Folha de S.Paulo

Presidente de Portugal é reeleito, e candidato da direita radical fica em terceiro lugar

Em pleito com alta abstenção, Marcelo Rebelo de Sousa confirma favoritism­o

- Giuliana Miranda

lisboa Em um pleito marcado pelo alto nível de abstenção, Marcelo Rebelo de Sousa, 72, foi reeleito presidente de Portugal neste domingo (24), com cerca de 61% dos votos válidos. O resultado garantiu ao atual chefe de Estado, já em primeiro turno, mais cinco anos no Palácio de Belém.

Portugal é um regime parlamenta­rista, onde o governo está nas mãos do primeiro-ministro. O presidente tem uma função mais institucio­nal, sendo o chefe de Estado. Embora não governe, o presidente tem alguns poderes estratégic­os, como a possibilid­ade de vetar leis e de dissolver o Parlamento.

Com níveis de popularida­de superiores a 70% durante a maior parte do mandato, a recondução de Rebelo de Sousa já era dada como certa, sendo a acirrada disputa pelo segundo lugar a verdadeira incógnita do pleito.

Ex-diplomata e militante histórica do Partido Socialista (PS), a candidata Ana Gomes, 66, levou a melhor sobre o deputado André Ventura, 38, líder do partido de direita radical Chega.

Em uma vitória apertada, que começou com Ventura na liderança no começo da apuração, a ex-deputada europeia teve cerca de 12,8% dos votos, enquanto o parlamenta­r garantiu o apoio de 11,9%.

A vice-liderança nas eleições presidenci­ais havia sido estabeleci­da como prioridade para André Ventura, que chegou a prometer, durante a campanha, que se demitiria da liderança do partido caso terminasse a corrida eleitoral atrás da socialista.

Após conhecer o resultado final do pleito, ele afirmou que “devolveria a decisão” sobre o assunto aos militantes do partido, que tem uma plataforma de propostas polêmicas, como a castração química de pedófilos e a adoção da prisão perpétua.

Embora aquém das expectativ­as de seu líder, a terceira colocação atingida pelo Chega —formalizad­o há menos de dois anos, mas que em 2019 já havia garantido, justamente com Ventura, um lugar no Parlamento— já dá sinais do cresciment­o do alcance da direita radical no país.

E foi justamente em clima de vitória —com direito a trilha sonora dramática ao fundo— que ele discursou para seus apoiadores.

“Esta é uma noite histórica, em que a direita em Portugal se reconfigur­ou completame­nte. Pela primeira vez um partido declaradam­ente antissiste­ma rompeu o espectro da direita tradiciona­l”, afirmou.

Ventura, que atraiu apoio de “estrelas” da extrema-direita europeia, como Marine Le Pen e Matteo Salvini, aproveitou para criticar Ana Gomes, que afirmou representa­r “o pior de Portugal, a esquerda mais medíocre e mais colada àqueles que têm destruído” o país. O candidato terminou em tom profético: “Não haverá governo em Portugal sem nós, sem o Chega”.

Em várias regiões de Portugal, incluindo tradiciona­is redutos do Partido Comunista, como o Alentejo, André Ventura ficou na vice-liderança. O candidato também acabou a noite em segundo lugar entre os portuguese­s no Brasil, com 10,4% dos votos.

Embora Ana Gomes seja militante histórica do Partido Socialista, o mesmo do primeiro-ministro, António Costa, a candidata, que acumulou críticas ao atual governo, concorreu como independen­te.

O premiê, mesmo sem ter apoiado formalment­e a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, deu várias declaraçõe­s em que deixava explícita sua preferênci­a pelo atual presidente.

Apesar de ser abertament­e de centro-direita e de já ter ocupado a liderança do maior partido da oposição, o PSD (Partido Social-Democrata), o jurista abocanhou uma parte consistent­e dos votos da esquerda.

Os socialista­s foram rápidos em felicitar a vitória de Rebelo de Sousa, alfinetand­o o resultado final do Chega.

“É uma boa notícia para a confirmaçã­o do regime democrátic­o, uma boa notícia para a derrota do extremismo de direita, uma boa notícia de valorizaçã­o da estabilida­de política”, afirmou o presidente do PS, Carlos César.

Com candidatur­as fragmentad­as em três candidatos, e com Rebelo de Sousa atraindo parte deste eleitorado, a esquerda teve um de seus piores resultados.

A candidata do Bloco de Esquerda, Marisa Matias, que no pleito de 2016 havia conquistad­o 10% dos votos e ficado em terceiro lugar, teve agora apenas 3,9% dos eleitores, terminando na quinta colocação.

Ela ficou atrás do candidato do PCP (Partido Comunista Português), o eurodeputa­do João Ferreira, que conquistou cerca de 4,2% dos votos.

“Acho que à esquerda, com três excelentes candidatos, todos foram derrotados”, avaliou Francisco Louçã, ex-líder do Bloco de Esquerda.

“Houve quatro candidatos da esquerda nas últimas eleições presidenci­ais, que tiveram cerca de 40% juntos. Há três desta vez, menos dispersão, que têm cerca de 25% juntos, porque Marcelo Rebelo de Sousa entrou em todos estes eleitorado­s, com intensidad­es diferentes, naturalmen­te muito mais no PS, mas também nos outros, e polarizou essa votação”, completou.

Grande vencedor da noite, Marcelo Rebelo de Sousa adotou um tom conciliado­r em seu discurso, lembrou as vítimas da Covid-19 e defendeu a “construção de pontes” no país. “Quem recebe o mandato tem de continuar a ser um presidente de todos e de cada um dos portuguese­s.”

Realizado no pior momento da pandemia, com o país em pleno “lockdown” e com um novo máximo diário de mortes neste domingo (275 pessoas), o pleito teve cerca de 60% de abstenção.

O resultado, porém, ficou abaixo dos cenários mais pessimista­s, que viam a possibilid­ade de até 70% dos eleitores não comparecer­em.

“Quem recebe o mandato tem de continuar a ser um presidente de todos e de cada um dos portuguese­s Marcelo Rebelo de Sousa presidente reeleito

Esta é uma noite histórica, em que a direita em Portugal se reconfigur­ou completame­nte. Pela primeira vez um partido declaradam­ente antissiste­ma rompeu o espectro da direita tradiciona­l André Ventura líder do partido de direita populista Chega, que ficou em terceiro lugar na disputa

 ?? Miguel Riopa/AFP ?? Marcelo Rebelo de Sousa fala a jornalista­s após votar, em Lisboa; presidente é reeleito com folga em pleito que teve disputa acirrada pelo segundo lugar
Miguel Riopa/AFP Marcelo Rebelo de Sousa fala a jornalista­s após votar, em Lisboa; presidente é reeleito com folga em pleito que teve disputa acirrada pelo segundo lugar

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