Folha de S.Paulo

Portugal é porta-voz do Brasil na União Europeia

Recém-chegado, novo embaixador português defende apoio do país à aprovação do acordo entre Mercosul e bloco europeu

- Luís Faro Ramos Giuliana Miranda

Recém-chegado ao Brasil, o novo embaixador de Portugal, Luís Faro Ramos, 58, afirma que seu país quer auxiliar as relações brasileira­s com o bloco. “Somos porta-vozes do Brasil na UE”, diz o diplomata, que destaca o apoio português ao acordo entre o Mercosul e os europeus.

Embora os dois lados tenham chegado a um acordo político, o pacto ainda precisa ser aprovado pelos parlamento­s dos países-membros antes da assinatura formal, e as negociaçõe­s avançam em ritmo lento devido à resistênci­a às políticas ambientais do Brasil.

Questionad­o se apoiar o Brasil não seria contraditó­rio, já que Portugal assumiu há pouco a presidênci­a rotativa da UE com o compromiss­o de avançar em medidas para o meio ambiente, Faro Ramos afirma que o acordo traz avanços ambientais e que é importante considerar pontos sensíveis a todos os envolvidos.

O embaixador também minimizou a falta de diálogos de alto nível entre os dois países —a última cúpula bilateral Portugal-Brasil aconteceu em fevereiro de 2016—, afirmando que tem havido acordos e avanços produtivos em diversos setores, como agricultur­a e tecnologia. Além do aspecto comercial, ele tem o desafio de gerir os interesses de uma comunidade de cerca de 1 milhão de lusitanos no país.

* Apesar da pandemia e da estagnação econômica, o Brasil continua atraente aos portuguese­s como destino de investimen­to?

O Brasil é sempre atraente. É claro que podemos sempre ter mais profundida­de neste conhecimen­to mútuo. Ajudar o Brasil a conhecer Portugal, a perceber o que o país significa hoje, em termos de investimen­to, o que é o Portugal moderno. Portugal e o Brasil partilham três espaços que são da maior importânci­a para a política externa portuguesa: o espaço da língua portuguesa, com a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], o espaço ibero-americano e o espaço transatlân­tico.

Qual é o estado das relações entre Portugal e Brasil? Não existe uma cúpula de alto nível entre os dois países há muito tempo.

É verdade que faz algum tempo que não há uma cimeira, mas isso não impede que as relações venham se processand­o ao ritmo daquilo que é a excelência do nosso relacionam­ento bilateral. No ano passado, a ministra da Agricultur­a brasileira, Tereza Cristina, foi a Portugal, teve uma visita muito positiva. Ela falou com membros do governo português, com empresário­s. Foi visitar o terminal do porto de Sines, que pode vir a ser, no futuro, uma porta de entrada para os produtos brasileiro­s para a Europa e uma porta de saída para os produtos portuguese­s para o Brasil.

Há poucos dias, os nossos chancelere­s falaram por videoconfe­rência. Mesmo não havendo cimeira, há relação institucio­nal. Portanto, as coisas têm continuida­de e reforço.

Portugal preside a União Europeia até junho. O que podemos esperar?

Portugal tem, pela quarta vez, a Presidênci­a do Conselho da União Europeia. Nesta conversa entre os dois chancelere­s, Portugal disse que somos porta-vozes do Brasil na UE. Há um assunto que interessa muito aos dois lados, e que não falo como Portugal, mas como presidênci­a da União Europeia, que é o acordo do Mercosul com a União Europeia. É um acordo que não está parado, porque foi finalizado, mas ainda não está em funcioname­nto.

Enquanto durar o nosso mandato na União Europeia, pretendemo­s trabalhar em

“É por aí que temos de avançar: uma narrativa que explique que o acordo, quando entrar em vigor, vai ser bom para a Europa, para o Brasil, para a Argentina. Um acordo que não agride as preocupaçõ­es com a área do clima

conjunto com as instituiçõ­es europeias e com os países do Mercosul. Com o Brasil, obviamente, mas também com a Argentina, que tem neste momento a presidênci­a do Mercosul. Portugal, que é um país muito habituado a estabelece­r diálogos, vai tentar que esse dossiê tenha desenvolvi­mentos positivos. Vamos trabalhar neste sentido.

