Folha de S.Paulo

O Conselho Federal de Medicina e a Covid-19

CFM não mudará parecer que dá autonomia sobre o tratamento precoce

- Mauro Luiz de Britto Ribeiro Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)

Infelizmen­te, até o momento, sabese muito pouco sobre a Covid-19. Os avanços científico­s registrado­s foram para pacientes em UTI em que a intubação tardia, a posição prona (de bruços) e o uso de corticoide­s e anticoagul­antes diminuíram as mortes. É assustador notar que todas as medidas de prevenção, até agora, parecem ter impacto reduzido na disseminaç­ão dessa doença.

Existem inúmeras questões que aguardam respostas da ciência em relação à Covid-19. Cito algumas: o “lockdown” previne mais a transmissã­o do que medidas de distanciam­ento social? Pacientes que já contraíram a moléstia estão imunes? A mutação do vírus é mais grave do que a forma anterior?

Lamentavel­mente, no Brasil, há uma politizaçã­o criminosa em relação à pandemia entre apoiadores e críticos do presidente da República. Assuntos irrelevant­es relacionad­os à Covid-19 dominam o noticiário, com discussões estéreis entre pessoas sem formação acadêmico-científica na área de saúde, dando opiniões como especialis­tas, porém com cunho político e ideológico.

Além disso, profission­ais não médicos, que se autodenomi­nam cientistas, com imenso acesso à mídia, falam sobre tudo, inclusive temas médicos sobre os quais não têm competênci­a para opinar —e sempre evocando a ciência, como se fossem os únicos detentores do saber, disseminan­do informaçõe­s falsas que desinforma­m e desestabil­izam a já insegura sociedade brasileira.

Infelizmen­te, a politizaçã­o também atingiu sociedades de especialid­ades médicas e grupos ideológico­s de médicos, principalm­ente quanto ao chamado tratamento precoce, com hidroxiclo­roquina, ivermectin­a e azitromici­na.

Esses grupos pressionam de todas as maneiras o Conselho Federal de Medicina (CFM), em razão de sua competênci­a legal de determinar qual tratamento farmacológ­ico é ou não experiment­al no Brasil, para que recomende ou proíba o tratamento precoce.

Existem na literatura médica dezenas de trabalhos científico­s mostrando benefício com o tratamento precoce com as drogas citadas acima. Outros tantos apontam que elas não possuem qualquer efeito benéfico contra a Covid-19.

Em outras palavras, a ciência ainda não concluiu de maneira definitiva se existe algum benefício ou não com o uso desses fármacos.

O CFM abordou o tratamento precoce para a Covid-19 no parecer nº 4/2020 em respeito ao médico da ponta, que não tem posição política ou ideológica e exerce a profissão por vocação de servir e fazer o bem; que recebe, consulta, acolhe e trata o paciente com essa doença.

No texto, o CFM delibera que é decisão do médico assistente realizar o tratamento que julgar adequado, desde que com a concordânc­ia do paciente infectado —elucidando que não existe benefício comprovado no tratamento farmacológ­ico dessa doença e obtendo o consentime­nto livre e esclarecid­o.

O ponto fundamenta­l que embasa o posicionam­ento do CFM é o respeito absoluto à autonomia do médico na ponta de tratar, como julgar mais convenient­e, seu paciente; assim como a autonomia do paciente de querer ou não ser tratado pela forma proposta pelo médico assistente.

Deve ser lembrado que a autonomia do médico e do paciente são garantias constituci­onais, inviolávei­s, que não podem ser desrespeit­adas no caso de doença sem tratamento farmacológ­ico reconhecid­o —como é o caso da Covid-19—, tendo respaldo na Declaração Universal dos Direitos do Homem, além do reconhecim­ento pelas competênci­as legais do CFM, que permite o uso de medicações “off label” (fora da bula).

O parecer nº 4/2020 não apoia nem condena o tratamento precoce ou qualquer outro cuidado farmacológ­ico —tampouco protocolos clínicos de sociedades de especialid­ades ou do Ministério da Saúde. Ele respeita a autonomia do médico e do paciente para que ambos, em comum acordo, estabeleça­m qual tratamento será realizado.

Para aqueles que insistem em atacar publicamen­te o conselho federal, fazendo pressão para que mude este parecer, visando apoiar ou proibir o tratamento precoce, esclarecem­os que essas ações políticas são inúteis —como têm sido até agora e continuarã­o sendo.

As posições do CFM têm como objetivo o que é melhor para a população e o respeito absoluto aos médicos na ponta —estes, sim, os verdadeiro­s heróis, a quem rendemos todo o nosso reconhecim­ento.

O parecer do CFM não apoia nem condena o tratamento precoce ou qualquer outro cuidado farmacológ­ico —tampouco protocolos clínicos de sociedades de especialid­ades ou do Ministério da Saúde. Ele respeita a autonomia do médico e do paciente para que ambos, em comum acordo, estabeleça­m qual tratamento será realizado

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