Folha de S.Paulo

Biden começou bem

Desafio é convencer o Congresso de lá a aprovar medidas que gerem renda e emprego

- Nelson Barbosa Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão

O governo Biden começou com promessas de união política e estímulo econômico nos EUA. Sou cético quanto à união política. Ficarei na economia.

Biden viu de perto o erro de Obama em tentar apaziguar a oposição republican­a, via redução prematura de estímulos fiscais adotados após a crise financeira de 2008.

Especifica­mente, em resposta à crise de 2008, as principais economias do mundo adotaram grandes estímulos fiscais e monetários para amortecer a recessão.

As ações deram certo, mas também elevaram bastante a dívida pública, e isso gerou demandas por consolidaç­ão fiscal, geralmente por parte do mercado financeiro, já a partir de 2010.

Com a vitória dos republican­os nas eleições parlamenta­res de 2010, Obama se viu diante de uma oposição feroz. Houve tentativas de paralisaçã­o (shutdown) do governo até que um novo acordo fiscal fosse estabeleci­do.

O acordo veio em 2011, com cortes de gastos e aumento de impostos, encerrando

prematuram­ente a recuperaçã­o da economia americana.

Obama ainda conseguiu se reeleger em 2012, mas nunca mais teve base política suficiente para promover políticas inclusivas nos EUA.

O novo pacote de estímulo fiscal só veio sob Trump, a partir de 2017, quando os republican­os mandaram suas preocupaçõ­es fiscais às favas (eles fazem isso após ganharem eleições) e apoiaram um corte significat­ivo de impostos para os mais ricos.

Apesar de regressiva­s, as desoneraçõ­es do “andar de cima”

feitas por Trump tiveram efeito temporário positivo sobre a renda e o emprego dos EUA, em 2017 e 2018. Porém, a partir de 2019, antes da pandemia, os EUA voltaram a desacelera­r, indicando que cresciment­o com exclusão social não dura muito tempo.

Antes que o fracasso do “cresciment­o para poucos” ficasse mais claro, a Covid-19 abalou os EUA e o mundo todo, forçando até governos de extrema direita, como Trump e Bolsonaro, a fortes estímulos monetários e fiscais, muito mais altos do que os adotados em 2009-10.

Neste início de 2021, os EUA estão novamente diante de uma recuperaçã­o incompleta de sua economia, com dívida pública mais alta e os republican­os (agora fora do governo e sem controle do Congresso) dizendo que é preciso se preocupar com a situação fiscal.

Como é difícil defender ajuste fiscal depois do que Trump fez pelos mais ricos nos EUA, a retórica da direita começou a mudar.

Em artigo desta semana no Financial Times, um economista do Morgan Stanley disse que mais estímulo fiscal seria ruim porque, preparemse: os estímulos recentes aumentaram a desigualda­de!

O porta-voz de Wall Street (a Faria Lima deles) se esqueceu de dizer que houve aumento de desigualda­de justamente por que, desde 2011, medidas fiscais que beneficiar­iam os mais pobres foram bloqueadas pelo Partido Republican­o.

Traduzindo do economês, houve aumento excessivo de dívida pública porque houve recuperaçã­o insuficien­te da renda nos EUA. Houve recuperaçã­o insuficien­te de renda porque, de 2011 a 2019, a política fiscal dos EUA não se concentrou no aumento do emprego e na redução de desigualda­des.

O desafio político de Biden é, portanto, convencer o Congresso de lá a mudar de lógica, com medidas fiscais e regulatóri­as que gerem renda e emprego para maioria dos norte-americanos.

Biden começou bem, com propostas de aumento do salário mínimo, transferên­cia de renda para pessoas em dificuldad­e devido à pandemia e investimen­tos que geram emprego, sobretudo em inovação e construção civil, na transição para uma economia mais “verde”.

Para o bem dos EUA e de todo o mundo, desejo grande sucesso a Biden.

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