Folha de S.Paulo

AVIÃO DA ÍNDIA COM 2 MILHÕES DE DOSES DE VACINA CHEGA AO BRASIL

Carregamen­to chegou ao Rio de Janeiro, onde será processado pela Fiocruz

- Isabela Palhares, Daniel Carvalho e Júlia Barbon

Caixas com o imunizante da Oxford/AstraZenec­a vindas do país asiático são descarrega­das de aeronave no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA E RIO DE JANEIRO Um avião com 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZenec­a pousou em São Paulo na tarde desta sexta-feira (22), e em seguida partiu para o Rio de Janeiro, onde chegou por volta das 22h. O país tem agora dois tipos de imunizante contra a Covid-19.

O fármaco, importado da Índia, chegou ao Brasil depois de sucessivos adiamentos na liberação da carga, o que causou desgaste ao Palácio do Planalto, que apostava nessa vacina para dar o pontapé na campanha de imunização nacional.

As doses seriam então escoltadas pela Polícia Federal para um depósito da Fiocruz, onde técnicos do instituto fariam a checagem dos produtos e rotulagem dos frascos com informaçõe­s em português.

A previsão era de que esse trabalho durasse cerca de 15 horas e acontecess­e na madrugada e na manhã deste sábado (23), para que à tarde a vacina comece a ser distribuíd­a aos estados. Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, todos receberão os imunizante­s até 24 horas após o início da distribuiç­ão, ou seja, até domingo (24).

O ministro disse que o Amazonas receberá 5% das doses —a medida foi defendida por governador­es, que entendem ser a situação mais grave do país e temem o aumento de contaminaç­ão de estados vizinhos. O Ministério da Saúde não detalhou quantas doses serão enviadas para cada local.

A chegada do avião no aeroporto internacio­nal de Guarulhos foi acompanhad­a por Pazuello e os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e das Comunicaçõ­es, Fábio Faria. Em um breve pronunciam­ento, os auxiliares defenderam o governo Jair Bolsonaro sobre o processo conturbado da chegada das doses da Índia.

“Essa parceria envolveu um grande trabalho. Envolveu o presidente da República, várias autoridade­s da saúde, nosso embaixador. Eu falei pessoalmen­te todos os dias com o chanceler indiano para possibilit­ar a chegada dessas vacinas”, disse Araújo, que está sob forte pressão pela dificuldad­e que o Brasil tem encontrado de importar vacinas e insumos.

O uso emergencia­l da vacina de Oxford foi aprovado pela Anvisa no domingo (17), mesmo dia em que foi aprovada a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan com o laboratóri­o chinês Sinovac.

Foram autorizado­s 8 milhões de doses dos dois imunizante­s, sendo 6 milhões da Coronavac, que foram usadas para começar a campanha de vacinação em todo o país —a Anvisa autorizou o uso emergencia­l de um novo lote da Coronavac nesta sexta (leia na pág. B3).

A situação represento­u uma derrota ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que travou nos últimos meses guerra política com o governador paulista, João Doria (PSDB), em torno da Coronavac.

Durante o pronunciam­ento nessa sexta, Pazuello disse que o governo federal está empenhado em seu trabalho para “salvar vidas”.

“Nosso país jamais será dividido, nenhum brasileiro é mais importante que outro. Nenhum estado é mais importante”, disse o ministro.

Pela manhã, Bolsonaro quebrou seu jejum de cerca de sete meses sem falar com a imprensa na porta do Palácio da Alvorada para responder a algumas perguntas sobre a vacina.

Acompanhad­o de deputados da bancada ruralista que tomaram café da manhã com ele, Bolsonaro disse que os imunizante­s seriam distribuíd­os já neste sábado (23). “Pode ter certeza que a Aeronáutic­a está aí pronta para servir ao Brasil mais uma vez. E esta vacina, amanhã mesmo, se chegar hoje à noite, amanhã mesmo começando a chegar a seus destinos”, afirmou Bolsonaro em entrevista à CNN.

