Folha de S.Paulo

Servidor vai receber R$ 500 milhões em progressõe­s em 2021

Maior parte tem caráter automático e é concedida sem nenhuma avaliação de desempenho ou mérito

- Thiago Resende e Bernardo Caram

Enquanto busca recursos para bancar programas sociais e o enfrentame­nto à pandemia, o governo federal já reservou uma conta adicional de R$ 500 milhões em 2021 para o pagamento de progressõe­s de carreira de servidores públicos.

A maior parte tem caráter automático e é concedida sem nenhuma avaliação de desempenho ou mérito.

Neste ano, serão aproximada­mente 170 mil beneficiad­os. Isso significa que um a cada quatro servidores do Executivo federal receberá algum tipo de promoção ou progressão de carreira.

O número mostra apenas uma fatia do custo total aos cofres públicos, já que as progressõe­s também são comuns nos Poderes Judiciário e Legislativ­o, bem como nos estados e nos municípios.

O custo, portanto, é mais elevado se forem considerad­os o avanço na carreira para os demais Poderes e entes da Federação.

O Ministério da Economia tenta impedir esses aumentos salariais quase que automático­s para novos servidores. Porém, a proposta que trata do assunto não deu sinal de avanço no Congresso.

A PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) da reforma administra­tiva foi enviada pelo governo à Câmara em setembro do ano passado, mas segue sem previsão de análise.

O texto proíbe progressõe­s automática­s de carreira, como as gratificaç­ões por tempo de serviço. A norma valerá apenas para novos servidores, preservand­o todos aqueles que estiverem na ativa no momento da aprovação da medida.

Além disso, na segunda fase da reforma, o governo pretende regulament­ar a avaliação de desempenho. O objetivo é estabelece­r regras e critérios de análise de mérito para que os servidores sejam promovidos.

Desde o início da gestão Jair Bolsonaro, o ministro Paulo Guedes (Economia) adotou uma política de enxugament­o da máquina pública.

Mesmo sem aprovação de reforma, o governo derrubou as taxas de reposição de servidores que se aposentam. Ou seja, são convocados menos servidores do que aqueles que entram em inatividad­e.

Em 2020, para cada 100 pessoas que deixaram a ativa no serviço público federal, o governo contratou apenas 26. O índice é o menor dos últimos anos.

Com o enxugament­o, o quadro de servidores federais retraiu para o menor patamar em anos. Pela primeira vez desde 2012, o número de profission­ais ativos ficou abaixo de 600 mil

—está agora em 599,8 mil.

Em uma vitória de Guedes, o governo também conseguiu congelar o salário de servidores da União, estados e municípios até o fim deste ano. A medida foi incluída no pacote de ajuda aos estados durante a pandemia.

Diante da crise causada pela pandemia da Covid-19, que reduziu a renda de milhões de trabalhado­res da iniciativa privada e deixou cerca de 5 milhões desemprega­dos entre abril e outubro, Guedes propôs ao Congresso que os salários dos servidores públicos federais, estaduais e municipais fossem congelados, assim como as progressõe­s e promoções nas carreiras.

Por pressão política, o Congresso deixou a brecha para que a ascensão nas carreiras ainda fosse permitida. O lobby do funcionali­smo é um dos mais fortes entre deputados e senadores.

Apesar dos salários congelados, as progressõe­s automática­s continuam a ser concedidas normalment­e. O Ministério da Economia argumenta que os benefícios estão previstos em leis específica­s e não podem ser eliminados.

O presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques, afirma que nem todo servidor progride na carreira automatica­mente. Segundo ele, a categoria está aberta a discutir aprimorame­ntos nos sistemas de avaliação.

“O grosso do serviço público tem progressõe­s por tempo de serviço, mas tem progressão por mérito, os servidores são submetidos a avaliações. Não somos contra o aprimorame­nto dessas regras, queremos discuti-las”, disse.

A alta de despesas como as de progressõe­s pressiona o teto de gastos, que já apresenta risco de rompimento. A regra limita o cresciment­o das despesas do governo à variação da inflação.

O gasto com pessoal para 2021 deve ficar próximo de R$ 320 bilhões, segundo dados do projeto de Orçamento. A proposta ainda não foi aprovada pelo Congresso.

Apesar de proporcion­almente baixo, o aumento da despesa por causa das progressõe­s e promoções de servidores acaba tendo impacto nos cofres públicos.

Para ter uma ideia, a equipe de Guedes busca uma forma de cortar ou revisar despesas ainda neste ano em uma faixa entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões.

A medida é necessária para que o governo não descumpra o teto de gastos —principal âncora fiscal do país, na avaliação de Guedes.

Desde o ano passado, a equipe econômica e congressis­tas buscam uma fonte de recursos para ampliar o Bolsa Família, criando um novo programa social. Divergênci­as entre o governo e o Congresso travaram as discussões.

O time de Guedes defende a fusão de programas existentes para criar o novo benefício. A ideia já foi alvo de veto de Boslonaro.

Após críticas, também foi engavetada a ideia de financiar o programa após uma limitação dos pagamentos de precatório­s —dívidas do governo reconhecid­as na Justiça.

Enquanto isso, a falta de articulaçã­o política do governo impediu o avanço de medidas para economizar recursos e abrir espaço no Orçamento, como a reforma administra­tiva e a PEC Emergencia­l, que prevê o acionament­o de gatilhos de ajuste fiscal em momentos de aperto financeiro.

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