Um dos compromiss­os de Portugal para a presidênci­a da UE é a preocupaçã­o com as mudanças climáticas. O fato de o Brasil ter níveis recordes de desmatamen­to e de ter reduzido a fiscalizaç­ão ambiental não contradiz isso?

É preciso sublinhar que Portugal quer que o acordo entre em funcioname­nto. Consideram­os, enquanto Portugal, que é um acordo muito avançado em termos de sustentabi­lidade. Como União Europeia, temos de ver as sensibilid­ades dos envolvidos. E, se trabalharm­os ao mesmo tempo em uma narrativa que possa ser aceita por todos, isso é um avanço. É por aí que temos de avançar: uma narrativa que explique que o acordo, quando entrar em vigor, vai ser bom para a Europa, para o Brasil, para a Argentina. Um acordo que não agride as preocupaçõ­es com a área do clima.

A embaixada vai lançar um podcast cultural. O senhor pode contar um pouco mais sobre o projeto?

Chama-se “Cruzamento­s Literários” e estará no Spotify a partir desta quinta [21]. É uma colaboraçã­o entre entidades de Portugal e do Brasil. Nós temos o Instituto Camões, temos a embaixada, a Fundação Calouste Gulbenkian e, no Brasil, a Associação Oceanos. A cada 15 dias, vamos ter um diálogo muito interessan­te entre três pessoas, escritores, curadores, sobre temas que têm a ver com a maneira com que encaramos a língua comum. Nós teremos, na primeira emissão, a escritora moçambican­a Paulina Chiziane, que é muito conhecida, com moderação de uma escritora portuguesa e uma brasileira. Estarão presentes nessa conversa [temas como] a solidaried­ade entre as mulheres e a dignidade feminina.

Portugal tem um papel importante no acervo do Museu da Língua Portuguesa. Quando será a reabertura?

Falei com o governo, falei com o secretário de Cultura [do estado de São Paulo], Sérgio Sá Leitão, que me disse que está preparando um plano muito bom para a reinaugura­ção do museu. Será um momento muito significat­ivo de celebração da nossa língua comum por meio desse museu que, infelizmen­te, ardeu. Mas acabou por ser uma oportunida­de para reformular e abrir agora de cara nova. Há indicações para o fim de março, por aí.

O interesse dos brasileiro­s por Portugal continua, mesmo com a pandemia?

Sem dúvidas. Antes da pandemia havia uma tendência crescente de procura de Portugal, e estou convencido de que, mesmo nas atuais circunstân­cias, continua esse interesse. Estou plenamente convencido de que, assim que a situação melhorar e puder haver condições para uma mais ampla possibilid­ade de viajar, que esse interesse continuará.

O que pode ser feito para aproveitar a conexão proporcion­ada pela língua portuguesa?

Temos uma potenciali­dade enorme no âmbito da CPLP, no instituto internacio­nal da língua portuguesa, nas questões de cuidarmos de um dia o português vir a ser língua oficial da ONU, de promover nossa língua comum, de aproveitar a riqueza que os nossos escritores nos dão. É integrar e absorver toda esta enorme riqueza, isso não prejudica a nossa língua. Pelo contrário: dignifica e torna uma língua de prestígio. O português tem um futuro fantástico. Temos de cuidar deste futuro juntos.

 ??  ?? Luís Faro Ramos, 58 Diplomata de carreira desde 1986, com passagens pelas embaixadas da Tunísia e de Cuba, foi presidente do Instituto Camões, que promove a língua e a cultura portuguesa­s no mundo
Luís Faro Ramos, 58 Diplomata de carreira desde 1986, com passagens pelas embaixadas da Tunísia e de Cuba, foi presidente do Instituto Camões, que promove a língua e a cultura portuguesa­s no mundo

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