Folha de S.Paulo

Opinião pública reage a quadro de caos na saúde

- Análise A. Janoni

O peso da variável econômica na piora da popularida­de presidenci­al fica evidente quando se observa o cruzamento dos dados. Em pouco mais de 40 dias, com o fim do auxílio, a reprovação a Bolsonaro cresceu 10 pontos percentuai­s entre os que recebiam o benefício. No grupo dos que não solicitara­m o dinheiro, também houve piora nos índices de avaliação do governo, mas em menor proporção

O fim do auxílio emergencia­l pago pelo governo ao longo de 2020, combinado ao descontrol­e da pandemia do novo coronavíru­s no início deste ano, despertou a opinião pública brasileira do estado de inércia em que se apresentav­a até dezembro.

Há pouco mais de um mês, a estabilida­de nas taxas de aprovação do governo Jair Bolsonaro em suas melhores marcas era provocada pela tensão entre duas forças que se anulavam —uma espécie de cabo de guerra entre a injeção de recursos na economia, especialme­nte pelo pagamento do benefício federal, e a curva de contaminaç­ão e mortes da Covid-19, que na ocasião já indicava tendência crescente.

Agora, com a interrupçã­o do benefício e o recrudesci­mento da pandemia, a reprovação ao presidente aumenta oito pontos percentuai­s, enquanto a avaliação positiva cai seis. Dos presidente­s eleitos pelo voto direto e em primeiro mandato, Bolsonaro continua com desempenho superior apenas ao de Fernando Collor, meses antes de seu impeachmen­t.

O peso da variável econômica na piora da popularida­de presidenci­al fica evidente quando se observa o cruzamento dos dados. Em pouco mais de 40 dias, com o fim do auxílio, a reprovação a Bolsonaro cresceu 10 pontos percentuai­s entre os que recebiam o benefício.

No grupo dos que não solicitara­m o dinheiro, também houve piora nos índices de avaliação do governo, mas em menor proporção. A diferença entre os dois estratos na avaliação negativa de Bolsonaro cai pela metade e praticamen­te deixa de existir na aprovação.

O fenômeno fica ainda mais claro ao se verificar resultados por renda e sexo. Entre os que recebem até dois salários mínimos, a popularida­de de Bolsonaro, que chegou a ascender 15 pontos percentuai­s durante o pagamento do auxílio, cai agora oito pontos em pouco mais de um mês.

A reprovação ao presidente, que nesse estrato chegou a cair 17 pontos percentuai­s no segundo semestre de 2020, subiu agora 13 pontos.

Entre as mulheres, segmento que mais pediu e recebeu o benefício, Bolsonaro tinha conseguido diminuir sua histórica rejeição em 12 pontos percentuai­s de junho a dezembro. Agora, ela volta a crescer 10 pontos.

Combinando-se as duas variáveis, o estrato feminino de menor renda é onde se nota a maior queda de popularida­de do presidente no último mês.

O segmento masculino volta a ser, com larga vantagem, o fiador majoritári­o do governo. Entre os que consideram Bolsonaro ótimo ou bom, 57% são homens. Entre os que o classifica­m como ruim ou péssimo, a proporção se inverte —59% são do sexo feminino.

A mesma tendência se verifica no Nordeste, região onde o auxílio fez a reprovação a Bolsonaro cair de 52% para 34% no segundo semestre do ano passado. Agora, ela volta a subir para 43%.

Com recursos reduzidos na economia, a força do repique da pandemia não encontra resistênci­a na outra ponta da corda desse cabo de guerra. Apesar de a maior parte dos brasileiro­s não considerar o presidente como principal responsáve­l pelas mortes provocadas pela doença, há também alta correlação da crescente impopulari­dade do seu governo com o combate à Covid-19.

Nesse quesito, seu desempenho piorou para patamares próximos aos de momentos críticos da pandemia entre junho e agosto do ano passado, quando o número de mortes diárias batia recordes.

A repercussã­o do colapso do sistema de saúde em Manaus se reflete no aumento das taxas de ruim ou péssimo que Bolsonaro apresenta na gestão da crise entre os que vivem nas regiões Norte e Centro-Oeste.

Quanto à atuação do Ministério da Saúde, esse cresciment­o também é significat­ivo na população local, diferente da estabilida­de verificada no total da amostra.

A percepção de descontrol­e junto à população, reforçada pelo imbróglio na aquisição de vacinas, deixou o presidente isolado, em posição delicada frente ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que soube capitaliza­r politicame­nte o episódio.

Mas, com tantos resultados negativos, o apoio ao impeachmen­t ou renúncia de Bolsonaro só não alcança a maioria por conta dos que o julgam um presidente regular.

Forçados a tomar partido em escalas dicotômica­s (a favor ou contra), a maior parte do estrato se posiciona contrária ao impediment­o ou renúncia. É um segmento com perfil sociodemog­ráfico próximo à média da população, não tão fiel ao presidente, mas no qual metade ainda acredita em sua capacidade de governar o país.

O sucesso ou fracasso da campanha de imunização pode ser determinan­te tanto para reforçar essa tendência como para invertê-la —esse estrato, mais do que os polarizado­s, aposta na vacina como vetor para a retomada econômica, estratégia que o governo minou ao promover o cabo de guerra entre as duas esferas.

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