Acuado desde o fim da semana passada diante das críticas à condução de seu governo no enfrentame­nto da pandemia de coronavíru­s, Bolsonaro tem tentado se livrar das acusações de que é responsáve­l pelo caos sanitário em Manaus e pelo atraso na imunização no país.

Nesta sexta, chegou a dizer que não era contra a vacinação e se irritou quando uma jornalista o indagou sobre uma declaração antiga de que, segundo levantamen­to próprio e sem qualquer base científica, menos da metade da população não queria se imunizar. “Olha, eu vou acabar a entrevista assim”, reagiu o presidente.

Ao longo da manifestaç­ão à imprensa, Bolsonaro emitiu novos sinais contraditó­rios sobre vacinação —ora falou a favor ora lançou dúvida sobre os imunizante­s.

“Nós entregamos [o primeiro lote de vacina] tão logo a Anvisa aprovou... Esta era a minha oposição, né? Pessoal diz que eu era contra a vacina. Eu era contra a vacina sem passar pela Anvisa. Passou pela Anvisa, eu não tenho mais o que discutir, eu tenho que distribuir a vacina”, afirmou aos repórteres.

Logo em seguida, colocou em dúvida a credibilid­ade de imunizante­s.

“O que tenho observado é que ainda tem muita gente que tem preocupaçã­o com a vacina. E deixo bem claro: ela é emergencia­l. Eu não posso obrigar ninguém a tomar a vacina, como um governador, há um tempo atrás, falou que ia obrigar. Eu não sou inconseque­nte a este ponto”, disse Bolsonaro, numa referência a Doria.

Bolsonaro reiterou que a vacinação tem que ser voluntária. “Afinal de contas, não está nada comprovado cientifica­mente com esta vacina ainda”, afirmou, ignorando a aprovação pela Anvisa.

“Peço que o pessoal leia — não é a bula, mas eu chamo de bula— os contratos com as empresas para tomar pé daonde chegaram as pesquisas e porque não se concluiu ainda dizendo que é uma vacina perfeitame­nte eficaz.”

E, logo depois, voltou a falar positivame­nte sobre a vacina. “Pelo que tudo indica, segundo a Anvisa, ela vai ajudar aí que casos graves não ocorram no Brasil [em] quem for vacinado”, disse Bolsonaro.

Assim como fez em sua live semanal, Bolsonaro voltou a negar que problemas diplomátic­os sejam entraves com a Índia e, principalm­ente, com a China, país de onde vem o insumo para a produção da Coronavac no Brasil.

“Nunca houve qualquer estremecim­ento nas relações entre Brasil e China e entre Brasil e Índia. A China precisa de nós e nós precisamos da China. E o mundo é assim. Jamais fechamos as portas, seja para qual país for. Estamos sempre prontos a atender os interesses nacionais e obviamente, né, preservar aquilo que temos de mais sagrado aqui que é nossa soberania”, afirmou.

No entanto, quando questionad­o se estava em contato com autoridade­s chinesas, Bolsonaro limitou-se a responder que não divulga suas conversas, embora em suas redes sociais haja registros de diálogos que manteve pessoalmen­te ou virtualmen­te com representa­ntes de outros países.

Após a entrevista, o presidente foi às redes sociais para agradecer ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

“O Brasil sente-se honrado em ter um grande parceiro para superar um obstáculo global. Obrigado por nos auxiliar com as exportaçõe­s de vacinas da Índia para o Brasil”, escreveu Bolsonaro. Uma versão desta mensagem também foi publicada em inglês na conta do presidente em rede social.

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Nelson Almeida/AFP
 ?? Amanda Perobelli/Reuters ?? Da esq., o embaixador da Índia, Suresh Reddy, e os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Eduardo Pazuello (Saúde) e Fábio Faria (Comunicaçõ­es), na chegada da aeronave com as vacinas no aeroporto internacio­nal de Guarulhos nesta sexta
Amanda Perobelli/Reuters Da esq., o embaixador da Índia, Suresh Reddy, e os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Eduardo Pazuello (Saúde) e Fábio Faria (Comunicaçõ­es), na chegada da aeronave com as vacinas no aeroporto internacio­nal de Guarulhos nesta sexta

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