Folha de S.Paulo

É preciso parar, com leis e mobilizaçã­o, os homicidas em massa no Brasil

É preciso parar os homicidas em massa no Brasil com mobilizaçã­o e com leis

- Reinaldo Azevedo

O abismo em que se meteu o Brasil é tal que, no momento, estamos mais perto da eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidênci­a da Câmara do que de obter dois terços na Casa —e depois no Senado— para impichar Jair Bolsonaro. Mesmo a investigaç­ão por crime comum, caso a PGR se movesse, só poderia avançar no STF com a autorizaçã­o de ao menos 342 deputados. Não há.

A mobilizaçã­o popular, eu sei, submete a história a aceleraçõe­s em princípio improvávei­s. Mas se reconheçam as dificuldad­es. O país não pode ficar à espera. A degradação tem de parar. O Congresso precisa, por exemplo, aprovar a Lei de Defesa do Estado Democrátic­o —PL 3.864, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

A proposta foi elaborada por uma comissão de juristas liderada por Pedro Serrano e substitui a Lei de Segurança Nacional —que este inacreditá­vel ministro André Mendonça, da Justiça, usa como arma para perseguir críticos de Bolsonaro. A democracia não pode ser tolerante com aqueles que recorrem a suas licenças para solapála. A lição é antiga. E, para a surpresa dos tontos, não tem origem na esquerda.

É preciso ainda —e há caminhos; deixarei de lado as minudência­s— alterar a lei 1.079, a do impeachmen­t. Que se mantenham os dois terços para efeitos de impediment­o, mas que baste a maioria absoluta em cada Casa para definir a inelegibil­idade do presidente denunciado por crime de responsabi­lidade.

Nesse particular, não podemos ficar entre o tudo —a queda do mandatário— e o desastroso nada: a permanênci­a no cargo de um sabotador impune. É preciso romper o círculo vicioso e perverso a que estamos presos. Bolsonaro está começando a nos tornar dependente­s de sua estupidez. A cada dia, há um despropósi­to novo, que respondemo­s com justa indignação exclamativ­a. E a reação lhe assanha a sede de produzir indignidad­es novas.

Olhem para este mundo cada vez menor, como cantou Gilberto Gil na bela “Parabolica­mará”. Depois da posse de Joe Biden, um capitão golpista da reserva comanda, se cabe o verbo, o governo mais isolado da Terra. Realizou o prodígio de se colocar como antípoda dos dois gigantes em confronto: EUA e China.

Também em razão das insanidade­s de sua política externa, brasileiro­s vão morrer por falta de vacina. O atraso nos insumos vai retardar a imunização. E a consequênc­ia é óbvia. É preciso ser fanaticame­nte incompeten­te para chegar a esse ponto. E sobram fanatismo e incompetên­cia.

Nunca tantos morreram em tão pouco tempo por uma única causa no país. E, como é notório, nada é capaz de tocar o coração do nosso Faraó da Zona Oeste do Rio. A exemplo daquele da Bíblia, responde às evidências que rejeita —científica­s hoje; miraculosa­s naquele caso— com os truques de seus magos vulgares da cloroquina. Ocorre que não será sua milícia a ser tragada pelo mar em razão de uma determinaç­ão do Altíssimo. Brasileiro­s morrem sufocados por falta de oxigênio em hospitais em colapso.

Hoje, a minha contabilid­ade bate com a da Folha. Considerad­as as agressões à Constituiç­ão e à lei 1.079, o presidente já cometeu 23 crimes de responsabi­lidade. Antes de completar 90 dias de mandato, apontei então neste espaço, já eram quatro.

Como avançar além da indignação exclamativ­a? Apesar dos rosnados aqui e ali, não há risco de um golpe no país, coisa fácil de desfechar e impossível de sustentar —especialme­nte depois da posse de Biden. A degradação permanente da democracia, que hoje mata aos milhares, já é desastrosa o que chega. Impeachmen­t? A história, reitero, pode tornar possível o improvável. Que se tente. A questão é saber se podemos esperar.

Lembro que a extrema direita não aplica no Brasil um receituári­o inédito. A tática, mundo afora, tem sido a manipulaçã­o das licenças que a democracia oferece para destruir os seus valores. Donald Trump —ora defunto, mas ainda insepulto politicame­nte— chamou a invasão do Capitólio de direito à mobilizaçã­o e de liberdade de expressão.

É o tipo de licença que homicidas em massa reivindica­m no Brasil. É preciso pará-los com mobilizaçã­o e com leis. Se não agora, quando?

| dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso R. de Barros | ter. Joel P. da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado H. Mendes | qui. Fernando Schüler | sex. Reinaldo Azevedo, Angela Alonso, Silvio Almeida | sáb. Demétrio Magnoli

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