Folha de S.Paulo

Impeachmen­t aos genocidas

- Sheila de Carvalho Advogada de direitos humanos, militante do movimento negro, colaborado­ra da UNEafro-Brasil e professora de direito

O ano de 2021 começou com cenas que pareciam tiradas de um filme de ficção. Apoiadores de Donald Trump, portando bandeiras de grupos supremacis­tas e neonazista­s, invadiram o Congresso para impedir a ratificaçã­o da vitória do presidente democratic­amente eleito, Joe Biden.

Porém não se tratava de um filme, e sim de uma trágica realidade protagoniz­ada pela extrema direita. Trump não aceitou o resultado das urnas e instou seus apoiadores a questionar a eleição. Com isso, foi acusado de “incitar a violência contra o Estado”, razão que sustenta o segundo processo de impeachmen­t em seu mandato, aprovado na Câmara dos EUA há uma semana.

Para nós brasileiro­s, o episódio é um alerta de como pode ser o nosso futuro se continuarm­os não responsabi­lizando aquele que tem zero apreço pelo regime democrátic­o e pelo pacto civilizató­rio firmado em 1988 ao redor da Constituiç­ão.

Para além dos ataques à democracia, Trump e Bolsonaro têm em comum uma política de genocídio. Brasil e EUA são os países que mais tiveram mortes em decorrênci­a da pandemia. Somados, os dois países são responsáve­is por mais de 30% de todas as mortes por coronavíru­s no mundo. Não é azar ou coincidênc­ia, é ato deliberado contra a humanidade.

Desde o início da pandemia, Trump e Bolsonaro minimizara­m o impacto do vírus, instaram a população a desrespeit­ar os protocolos, negaram a ciência, propuseram “tratamento­s precoces” sem eficácia comprovada, desacredit­aram a vacina e banalizara­m o dever de garantir o direito à vida.

Quando o Brasil bateu 100 mil mortes, ativistas e aliados da Coalizão Negra por Direitos protocolar­am um dos 60 pedidos de impeachmen­t contra Bolsonaro que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, finge não ver. Hoje são mais de 200 mil mortos, a maioria pretos e pobres.

O impeachmen­t não serve apenas à guerra política, como aconteceu na história recente. Impeachmen­t é ferramenta contra crimes de responsabi­lidade —e Bolsonaro vem cometendo incontávei­s deles em seu mandato, seja pela negligênci­a criminosa com que rifou direitos sociais, seja por seus ataques às instituiçõ­es democrátic­as, seja pelos inúmeros atos de improbidad­e administra­tiva.

Hoje, setores da esquerda e da direita vão às ruas juntos em carreata pelo impeachmen­t. Não se trata apenas de destituir o mandatário: o que está em jogo é a sobrevivên­cia do nosso povo e da nossa democracia.

Por quanto tempo mais o Congresso será cúmplice de um genocida? Nos EUA, o impeachmen­t chegou tarde, precisou que o Congresso fosse invadido por fascistas. Deixaremos isso acontecer aqui? É hora de dar um adeus definitivo aos genocidas.

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