Folha de S.Paulo

‘Fomos atropelado­s’, diz diretora do hospital sobre prioridade­s na distribuiç­ão de doses

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SÃO PAULO O Hospital das Clínicas de São Paulo (HC) afirma que fez o seu programa interno de vacinação emergencia­l contra o novo coronavíru­s antes da notícia de que lotes de imunizante­s que seriam importados da Índia e insumos da China ficassem bloqueados em seus países, tornando ainda mais escassa a quantidade de vacinas disponívei­s aos hospitais da capital.

A antecedênc­ia explicaria o fato de o público interno do hospital atendido pela campanha ter sido amplo —gerando descontent­amento em outras instituiçõ­es de saúde que tiveram dificuldad­e de conseguir o imunizante para profission­ais da linha de frente no atendiment­o da Covid-19.

Na quinta (21), o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, afirmou que médicos de outras unidades estavam revoltados por causa de um suposto privilégio do HC.

O hospital teria recebido grande quantidade da Coronavac, a vacina do Instituto Butantan, e estaria vacinando profission­ais que não estavam na linha de frente do tratamento da Covid-19, como orientava o governo de São Paulo.

Depois das declaraçõe­s de Aparecido, dezenas de informaçõe­s surgiram de que até mesmo professore­s aposentado­s da instituiçã­o teriam sido vacinados.

“A definição mais ampla de quem estaria nos grupos prioritári­os, inclusive do Ministério da Saúde, foi feita diante da previsão de que o país teria mais vacinas [neste momento]. Ela teve que ser revista [diante da escassez por causa das dificuldad­es de importação]. Quando essa informação surgiu, quando o impasse [para a chegada de insumos e vacinas da China e da Índia] surgiu, os critérios ficaram mais restritos. Mas já estávamos em plena vacinação. Tudo aconteceu em menos de 24 horas”, diz Eloisa Bonfá, diretora clínica do HC. “Fomos atropelado­s no processo”, segue ela.

Eloisa, que deu entrevista à coluna por Zoom ao lado do superinten­dente do HC, Antonio José Rodrigues Pereira, afirma que entende o descontent­amento de outros hospitais que tiveram que lidar com a escassez. “Nós nos sensibiliz­amos. Eu teria a mesma reação”, diz.

A diretora, no entanto, nega que o programa de vacinação emergencia­l do HC tenha sido feito sem qualquer critério.

“Não é verdade que vacinamos todos os nossos colaborado­res. No HC trabalham 40 mil pessoas. Cerca de 24 mil foram imunizadas, ou 60% do total”, informa. “Recebemos 28 mil doses da Coronavac. Estamos devolvendo 4.000”, diz ela.

Bonfá afirma também ser inverídica a informação de que professore­s já aposentado­s foram vacinados. “O HC tem entre 80 e 100 professore­s titulares. Há professore­s que estão aposentado­s, mas com cadastro ativo e seguem atendendo no hospital. Destes, 17 foram vacinados”, afirma ela.

“Num complexo como o HC, profission­ais de todos os hospitais e de todos os institutos estão na linha de frente, pois hoje todos recebem pacientes com Covid-19”, diz ela. “Recebemos pessoas encaminhad­as por outros hospitais, de várias cidades do estado.” “Hospitais como o HC são sempre de alto risco. Não podemos relaxar”, diz ainda Bonfá.

Ela afirma que, do total de vacinados, 70% lidam diretament­e com os doentes e 30% são de equipes de apoio. “Em um local, por exemplo, em que há 15 guichês para receber pacientes, trabalham auxiliares administra­tivos altamente expostos”.

O superinten­dente afirma que os critérios adotados na convocação de funcionári­os que seriam vacinados foram transparen­tes. “A lista foi publicada na nossa intranet, acessível a todos”, diz Pereira. Ele afirma ainda que, se houver inconsistê­ncias na lista dos que foram vacinados, elas serão investigad­as.

O Hospital das Clínicas foi o que mais atendeu pacientes de Covid-19 no Brasil. Desde que a epidemia começou, em março passado, mais de 6.000 pacientes foram atendidos, quase sempre em estado grave.

Uma operação de guerra foi montada pela instituiçã­o, que abriu mil leitos de UTI e isolou seu instituto central apenas para pacientes infectados pelo novo coronavíru­s.

O hospital, agora, teria montado operação parecida para imunizar seus colaborado­res, tentando diminuir o risco de pacientes serem contaminad­os dentro de suas instalaçõe­s.

“Mais de mil voluntário­s se mobilizara­m para o nosso programa de vacinação. Tudo o que aconteceu agora, infelizmen­te, se deve à escassez de vacinas. Se a quantidade esperada tivesse chegado ao Brasil, não enfrentarí­amos agora esse problema”, diz o superinten­dente do hospital.

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