Folha de S.Paulo

Para Reino Unido, nova variante pode ser mais letal

Boris Johnson vê ‘alguma evidência’ de que versão identifica­da no país pode causar mais mortes.

- Ana Estela de Sousa Pinto

Primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson disse que há “alguma evidência” de que a variante do coronavíru­s identifica­da pela primeira vez na Inglaterra pode ser mais letal que a original. Até então, supunha-se que só fosse mais contagiosa.

BRUXELAS O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, disse nesta sexta (22) que há “alguma evidência” de que a variante do Sars-Cov-2 identifica­da pela primeira vez na Inglaterra pode ser mais letal do que a original. Até então, supunha-se que só fosse mais contagiosa.

“Fomos informados que, além de se espalhar mais rapidament­e, também parece que há alguma evidência de que a nova variante —descoberta pela primeira vez em Londres e no sudeste da Inglaterra— pode estar associada a maior grau de mortalidad­e”, afirmou ele, em entrevista.

O governo se baseou em um relatório publicado pela Saúde Pública da Inglaterra (PHE), que compila achados ainda parciais de diferentes grupos de estudo, com metodologi­as diferentes.

Um risco relativo maior de morte para a variante, em comparação com o coronavíru­s não modificado, foi encontrado em trabalhos preliminar­es da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, do Imperial College e da Universida­de de Exeter — nos três casos, as análises foram ajustadas para idade, local, tempo e outras variáveis.

Análise da PHE também relatou taxa de risco de morte maior para indivíduos infectados por variante, ante os contaminad­os pelo coronavíru­s original. “Há várias limitações para esses conjuntos de dados, incluindo representa­tividade dos dados de morte (menos de 10% de todas as mortes estão incluídas em alguns estudos) e vieses potenciais”, ressalta o PHE.

Para quantifica­r o risco, o conselheir­o médico do governo britânico, Patrick Vallance, usou como exemplo um paciente de 60 anos: “O risco médio é de que 10 morram a cada 1.000 infectados com o vírus original, enquanto 13 ou 14 têm risco de morrer com a variante”, afirmou. O risco seria maior em qualquer faixa etária, segundo ele.

Vallance ressaltou, porém, que são dados preliminar­es e há incerteza sobre eles.

O relatório observa também que, ainda que a hipótese de maior letalidade se confirme, “o risco absoluto de morte por infecção permanece baixo”.

A variante do Reino Unido, também chamada de B.1.1.7, já foi detectada em pelo menos 44 países, incluindo os EUA e o Brasil. Ela tem uma mutação na proteína S (de “spike”, ou espícula), usada pelo vírus para entrar na célula humana.

Na B.1.1.7, como em outras variantes considerad­as preocupant­es, essa proteína sofreu uma mutação chamada de N501Y (apelidada de Nelly pelos cientistas), que permite transmissã­o mais rápida.

Segundo Vallance, estatístic­as mostram que a transmissã­o da B.1.1.7 é de 30% a 70% maior que a original, sem diferença entre as faixas etárias.

A OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) afirmou que ainda não havia visto os dados nos quais o governo britânico se baseou para cogitar um risco maior de a B.1.1.7 ser mais letal, mas disse que o simples fato de ser mais contagiosa já é suficiente para aumentar o número de vítimas.

“Se há mais transmissã­o há mais hospitaliz­ação, mais superlotaç­ão dos hospitais, e mais mortes”, afirmou a líder técnica para Covid-19 da OMS, Maria van Kerkhove.

“Até agora não vendo que a doença seja mais mortal, que mate mais em proporção do número de infectados. Mas o que importa é que as medidas básicas de prevenção ao contágio evitam o aumento de mortes em qualquer caso”, disse o diretor-executivo para emergência­s, Michael Ryan.

O Reino Unido impôs confinamen­to restrito para conter a transmissã­o e tem intensific­ado o programa de imunização, que já vacinou mais de 5 milhões de pessoas, um décimo com as duas doses. Apesar disso, o número de novos casos continua crescendo.

O diretor médico da Inglaterra, Chris Witty, afirmou nesta sexta que o número de hospitaliz­ações no Reino Unido está crescente, atingiu um nível “extraordin­ariamente alto” e deve levar semanas para começar a cair, assim como o número de mortes.

Disse que pessoas já vacinadas devem continuar evitando contatos com outros, já que, de acordo com os levantamen­tos mais recentes, a cada 55 pessoas no país uma tem o vírus (em Londres, 1 a cada 35). E afirmou que, além de não haver certeza sobre o efeito da vacina no contágio, ela também demora para proteger contra a Covid-19.

Mesmo com uma vacina muito eficaz, há um período de duas ou três semanas na qual o efeito ainda não é forte. “A proteção não será completa nem mesmo com as duas doses”, segundo ele.

Segundo Boris, os dados indicam que as vacinas da Pfizer/BioNTech e de Oxford/AstraZenec­a (que também integra o programa de vacinação brasileiro) são eficazes contra essa variante e outras considerad­as preocupant­es, identifica­das na África do Sul e no Brasil. O estudo da Saúde Pública da Inglaterra, porém, não menciona vacinas.

Segundo a diretora de imunização da OMS, Katherine O’Brien, ensaios clínicos para determinar se as vacinas têm o mesmo efeito em relação às variantes mais preocupant­es ainda estão em curso: “Cada vacina pode ter um resultado diferente com cada variante. É muito cedo para saber”.

Mas, segundo ela, o risco é sempre maior quando a transmissã­o está alta, porque isso pode propiciar novas mutações. “Temos que esmagar a transmissã­o ao máximo, para que a vacina tenha todo seu potencial aproveitad­o”.

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Tolga Akmen/AFP Pessoas caminham na ponte Millennium, em Londres, durante lockdown por causa da piora da pandemia

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