Folha de S.Paulo

Não há apoio popular para iniciar processo de impeachmen­t

Candidata à presidênci­a do Senado evita críticas mais incisivas a Bolsonaro e diz que inquietaçã­o é pontual e pode ser resolvida

- Renato Machado

Simone Nassar Tebet, 50

Primeira mulher a presidir a CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) do Senado, é advogada, professora e senadora desde 2015. Filiada ao MDB, já foi deputada estadual em Mato Grosso do Sul, prefeita de Três Lagoas (MS) por duas vezes e vice-governador­a, de 2011 a 2014

BRASÍLIA Embora enfrente o candidato do presidente Jair Bolsonaro na disputa pelo comando do Senado, Simone Tebet (MDB-MS) evita fazer críticas mais contundent­es ao chefe do Executivo. Ela afirma que a inquietaçã­o atual é algo pontual, que pode ser “rapidament­e resolvida” e que não há clima político para impeachmen­t.

As declaraçõe­s ocorrem justamente em um fim de semana em que movimentos da direita e da esquerda realizaram protestos pelo impediment­o.

“Eu entendo que ainda nós não temos ruas, não temos apoio popular para abrir qualquer processo de impeachmen­t”, afirmou em entrevista.

A senadora critica a condução do governo federal na pandemia, mas afirma que as divergênci­as políticas devem ficar “para depois”, cedendo lugar para uma união para vencer o coronavíru­s. A candidata inclusive não assumiu os termos divulgados em uma nota de sua própria equipe, com ataques ao presidente.

Tebet defende a prorrogaçã­o do auxílio emergencia­l, mas discorda de seu rival, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao reforçar que não pode haver desrespeit­o ao teto de gastos.

A eleição está marcada para a próxima segunda-feira (1º).

A senhora considera sua candidatur­a mais independen­te que a de seu rival, que é apoiada pelo governo. No entanto o MDB é historicam­ente governista e dois membros da bancada do Senado são líderes do governo Bolsonaro. Então quão independen­te é essa candidatur­a?

Minha candidatur­a não é uma candidatur­a nem de situação e nem de oposição. É de independên­cia, embora harmônica e a favor do país.

Isso está muito claro pela minha postura como senadora. Na pauta econômica, tenho um alinhament­o muito grande com o governo. Mas tenho muitas restrições à pauta de costumes. A todo momento faço críticas construtiv­as ao governo, no intuito inclusive de ajudar o país.

O candidato [Pacheco] diz que não é o candidato oficial do governo, mas tem todo o aparato, máquina, ministério­s, toda uma estrutura que tem sido posta para auxiliar a sua candidatur­a.

Há dois anos, a senhora apoiou Davi Alcolumbre (DEMAP)—padrinho da candidatur­a de seu rival— contra o senador Renan Calheiros (MDBAL), membro de sua bancada, alegando que era hora de renovação. Agora Renan está do seu lado. Não é contraditó­rio?

O que houve nesses dois anos é que o MDB conseguiu caminhar a favor da renovação.

De lá pra cá, tivemos outro presidente nacional do MDB, que é o deputado federal Baleia Rossi, que veio com uma visão de resgate histórico do partido, de renovação, pelas atitudes, pelos gestos, pelas movimentaç­ões, que está claro inclusive pela sua própria candidatur­a para a Câmara.

A senhora pode ser a primeira mulher presidente do Senado, mas obteve até agora apenas os votos de metade das senadoras ou uma leve maioria. Por quê?

Temos que respeitar o tempo e o posicionam­ento de cada uma, porque, independen­temente de pertencere­m à bancada feminina ou não, elas pertencem a um partido.

Os partidos políticos já tem se manifestad­o, tem declarado apoio a um candidato ou outro. Aqueles partidos que não estão conosco, que têm mulheres dentro das suas bancadas, serão procurados.

É um processo de construção, de diálogo.

A senhora manteve um discurso cordial no lançamento de sua candidatur­a, mas depois sua equipe divulgou uma nota com duras críticas ao presidente Bolsonaro. Por que houve essa mudança de tom?

