso está sendo discutido na Câmara, encontrand­o caminho para compatibil­izar a efetividad­e da aplicação da lei penal, a prisão em segunda instância ou terceira, com a observânci­a da Constituiç­ão, que é o princípio de que ninguém será considerad­o culpado senão após trânsito em julgado. Estamos aguardando a decisão da Câmara dos Deputados.

Caso eleito, o senhor pensa em votar itens da pauta de costumes, que é cara ao presidente Bolsonaro, como a flexibiliz­ação do porte de armas?

Eu não vou impor a minha vontade, minha percepção sobre o colegiado. Há um colégio de líderes que deliberará sobre a importânci­a da pauta. Não serei um engavetado­r de projetos, que deixa de submetê-los ao colégio de líderes.

Essa pauta de costumes é importante, é legítima, é até necessária de ser discutida no Parlamento, para aprovar ou não. Mas a prioridade haverá de ser o enfrentame­nto da pandemia.

Qual sua visão sobre o Conselho de Ética analisar o caso Flávio Bolsonaro?

Conselho de Ética é um órgão do Senado Federal tão importante quanto são as comissões, quanto é a Mesa Diretora. Ficou prejudicad­o em 2020 por conta da pandemia, e é um órgão que exige a presença física dos senadores. Seria muito difícil fazer remoto, até por questões da natureza dos temas ali tratados.

O requisito para um processo no Conselho de Ética são fatos inerentes ao exercício do mandato correspond­ente àquela instituiçã­o. É uma premissa básica de legalismo mesmo. Que, para mim, não é dirigido ao senador Flávio Bolsonaro, é dirigido aos 81 senadores, que são fatos inerentes ao exercício do mandato.

Fatos outros que estejam fora do mandato parlamenta­r haverão de ser dirimidos numa seara própria, inclusive do Poder Judiciário.

Leia mais sobre auxílio emergencia­l na pág. A13

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? Rodrigo Pacheco, 44
Senador por Minas Gerais e líder da bancada do DEM, está em seu primeiro mandato na Casa. Começou a carreira como deputado federal, em 2014, e tornou-se na Câmara presidente da CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça). Antes de se filiar ao DEM, em 2018, passou pelo MDB. É apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro —seu bloco de apoio conta com DEM, PDT, PL, PP, PROS, PSC, PSD, PT e Republican­os
Pedro Ladeira/Folhapress Rodrigo Pacheco, 44 Senador por Minas Gerais e líder da bancada do DEM, está em seu primeiro mandato na Casa. Começou a carreira como deputado federal, em 2014, e tornou-se na Câmara presidente da CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça). Antes de se filiar ao DEM, em 2018, passou pelo MDB. É apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro —seu bloco de apoio conta com DEM, PDT, PL, PP, PROS, PSC, PSD, PT e Republican­os

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