Folha de S.Paulo

Retrato aloprado - parte três

Uma biografia de Jair Bolsonaro livremente inspirada no podcast ‘Retrato Narrado’

- Renato Terra Roteirista e autor de ‘Diário da Dilma’. Dirigiu o documentár­io ‘Uma Noite em 67’

Você está lendo o terceiro episódio de “Retrato Aloprado”. Se não leu o primeiro ou o segundo, vá para renatoterr­a.blogfolha.uol.com.br.

A cidade de Eldorado ficou pequena para Jair Bolsonaro. Formado no ensino médio, ele não encontrava mais repertório para criar inimigos imaginário­s que justificas­sem sua inércia.

Então tentou rivalizar com dona Vamércia, uma vizinha fofoqueira. Bolsonaro passava os dias na rede dizendo que Vamércia “torcia contra o Brasil” e que por causa dela ele não conseguia se tornar neurocirur­gião de prestígio internacio­nal. Ou advogado. Não colou.

Entrou para o time de futebol da cidade e passou a dominar, como poucos, os segredos e artimanhas do banco de reservas. Num jogo dramático contra o Esporte Clube Paredão da Esquina, de Osasco, conseguiu encadear, ali sentado, os mais desconcert­antes impropério­s do futebol de várzea. Culpou o juiz pela derrota, pelo insucesso nos estudos, pela vida amorosa, pelas espinhas no rosto e pelos picolés chupados pela família Rubens Paiva. Um fenômeno.

Foi quando seu Percy Bolsonaro, um pai sensível e afetuoso, identifico­u a vocação do filho. Como se deve fazer numa relação marcada pelo diálogo, foi aconselhar o jovem: “Ô, traste, já completou 18 anos? Existe uma faculdade que ensina a criar inimigos de verdade, seu animal. Se chama Exército!”. E Bolsonaro respondeu: “O Exército vem me buscar em casa? É do interesse deles que eu me aliste”. Sua inércia foi quebrada pelo movimento do braço do pai em direção ao seu cocuruto.

No Exército, Bolsonaro ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras, a Aman. Rapidament­e se destacou por seu desempenho físico. Sempre inovador, ele conquistou a admiração dos colegas quando apresentou um novo conceito de flexões de braço. Ganhou o apelido de “minhocão”.

Na sala de aula, seu sistema cognitivo permitia apenas absorver o ódio ao comunismo exalado pelos militares que lutaram na guerrilha do Araguaia.

Vocacionad­o, treinado e doutrinado para eleger inimigos, Bolsonaro deu um passo importante em sua carreira em 1986 —escreveu um artigo na revista Veja reclamando dos baixos salários e do “ritmo de trabalho não inferior a 48 horas semanais”. Resolveu, portanto, eleger os próprios militares como inimigos. E foi deitar na rede.

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Débora Gonzales

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