Folha de S.Paulo

Capacidade industrial e manejo são entraves para oxigênio em Manaus

Transporte e manuseio apressado e sem cuidado levantam preocupaçõ­es de acidentes

- Phillippe Watanabe

SÃO PAULO Erros políticos e a falta de ação diante dos problemas logísticos já conhecidos levaram ao caos da falta de oxigênio hospitalar em Manaus —a crise depois se espalhou para outras cidades do Norte do país.

O general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, admitiu que soube da possibilid­ade de falta de oxigênio no Amazonas no dia 8 de janeiro, uma semana antes do dia mais grave de mortes por asfixia em leitos do estado. A Folha também mostrou que Pazuello foi avisado sobre a escassez por integrante­s do governo do Amazonas, pela empresa que fornece o produto e até mesmo por uma cunhada sua que tinha um familiar “sem oxigênio para passar o dia”, mas ignorou os alertas.

O general da ativa foi informado sobre problemas logísticos nas remessas, que poderiam ter sido remediados ou reduzidos diante de uma reação com antecedênc­ia.

Além do cresciment­o vertiginos­o da necessidad­e de oxigênio para pacientes internados com Covid-19, a distância de grandes e consolidad­os centros industriai­s impõe dificuldad­es adicionais.

Empresas que produzem gases, inclusive o oxigênio, costumam se situar perto de indústrias consumidor­as. Um exemplo desse tipo de parceria é das indústrias siderúrgic­as e metalúrgic­as, nas quais o oxigênio é usado nos fornos e no refino de metais, por exemplo.

Indústrias com grande demanda por algum tipo de gás justificam a instalação de fábricas de produção ao redor, conhecidas como plantas ASU (Air Separation Unit). E é desses polos que sai o gás oxigênio que é fornecido para equipament­os de saúde, como hospitais.

“Em Cubatão, por exemplo, tem uma planta da Messer e da White Martins. Ali tem várias indústrias e, por baixo da estrada, está passando um pipe [linhas], ministrand­o oxigênio, nitrogênio e às vezes argônio. As plantas de gases estão localizada­s perto de empresas grandes, que fabricam aço, por exemplo”, diz Silvana Vicente, engenheira química e responsáve­l pela SV Consultori­a e Treinament­os.

Segundo a especialis­ta, as matérias-primas dessas empresas são energia elétrica e ar atmosféric­o. “E a energia elétrica é uma paulada”, diz.

As plantas ASU, após sugarem o ar atmosféric­o e filtrálo, usam um processo criogênico para separar os gases ali presentes.

Daí vêm o elevado custo de construção e a necessidad­e de instalação das plantas junto a grandes regiões industriai­s. “Não é o oxigênio medicinal que sustenta essas plantas. O sobressale­nte vai para hospitais e indústrias menores.”

Outra opção para a obtenção de ar atmosféric­o são plantas menores e mais simples nos próprios hospitais, que podem abastecer parte da necessidad­es das unidades de saúde. O problema, novamente, acaba sendo a grande necessidad­e de energia para separação do oxigênio.

Com isso, a produção de gases no Brasil acaba concentrad­a em regiões como Sudeste e Sul, que concentram a parte parte da atividade industrial no país —só o Sudeste é responsáve­l por 58% dela, segundo a Pesquisa Industrial Anual, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

A segunda colocação de produção industrial do país é o Sul. O Nordeste é o terceiro colocado nesse ranking. Uma das regiões de destaque na região é o polo industrial de Camaçari, por exemplo.

Entre as produtoras de gases no país, a IBG (Indústria Brasileira de Gases) se concentra no Sudeste e Sul.

O mesmo vale para a Air Products, multinacio­nal que tem plantas em Mogi das Cruzes (SP) e em Guaíba (RS). A empresa, que não fornece para o Norte do país, diz estar “alerta e preparada para buscar atender possíveis aumentos de demanda que ainda venham a ocorrer no Sul e Sudeste”.

Segundo informaçõe­s da empresa White Martins, maior produtora de gases da América do Sul e a principal fornecedor­a para Manaus, a demanda por oxigênio aumentou cerca de cinco vezes no início do ano na capital.

A empresa diz ainda que, antes da pandemia, sua planta de Manaus operava com cerca de 50% da capacidade, o que era suficiente para atender os clientes da regiões, e fornecia entre 10 mil e 15 mil m³ de gás oxigênio por dia —recentemen­te, o consumo chegou a 70 mil m³ por dia.

Segundo Newton de Oliveira, presidente da IBG, é comum que as fábricas não operem constantem­ente com potência máxima.

Outro problema em Manaus é a dificuldad­e de acesso para transporte de oxigênio líquido, que, no caso do município, ocorre principalm­ente por aviões. Pesa ainda o fato de o transporte de oxigênio, seja líquido ou gasoso (menos eficiente para as grandes necessidad­es de Manaus), ser complicado, consideran­do a possibilid­ade de acidente, queimadura­s e explosões.

Os grandes contêinere­s criogênico­s, além dos controles de pressão, vão sofrendo perdas de gás durante o transporte, por isso complexida­de do seu manejo e a necessidad­e de grandes aeronaves militares.

Os cilindros verdes (a cor indica o uso medicinal) necessitam ser manuseados com cautela, o que não vem acontecend­o em Manaus. Têm sido constantes imagens de familiares carregando em carros.

“Se aquele cilindro cai no chão e a válvula abre, pode se tornar uma chama, que provoca uma queimadura horrível. É terrível de ver”, diz Vicente.

Segundo Oliveira, não é incomum que governos atrasem pagamentos pelos serviços. “O governo é excelente para cobrar, mas é péssimo para pagar”, afirma Oliveira. Ele afirma que atualmente enfrenta atrasos que chegam a 120 dias no caso de hospitais públicos de Brasília.

“Se ele quiser, você é obrigado a fornecer e ele não paga. Tem o custo de frete, produção. Tenho que pagar funcionári­o, energia elétrica, que são pesadas, e o imposto”, diz Oliveira, que diz que sua empresa fornece oxigênio para mais de 300 hospitais em dez estados, cerca de 20% deles públicos.

O presidente da IBG também diz que a empresa tem uma fábrica parada que planejava reativar para auxiliar na situação de falta de oxigênio e aumento de demanda. Para isso, logicament­e, haveria um salto no consumo de energia da empresa. Para não ser multada pelo aumento de consumo (os contratos para fornecimen­to de energia já preveem os gastos energético­s de acordo com o potencial de produção), a IBG tentou entrar em contato com a fornecedor­a de energia, mas recebeu uma resposta negativa.

Por isso, a fábrica parada, pelo menos por enquanto, não será ligada, diz Oliveira.

A Folha procurou outras produtoras de oxigênio medicinal e de outros gases. A Messer afirmou “que está estudando meios de auxiliar no abastecime­nto de gás medicinal para a região”. A Air Liquide e a White Martins não se pronunciar­am até a conclusão desta edição.

A assessoria da White Martins afirmou que os representa­ntes da empresa estão focados em soluções para a situação de Manaus, daí a ausência de posicionam­ento para esta reportagem.

A Air Products, em nota, diz que busca formas de ajudar a situação no Norte, mas que há um grande desafio logístico. “A cadeia de distribuiç­ão da empresa é via terrestre e está voltada para as regiões em que tem fábrica”, diz.

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