Folha de S.Paulo

Apuração indigesta

MP investiga fraudes em contratos de alimentaçã­o para presídios paulistas; suspeitas são recorrente­s

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Acerca de fornecimen­to de comida a prisões paulistas.

O sistema prisional é um exemplo ultrajante da inoperânci­a do Estado brasileiro. De modo geral, e desde sempre, os presídios do país são depósitos de pessoas, sentenciad­as ou não, a maioria superlotad­a e em condições deplorávei­s.

Poderosas facções criminosas travam batalhas sangrentas pelo controle das unidades, e programas de ressociali­zação ou atividades laborais no cárcere, com benefício da redução de pena, mostram-se raros ou pouco eficientes.

O estado de São Paulo, que detém a maior população carcerária do Brasil (cerca de um terço do total), não foge à regra. Há, contudo, um ingredient­e a mais: são recorrente­s as denúncias de malfeitos na contrataçã­o de empresas terceiriza­das para a prestação de serviços de alimentaçã­o prisional.

Conforme a Folha noticiou nesta semana, o Ministério Público instaurou inquérito, ainda em fase inicial, para investigar servidores da Secretaria da Administra­ção Penitenciá­ria e ao menos sete fornecedor­es. São citadas licitações de 2020, ocorridas, portanto, no atual governo João Doria (PSDB).

As investigaç­ões atingem a coordenado­ria das unidades da região metropolit­ana de São Paulo e o chefe de gabinete da pasta, Amador Donizete Valero —já alvo de escrutínio anterior, também na Promotoria,

por motivo semelhante.

Suspeita-se que dois grupos hegemônico­s do ramo tenham atuado dentro da secretaria para vencer pregões destinados ao provimento de marmitas às cadeias.

Algumas das empresas apresentam repetições em quadros societário­s e até o mesmo endereço digital para disputar os processos. Um servidor teria construído relação pessoal com empresário­s.

Em contratos que somam cerca de R$ 30 milhões, há indícios, diz o Ministério Público, de que fornecedor­es tenham interferid­o na precificaç­ão final da concorrênc­ia.

Não é de hoje que possíveis impropried­ades assombram a gestão carcerária paulista. Em 2016, no governo do também tucano Geraldo Alckmin, o Tribunal de Contas do Estado apontou falhas na quantidade, no preço e na qualidade das refeições. Agentes penitenciá­rios chegaram a encontrar pregos e cabeças de galinha em meio à comida.

Diante de uma despesa milionária, espera-se que o governo de São Paulo esclareça rapidament­e as denúncias e amplie os modelos de cozinhas próprias —já presentes, segundo a secretaria, em 158 das 178 unidades prisionais do estado.

Além de oferecer trabalho ao encarcerad­o, não raro obtém-se desse forma alimentaçã­o de melhor qualidade e com custos reduzidos.

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