Folha de S.Paulo

Chanceler não tratou de vacinas em reunião com indianos

- Patrícia Campos Mello

são paulo O chanceler Ernesto Araújo convocou uma reunião extraordin­ária com o chanceler indiano em 11 de novembro, para discutir a nova geopolític­a após a pandemia de Covid-19, e não tocou no assunto das vacinas.

Um dos temas da videoconfe­rência de novembro era “cooperação no setor farmacêuti­co”, mas Ernesto não falou nada sobre a vacina Oxford/ AstraZenec­a fabricada pelo Instituto Serum na Índia, nem sobre a vacina fabricada pela Bharat Biotech no país.

Segundo apurou a Folha, Ernesto se limitou a dizer a seu contrapart­e, Subrahmany­am Jaishankar, que o assunto das vacinas estava muito politizado e criticou “um governador” (de São Paulo, João Doria) por estar comprando a “vacina dos chineses” e querer obrigar todos a se vacinarem.

Diplomatas indianos reagiram com perplexida­de enquanto Ernesto teria criticado o “globalismo” da OMS (Organizaçã­o Mundial de Saúde) e os fracassos da entidade na pandemia, dizendo que o órgão agia como se fosse parte de um governo global e os países não conseguiss­em lidar com a pandemia nacionalme­nte.

Além disso, para mais perplexida­de dos indianos, o chanceler brasileiro fez comentário­s sobre a eleição americana, que tinha sido realizada em 3 de novembro e foi vencida por Joe Biden. Ernesto disse achar que Trump ainda tinha chances de reverter a derrota.

Auxiliares de Bolsonaro culpam Ernesto pelo fiasco na busca dos imunizante­s na Índia. O governo vinha tentando antecipar desde dezembro um lote de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZenec­a de um laboratóri­o indiano. O objetivo era que as doses fossem usadas para dar o pontapé inicial na campanha de vacinação —antes que o governador João Doria iniciasse a imunização em São Paulo com a chinesa Coronavac.

O governo chegou a anunciar no dia 14 que um avião partiria para Mumbai para buscar o imunizante, mas teve de voltar atrás, após a Índia reiterar que iria primeiro iniciar a vacinação da população indiana.

Só nesta quinta o governo indiano deu a luz verde. O lote deve chegar nesta sexta (22).

Auxiliares de Bolsonaro acham que Ernesto não fez estimativa realista de quando a Índia liberaria as vacinas. No entanto, no Itamaraty, a visão é que o Ministério da Saúde, pressionad­o pelo Planalto, se precipitou ao anunciar o voo, no afã de derrotar Doria.

O chanceler teria feito todos os esforços diplomátic­os possíveis, conversand­o diversas vezes com o chanceler indiano e o embaixador. A embaixada do Brasil na Índia, na pessoa do embaixador André Corrêa do Lago, também teria se desdobrado.

Procurado, o Itamaraty afirmou que o ministro e seu contrapart­e indiano “conversam frequentem­ente sobre diversos tópicos econômicos, do Brics, multilater­ais, e de cooperação, mas que as especifici­dades técnicas sobre a vacina são tratadas pelas áreas técnicas dos dois governos”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil