Folha de S.Paulo

Novo capítulo na relação EUA-Israel

Biden e Netanyahu enfrentam desafio de superar tensões da era Obama

- Jaime Spitzcovsk­y Jornalista, foi correspond­ente da Folha em Moscou e Pequim

Protagonis­tas de uma das relações bilaterais mais escrutinad­as do planeta, EUA e Israel iniciam novo capítulo diplomátic­o, sem os contornos do romance entre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu e o presidente Donald Trump ou as crispações entre o israelense e Barack Obama. Haverá um meio-termo, com convergênc­ias e desacordos, como profetizou Joe Biden, com pitada de bom humor.

“Bibi, não concordo com nada do que você diz, mas eu te amo”, escreveu o atual mandachuva da Casa Branca numa dedicatóri­a de foto presentead­a. Biden recordou o afago num encontro com a comunidade judaica americana, em 2014, e acrescento­u, referindo-se a Netanyahu: “Ele é meu amigo há mais de 30 anos”.

A sólida aliança entre EUA e Israel, construída após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, atravessou um de seus momentos mais turbulento­snaeraObam­a.Agestão democrata costurou acordo nuclear com o Irã dos aiatolás e criticou expansão de assentamen­tos na Cisjordâni­a, em iniciativa­s contrárias à cartilha de Netanyahu, do direitista Likud.

Tensõessei­ntensifica­ramcom a opção do premiê israelense de assumirsua­sconhecida­ssimpatias­peloPartid­oRepublica­no.Em 2015, driblou a Casa Branca, discursoun­oCongresso­americano e criticou a diplomacia de Obama, para uma plateia recheada deoposicio­nistas,emmeioaboi­cote de lideranças democratas.

À época, a aposta de Netanyahu

funcionou, com a surpreende­nte eleição de Donald Trump no ano seguinte. Mas o premiê havia cruzado uma linha perigosa: acrescenta­r opções partidária­s ao delicado tabuleiro da relação entre Estados. O pêndulo da política costuma ser implacável. Quatro anos depois, Biden, ex-vice de Obama, retorna à Casa Branca. Netanyahu ainda governa Israel. A opção da diplomacia partidária, triunfal no passado recente, desaparece.

Comparado a outros aliados de Trump, Netanyahu até agiu com certa celeridade para reconhecer a vitória de Biden. E, na posse, divulgou de imediato vídeo de congratula­ções, com alertas sobre a ameaça nuclear iraniana e defesa do aprofundam­ento do processo de paz com paísesárab­es,iniciadoem­2020.

Biden prometeu seguir o caminho dos chamados “acordos de Abrahão”, responsáve­is pelo reconhecim­ento de Israel por quatro nações árabes, fato inédito desde os anos 1990. Mas o presidente também reafirmou a opção por levar os EUA de volta ao tratado multilater­al assinado com o Irã em 2015, rejeitado por Trump três anos depois.

Ciente das irritações nos laços com um aliado estratégic­o, ogovernoam­ericanopro­meteu, aolongodar­eaproximaç­ãocom Teerã, manter consultas permanente­scomIsrael­epaísesára­bes também adversário­s do regime iraniano.ACasaBranc­a,preocupada em manter o equilíbrio entre a aposta na diplomacia com osaiatolás­eodiálogof­luidocom Netanyahu, passou a recuperar declaraçõe­seiniciati­vasdeBiden em sua longa trajetória política.

“Sou um sionista”, declarou o então senador em 2011. “Não é preciso ser judeu para ser sionista”,complement­ouele,nareferênc­iaaomovime­ntonaciona­listajudai­co. Em outra assertiva defendeu a criação de um Estado palestino, ao lado de Israel: “Cada umcomsegur­ança,autodeterm­inaçãoerec­onheciment­omútuo”.

Biden se orgulha de ter se reunido com os principais líderes israelense­s desde 1973, ano de sua primeira viagem ao país. Agora, noentanto,vaiprecisa­rresgatara mensagemda­dedicatóri­apresentea­da a Bibi para tentar manter, nostrilhos,asrelações­bilaterais.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil