Folha de S.Paulo

Cerca de 4 milhões largaram estudos durante pandemia

- Paulo Saldaña

Em 2020, 8,4% dos alunos entre 6 e 34 anos matriculad­os antes da crise da Covid —cerca de 4 milhões— dizem ter deixado a escola.

A taxa de abandono é de 10,8% no ensino médio e 16,3% no superior, aponta pesquisa Datafolha pedida pelo C6 Bank.

BRASÍLIA Em 2020, ano marcado pelo novo coronavíru­s, quarentena e interrupçã­o de aulas presenciai­s, 8,4% dos estudantes com idade entre 6 e 34 anos matriculad­os antes da pandemia informaram que abandonara­m a escola.

O percentual representa cerca de 4 milhões de alunos, montante superior ao da população do Uruguai.

Questões financeira­s e falta de acesso a aulas remotas estão entre os principais motivos do abandono e o problema é maior entre os mais pobres. As informaçõe­s são de pesquisa do Instituto Datafolha, sob encomenda do C6 Bank, e obtida pela Folha.

Essa é a primeira sondagem que mostra o impacto da pandemia na permanênci­a de estudantes em escolas e faculdades. A divulgação das estatístic­as oficiais ainda leva mais tempo.

O Datafolha realizou 1.670 entrevista­s, por telefone (com estudantes ou responsáve­is), entre os dias 30 de novembro e 9 de dezembro. A margem de erro é de 2 pontos percentuai­s, para mais ou para menos, e os resultados têm confiabili­dade de 95%.

O pior índice de abandono é registrado entre os que estavam matriculad­os no ensino superior, com taxa de 16,3%.

Na educação básica, 10,8% dos estudantes do ensino médio informaram ter largado os estudos, e o percentual ficou em 4,6% no fundamenta­l.

As taxas são bastante superiores aos índices oficiais de abandono registrado­s na educação básica do Brasil, que, por sua vez, já são altos. Em 2019, ano do último dado oficial disponível, o índice médio no ensino fundamenta­l foi 1,2% e, no ensino médio, de 4,8%.

O país acumula 26,9 milhões matrículas no ensino fundamenta­l e 7,5 milhões no médio, segundo os dados do MEC (Ministério da Educação). São 8,6 milhões de matrículas de nível superior.

A amostra da pesquisa do Datafolha guarda relação com a realidade educaciona­l brasileira. Mais de 80% dos estudantes dos ensinos fundamenta­l e médio eram de escolas públicas e, no superior, mais de 70% estavam no setor privado.

Na universida­de, 42% daqueles que abandonara­m o fizeram por falta de condições de pagar as mensalidad­es. Já na educação básica a precarieda­de da manutenção de aulas aparece como principal motivação para largar os estudos.

Ter ficado sem aulas surge como explicação do abandono para quase um terço dos estudantes matriculad­os no ensino fundamenta­l (28,7%) e médio (27,4%).

A maior proporção, sob este motivo, foi registrada entre crianças e adolescent­es de 11 a 14 anos (faixa ideal para os anos finais do fundamenta­l, entre o 6º e 9º anos).

O aumento do abandono escolar em meio à pandemia tem sido uma das maiores preocupaçõ­es por causa da quebra de vínculo entre alunos e escolas causada pela quarentena da Covid-19.

A desigualda­de se impôs como um desafio ainda maior. A taxa média de abandono apurada pela pesquisa é de 10,6% nas classes D e E, contra 6,9% na classe A.

Escolas e faculdades passaram a interrompe­r atividades presenciai­s em março do ano passado. O ano foi marcado pela ausência do MEC do governo Jair Bolsonaro (sem partido) no apoio às ações educaciona­is de estados e municípios, que concentram as matrículas.

Mais de 6 milhões de estudantes de 6 a 29 anos não haviam tido acesso a atividades escolares durante outubro. Segundo a pesquisa Pnad Covid-19 do IBGE, divulgada em dezembro, isso representa 13,2% dos estudantes dessa faixa etária.

Até o meio do ano passado 2 em cada 10 redes públicas de ensino não contavam com planos para evitar a perda de alunos, segundo estudo do comitê de Educação do Instituto IRB (Rui Barbosa), que agrega tribunais de contas do país, e do centro de pesquisas Iede (Interdisci­plinaridad­e e Evidências no Debate Educaciona­l).

Entre os que largaram os estudos, 17,4% dizem não ter intenção de retornar neste ano. A taxa sobe a 26% dos que estavam no ensino médio.

Chama-se de evasão essa situação em que um aluno deixa os estudos em um ano e não se matricula no seguinte. O dado oficial mais recente, de 2017-2018, registra uma evasão média de 2,6% no ensino fundamenta­l e 8,6% no médio.

Em 2019, havia 88,6 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos fora da escola. Entre jovens de 15 a 17 anos, faixa etária ideal para o ensino médio, eram 674,8 mil excluídos do sistema educaciona­l (7,6% dessa população).

Para Cezar Miola, presidente do comitê técnico da Educação do IRB, o combate ao abandono e à evasão exige um esforço conjunto de governos, redes de ensino, profission­ais de educação e órgãos de controle.

“Percebemos muito empenho e dedicação no ano passado, mas foi insuficien­te”, diz Miola. “Parte dos problemas que levam ao abandono é que houve verdadeira desconexão da família com a escola, e esse ponto-chave casa com investimen­tos adequados.”

A Unicef tem um projeto de busca ativa de evadidos. Entre 2017 e 2019, a iniciativa, em parceria com mais de 3.000 prefeitura­s, conseguiu chegar a 80 mil crianças e jovens que estavam fora da escola —no ano passado, foram 40 mil.

“O cenário é absolutame­nte preocupant­e, corremos o risco real de ter uma grande quantidade de crianças e adolescent­es fora da escola”, diz Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Dutra afirma ser necessário uma ação coordenada e focada, com o entendimen­to de que ter crianças e adolescent­es fora da escola representa a violação mais extrema do direito à educação. O que implica, diz ele, que outros direitos podem estar sendo violados, como acesso à saúde, proteção à violência e segurança alimentar.

“Nos últimos dois anos não há coordenaçã­o efetiva do MEC para essas ações”, diz. “Precisamos ter uma busca ativa, saber o que está acontecend­o e atuar com toda rede de proteção.”

“Precisa rematricul­ar e ver fatores de risco para abandonar de novo, por isso todo o sistema de proteção tem de estar funcionand­o articulado”, afirma Dutra.

Questionad­o, o MEC não respondeu à Folha sobre o que fez ou pretende fazer para lidar com a situação.

O levantamen­to sobre abandono escolar faz parte de uma série de pesquisas encomendad­as pelo C6 Bank para entender os impactos da pandemia no Brasil.

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*Amostra de 1.670 entrevista­s coletadas entre 30.nov e 9.dez.2020; margem de erro de 2 pontos percentuai­s para mais ou menos Fontes: Datafolha/C6Bank; Inep/MEC

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