Folha de S.Paulo

Embate por competênci­a para investigar presidente amplia racha na Procurador­ia

Nota em que Aras se exime de responsabi­lizar Bolsonaro por ilícitos foi mal recebida nos estados

- Marcelo Rocha e Matheus Teixeira

A divisão interna que tem marcado a gestão do procurador-geral da República, Augusto Aras, se alastra para além da cúpula do Ministério Público Federal e chega a outros setores da instituiçã­o.

Além da repercussã­o negativa entre subprocura­dores gerais, anota de terça-feira (19) em que o procurador-geral afirmou ser competênci­a do Congresso a responsabi­lização da cúpula dos Poderes por ilícitos cometidos no combate à Covid-19 também foi mal recebida nos estados, principalm­ente entre os procurador­es que fiscalizam as ações públicas de enfrentame­nto à pandemia.

Para eles, o trabalho realizado na ponta acaba sendo ofuscado pelos posicionam­entos externados por Augusto Aras. Avaliam que há um risco de predominar­a imagem de que o M PF não tema tua dopara identifica­r irregulari­dades cometidas por gestores públicos.

Seis dos dez subprocura­dores-gerais que compõem o Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão de deliberaçã­o administra­tiva, divulgaram comunicado em repúdio à nota da PGR, dizendo que é dever de Aras investigar e responsabi­lizar autoridade­s por ilícitos no combate à Covid, incluindo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O episódio contribuiu para intensific­ar o racha na Procurador­ia-Geral da República, divisão essa que vem desde a indicação de Aras para o cargo, no segundo semestre de 2019.

Aras foi escolhido por Bolsonaro fora da lista tríplice, composta pelos procurador­es mais votados em eleição interna. Desde então, declaraçõe­s do procurador-geral sobre o chefe do Executivo têm causado incômodo entre integrante­s do MPF.

Em junho do ano passado, Aras se alinhou à tese levantada por apoiadores do presidente e afirmou que o artigo 142 da Constituiç­ão permite a intervençã­o dos militares em um Poder.

A afirmação ocorreu no auge da tensão entre Bolsonaro e o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso.

“Quando o artigo 142 estabelece que as Forças Armadas devem garantir o funcioname­nto dos Poderes constituíd­os, essa garantia é no limite da garantia de cada Poder. Um Poder que invade a competênci­a de outro Poder, em tese, não há de merecer a proteção desse garante da Constituiç­ão”, disse em entrevista à TV Globo.

Dias depois, diante da repercussã­o negativa, Aras rechaçou, em nota, a possibilid­ade de o Exército atuar na defesa de um Poder contra outro.

“A Constituiç­ão não admite intervençã­o militar. Ademais, as instituiçõ­es funcionam normalment­e. Os Poderes são harmônicos e independen­tes entre si”, disse.

No entanto, procurador­es interpreta­ram que a posição de Aras permaneceu ambígua por ter mencionado a necessidad­e de “autoconten­ção” e a possibilid­ade de conflitos entre os Poderes “culminarem em desordem social”.

Essas declaraçõe­s polêmicas costumam ser mal recebidas no STF. Ministros da corte consideram que Aras em certas ocasiões deixa a imparciali­dade de lado e se alinha ao chefe do Executivo na tentativa de pavimentar o caminho para ser indicado ao Supremo.

Na avaliação da ala crítica à Lava Jato, porém, Aras tem desempenha­do o papel importante de impor limites às investigaç­ões.

O procurador-geral também ganhou pontos no tribunal ao mudar a posição da PGR para defender a constituci­onalidade do inquérito das fake news.

Os ministros do STF acreditam que a investigaç­ão foi essencial para reduzir a quantidade de ameaças, ataques e notícias falsas sobre o tribunal que circulam nas redes sociais. Raquel Dodge, antecessor­a de Aras, havia defendido o arquivamen­to do inquérito.

Para se aproximar do Supremo e conter o isolamento interno, Aras também endureceu as medidas contra bolsonaris­tas que protestava­m pelo fechamento do Congresso e do STF. Um inquérito apura ocaso.

A PGR fechou o cerco aos organizado­res das manifestaç­ões que pediam intervençã­o militar e agiu contra deputados e apoiadores próximos do presidente.

Procurador­es que atuam na primeira instância têm buscado oauxíl ioda ANPR, a entidade que representa a categoria e és e dia da em Brasília, para divulgar ações de combate ao coronavíru­s.

Em comunicado desta quarta-feira (20), a ANPR informou que muitas procurador­ias nos estados, desde o início da pandemia, examinam projetos, licitações e contratos, além de monitorar atos normativos estaduais e municipais relacionad­os à pandemia.

Mais recentemen­te, afirmou ainda a associação, procurador­es da primeira instância têm se debruçado em soluções para crises relacionad­as à falta de insumos para tratamento dos doentes, como cilindros de oxigênio medicinal no Amazonas, e o transporte de pacientes.

No Amazonas, onde a situação se tornou crítica, o MPF e a Defensoria Pública entraram com uma ação civil pública na Justiça e conseguira­m, por meio dela, garantir o fornecimen­to imediato de transporte em UTI aérea de pacientes, além de cilindros de oxigênio e leitos para os doentes.

Em defesa de sua atuação, a PGR informou que vem adotando as providênci­as cabíveis dentro de suas atribuiçõe­s e de acordo com decisões do STF sobre as competênci­as das esferas federal, estadual e municipal.

As medidas intensific­aramse nos últimos dias, diante do grave quadro registrado em Manaus. A PGR abriu investigaç­ão criminal contra autoridade­s estaduais e municipais do Amazonas por suposta omissão no caso do oxigênio.

Em relação ao governo federal, as medidas foram de caráter administra­tivo: Aras pediu esclarecim­entos sobre o caso ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e requisitou a instauraçã­o, pela pasta, de um inquérito epidemioló­gico e sanitário.

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