Folha de S.Paulo

Geração de vagas foi maior em cidades com mais auxílio

Municípios com cobertura acima da média nacional têm saldos positivos de vagas na pandemia

- Thiago Resende e Bruno Boghossian

Entre as 500 cidades com melhor desempenho na geração de empregos com carteira assinada de março a novembro do ano passado, 357 têm mais beneficiár­ios do auxílio emergencia­l do que a média nacional.

A lista é composta principalm­ente por cidades pequenas, que representa­m 1% do mercado de trabalho.

Dos 500 municípios do ranking, praticamen­te a metade (247) está no Nordeste.

No período, o Brasil perdeu 112 mil postos de trabalho, mas, onde a cobertura do auxílio ficou acima da média, houve um saldo positivo de 105 mil vagas. O Ministério da Economia tenta resistir à pressão pela extensão do auxílio.

brasília Os municípios que tiveram os melhores resultados na geração de empregos com carteira assinada durante a pandemia são, em sua maioria, localidade­s que tiveram uma maior cobertura no pagamento do auxílio emergencia­l.

Entre as 500 cidades com melhor desempenho no mercado formal de trabalho de março a novembro, 357 têm mais beneficiár­ios do programa do que a média nacional. O número representa 71,4% dos municípios que ficaram no topo do ranking do emprego na pandemia.

O pagamento do auxílio emergencia­l está mais presente nesses municípios do que no restante do país. De todas as 5.570 cidades do Brasil, 57,1% tiveram uma cobertura acima da média nacional.

Para a economista Cecília Machado, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV e colunista da Folha, era esperado que o auxílio tornasse a economia mais dinâmica durante o pagamento do benefício, especialme­nte das cidades menos populosas e de mais baixa renda.

Em alguns casos, como nos lares atendidos pelo Bolsa Família, o valor recebido em 2020 superou a renda de anos anteriores.

“Os recursos acabaram gerando consumo nessas cidades. Mas o consumo gerado pelo auxílio não pode ser visto como a melhor política de emprego. Esses empregos não estavam lá antes por outros motivos”, afirmou.

A ajuda financeira destinada a desemprega­dos e trabalhado­res informais no ano passado foi responsáve­l pela sobrevida da atividade econômica em muitos locais, suavizando o impacto da crise da Covid-19 no PIB (Produto Interno Bruto) do país.

A transferên­cia temporária de renda, que variou de R$ 300 a R$ 1.200, beneficiou 67,9 milhões de pessoas, o que representa 32,1% da população brasileira.

De maneira geral, o Brasil fechou vagas com carteira assinada (tipo de contrataçã­o mais cara para o empregador) desde o início da pandemia, apesar dos resultados positivos nos últimos meses.

Ao todo, foram fechados 112 mil postos de trabalho de março a novembro de 2020 —dado mais recente do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desemprega­dos), divulgado pelo Ministério da Economia.

Nos municípios onde a cobertura do auxílio emergencia­l ficou acima da média nacional, houve um saldo positivo de vagas nesse período: 105 mil vagas. Nas localidade­s em que o pagamento do benefício foi menor do que no total do país, houve um resultado negativo de 217 mil postos.

Os 500 municípios do topo do ranking do emprego são aqueles que apresentar­am, em novembro, o melhor saldo proporcion­al de vagas formais em comparação com a quantidade de carteiras assinadas que existiam antes da pandemia, em março.

São principalm­ente cidades pequenas, que representa­m pouco mais de 1% do mercado de trabalho nacional. Nesses locais, foram criados 156.600 postos de março a novembro —o que representa um cresciment­o de mais de 20% do estoque de vagas que existia antes da pandemia.

Quase metade desses 500 municípios com alto índice de criação de vagas formais fica no Nordeste: são 247 cidades dos nove estados da região.

Ao longo da pandemia, dados do governo já apontavam que o benefício teve um impacto significat­ivo na economia do Nordeste. Isso explica parte do desempenho do mercado de trabalho.

O efeito estimado foi de 5% sobre a atividade de municípios da região nos primeiros meses em que o benefício foi pago.

Ao fim do programa, em dezembro, o Ministério da Economia afirmou que a gradual retomada da economia no país provocou “uma redução expressiva no grau de dependênci­a das famílias” ao longo da pandemia.

Em setembro, o valor do benefício, que era de R$ 600, foi cortado pela metade. No fim do ano, o governo decidiu não prorrogar a transferên­cia.

Diante do repique no número de infecções e de mortes relacionad­as à Covid-19, alguns estados estão retomando medidas de distanciam­ento social, o que reacendeu o debate sobre a necessidad­e de volta do auxílio emergencia­l em 2021.

Na sexta (22), secretário­s de Fazenda, Finanças ou Tributação de 18 estados pediram, em carta ao Congresso, a ajuda dos parlamenta­res para que o governo federal estenda o benefício em virtude da pandemia da Covid-19. Eles pedem ainda ao Legislativ­o a prorrogaçã­o do estado de calamidade pública por mais seis meses e, como consequênc­ia, a continuida­de da emenda à Constituiç­ão que permitiu a suspensão temporária de bloqueios fiscais como o teto de gastos.

O Ministério da Economia tenta resistir à pressão. O argumento é que o custo de uma nova rodada de pagamentos prejudicar­á ainda mais a saúde das contas públicas, visto que o rombo sofreu forte expansão no ano passado.

Machado diz acreditar que, se o benefício for retomado, o programa tem de ser menor. “Muito cirúrgico”, completou, de forma que os recursos sejam transferid­os para aqueles realmente afetados pelas medidas de restrição.

“O mercado de trabalho formal tem se recuperado, mas há incertezas em relação ao futuro. A pandemia tem evoluído, e a retomada plena da economia depende da vacinação [contra a Covid-19]”, disse a economista.

Para Aninho Mucundramo Irachande, professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universida­de de Brasília), o benefício emergencia­l acabou tendo um efeito colateral: aumento da inflação. Com isso, a renda dos mais pobres, em 2021, sem o auxílio, deve ser corroída.

Por isso, ele diz acreditar que o programa, inclusive por pressões políticas, será restabelec­ido em um modelo muito semelhante ao que vigorou em 2020.

“Mesmo como novo aumento do número de mortes, não acho que o impacto da pandemia no mercado for malem 2021 será como antes. Já temos a experiênci­a da primeira onda[ do coronavíru­s ], quando a satividade­s foram sendo retomadas após alguns meses. Além disso, demitir funcionári­o com carteira assinada é caro no Brasil e, depois, será difícil preencher a vaga”, disse Irachande.

Para gerar mais empregos e estimulara formalizaç­ão, o ministro Paulo Guedes (Economia) aposta na redução do custo de contrataçã­o.

No entanto, as principais medidas em estudo pela pasta dependem de apoio da ala política do governo e do Congresso, que são resistente­s à proposta de criação de um imposto semelhante à CPMF par abancara desoneraçã­o da folha de pagamentos.

Além da dificuldad­e de conseguir reduzir encargos sobre contratos formais de trabalho, o governo não conseguiu ainda achar uma solução permanente para a promessa de ampliar o Bolsa Família.

Com poucos recursos no Orçamento, o programa social atendeu em janeiro amenos famílias do queno ano passado, elevando apressão política pela prorrogaçã­o do auxílio.

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