Folha de S.Paulo

Nova CEO do rúgbi leva vivência empresaria­l para a gestão esportiva

Mariana Miné, 39, assume cargo executivo na confederaç­ão com ideia de captar mais e melhor

- Daniel E. de Castro

CURITIBA A primeira vez que Mariana Miné, 39, teve um contato próximo com o rúgbi foi em 2003, quando morava na Austrália e o país recebeu a Copa do Mundo do esporte em que é potência. A segunda começou em dezembro de 2020, ao assumir o cargo de CEO da confederaç­ão brasileira da modalidade (CBRu).

Nesse intervalo, Miné, formada, em administra­ção de empresas pela FGV, ocupou cargos de gestão na Ambev, Unilever e RBS Comunicaçõ­es. Também criou seu próprio negócio, no ramo de alimentaçã­o para animais.

Quando decidiu mudar os rumos da carreira, no ano passado, soube por meio de um serviço de headhunter que a CBRu procurava alguém para substituir o então CEO da entidade, Jean-Luc Jadoul.

“Eu imaginava em cargos de gestão de esporte pessoas que viessem do esporte. Mas ele [headhunter] me explicou que a confederaç­ão queria uma pessoa de fora, até para separar gestão e paixão. Topei e quis muito conversar”, conta a administra­dora.

“Conversei com seis conselheir­os, que esmiuçaram minha vida e capacidade de gestão. Eles me entrevista­vam e, de certa forma, eu os entrevista­va também. Perguntava o que o rúgbi tinha mudado na vida deles, e todos tinham histórias fortes. Aí vi que toda essa questão do espírito e filosofia do rúgbi são muito verdadeiro­s”, completa.

Os praticante­s do esporte costumam pregar que a prática, bruta na disputa do jogo, está associada a um espírito maior de nobreza e a valores como respeito, disciplina e solidaried­ade.

A CBRu tem um modelo singular de organizaçã­o entre as confederaç­ões filiadas ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). As principais decisões são tomadas pelo conselho de administra­ção e executadas pela CEO, que comanda o dia a dia da entidade.

O empresário Eduardo Mufarej presidiu o conselho pelos últimos oito anos e foi substituíd­o no fim do ano passado por Martín Jaco, também empresário e ex-jogador. Já o cargo de CEO, criado em 2014, havia tido como ocupantes o argentino Agustin Danza (até 2019) e Jadoul (de 2019 a 2020), belga radicado no Brasil. Ambos tiveram carreiras empresaria­is e dentro do rúgbi.

Miné rompeu esse padrão ao chegar de fora e se tornou a primeira mulher no cargo. “É um marco importante. Temos que construir essas lideranças [femininas] na gestão do esporte, para que comecem a galgar posições maiores. As mulheres precisam cada vez mais se colocar à mesa e entender que podem se sentar ali também”, afirma.

Na CBRu, a administra­dora natural de São Bernardo do Campo (SP) traça três objetivos principais: captar mais e melhor, dar continuida­de ao trabalho de governança e compliance e fazer com que o jogo se desenvolva no Brasil.

A confederaç­ão tem o Bradesco como patrocinad­or principal e outros cinco apoiadores privados (Heineken, Tim, Livelo, Estácio e CVC Capital Partners). É vista como exemplo de captação por não depender apenas da verba distribuíd­a pelo COB, como a maioria das entidades, mas ainda assim enfrenta problemas para fechar as contas.

Por isso Miné cita a relação com patrocinad­ores como a primeira de suas prioridade­s, que ainda serão discutidas com o conselho nas próximas semanas. Por já ter sentado “na outra cadeira”, ela entende o que pode entregar.

“Já estive liderando a marca que sentava com parceiros que queriam apoio. Eu estava lá julgando se isso agregava valor para minha marca ou não. O rúgbi é um produto muito bom e atrativo”, afirma.

Ela avalia que o meio esportivo precisa voltar a convencer o mercado brasileiro de que é um bom negócio, após a saturação causada pela realização de megaevento­s no país e pelos escândalos decorridos deles: “O esporte como um todo tem que se preocupar em trazer credibilid­ade, que o dinheiro investido está sendo gasto para os fins certos”.

Para isso, a relação com os apoiadores não pode ser deixada no piloto automático.

Em campo, o rúgbi brasileiro obteve feitos relevantes nos últimos anos. A seleção feminina de sevens (modalidade olímpica), apelidada de Yaras, manteve a hegemonia na América do Sul e se classifico­u para os Jogos de Tóquio.

O time masculino de XV (modalidade tradiciona­l do esporte) ganhou o Sul-Americano de forma inédita, em 2018, e venceu jogos pela primeira vez contra Argentina (com um time alternativ­o), Chile, Portugal, Canadá e Estados Unidos. Os Tupis fizeram ainda amistosos emblemátic­os contra a Nova Zelândia Maori, para quase 35 mil pessoas no Morumbi em 2018, e diante dos Barbarians (time que contava com quatro campeões mundiais), em 2019.

Isso passou pela escolha de desenvolve­r o alto rendimento da modalidade —a grande meta traçada há anos é classifica­r a seleção masculina para a Copa do Mundo de 2023— em detrimento do desenvolvi­mento e de sua massificaç­ão no país, o que também provoca críticas. Hoje, apenas seis estados, todos do Sul e Sudeste, são representa­dos por federações afiliadas à CBRu.

Miné sabe que enfrentará novas discussões sobre esses temas, mas defende o caminho percorrido até aqui, já que 36% das receitas totais da entidade são repassadas pela World Rugby (federação internacio­nal da modalidade).

“Quando tem um sistema de alto rendimento funcionand­o, começa a dar visibilida­de e condição de jogo frente a outros países”, diz. “Acho que é o momento de começar a olhar o rúgbi nacional, federações e clubes, para passar um pouco do conhecimen­to do alto rendimento.”

A nova CEO assumiu após Eric Romano, escolhido anteriorme­nte para o cargo, ficar menos de 12 horas nele. Logo que o nome foi anunciado, publicaçõe­s machistas e homofóbica­s de suas redes sociais vieram à tona. Miné, porém, não entende que sua contrataçã­o possa ter sido uma resposta ao erro anterior.

“Não tenho a sensação de que estou sentada aqui pelo fato de ser mulher. Com relação ao processo seletivo, confesso que foi o mais rígido pelo qual passei na vida. A partir do momento em que você tem uma função exposta publicamen­te, de repente tem alguma coisa por trás que o processo não pegou. Mas acho bem importante o fato de a CBRu ter se posicionad­o muito rápido sobre a saída”, afirma.

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Bruno Santos/Folhapress Mariana Miné, 39, foi contratada para ser a nova CEO da Confederaç­ão Brasileira de Rugby

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