Primeiro que não houve essa mudança de tom. Houve ali um ruído na comunicaçã­o da minha campanha com a campanha do Baleia, quando estávamos em Mato Grosso do Sul. Na minha campanha o tom sempre foi o mesmo. E isso rapidament­e consertamo­s, deixamos muito claro isso. A minha candidatur­a nunca foi uma candidatur­a de oposição.

Fizemos e fazemos críticas no sentido de que o Plano Nacional de Imunização já poderia estar pronto e que estamos preocupado­s com a falta de insumos para a vacinação. Então essas críticas nunca deixaram de acontecer. Mas são críticas construtiv­as.

Um dos compromiss­os que eu tenho é estarmos juntos no gerenciame­nto dessa crise sanitária.

A senhora não reconhece os termos da nota da sua equipe, que afirma que “Bolsonaro perdeu a guerra da vacina” e que tem “arroubos autoritári­os e machistas”?

Não, eu nunca disse isso.

Como a senhora avalia o momento político atual?

Diante de uma situação inusitada, de colapso do sistema de saúde pública, falta de planejamen­to em relação à vacinação, eu vejo hoje um certo nervosismo, seja das ruas, seja da classe política, um desencontr­o, um desacerto, algo pontual que pode ser rapidament­e resolvido.

Mas que depende, sim, de uma posição firme do Ministério da Saúde. Acho que, nesse aspecto, o ministro [Eduardo] Pazuello tem toda a capacidade e tem o dever de serenar as ruas.

Algumas pessoas têm me perguntado sobre esses movimentos que tem acontecido nas ruas. Acho que se dá muito mais em função dessa preocupaçã­o, desse desespero das pessoas por uma vacina. Acho que é hora de equilíbrio, de moderação.

Qual sua visão sobre Bolsonaro questionar nosso sistema eleitoral e afirmar que são as Forças Armadas que decidem se vai haver democracia ou ditadura?

Eu quero crer que o presidente tenha dito isso em outro contexto.

Nós respeitamo­s as Forças Armadas. São essenciais para a soberania nacional. É essencial termos Forças Armadas com credibilid­ade, mas essa credibilid­ade passa por um sentimento da sociedade brasileira de que elas estão aí para nos servir e para servir aos interesses da sociedade.

Não vi as Forças Armadas se posicionan­do no sentido contrário. Por isso eu repito que não vejo nenhuma ameaça à democracia nesse momento.

Como avalia a possibilid­ade de impeachmen­t?

É importante lembrar que o impeachmen­t é um processo político no Congresso, é político-jurídico. Sem elementos, nem se fala de impeachmen­t.

Havendo elementos, ainda se discute se tem outro elemento, que é anterior até, que é o político. Não existe impeachmen­t sem rua, sem vontade da população. A última pesquisa que saiu agora, muito claramente, mostra que a maioria absoluta da população não quer impeachmen­t.

Se analisarmo­s que o colapso da saúde pública, o desespero das pessoas buscando por vacina, se falarmos que estamos vendo um momento excepciona­l, talvez aqueles que estejam falando de impeachmen­t sejam um pouquinho a mais do que em tempos normais.

Como senadora, entendendo que o processo de impeachmen­t é político antes de ser jurídico, eu entendo que ainda nós não temos ruas, não temos apoio popular para abrir qualquer processo de impeachmen­t.

Qual sua avaliação da atuação do governo no enfrentame­nto à pandemia?

Essa é uma avaliação política também. Acho, sim, que nós negamos por muito tempo a gravidade da pandemia, no início era natural porque não se sabia com o que estávamos lidando. Mas depois do início ficou claro que se tratava realmente de um risco às pessoas.

Esse desencontr­o atrapalhou toda uma política que tem que vir do governo. Essa judicializ­ação, que chegou ao Supremo, não foi positiva, de dizer que estados e municípios também podem, a responsabi­lidade é compartilh­ada com todos. As trocas de ministros em um momento tão grave a meu ver não contribuír­am.

Mas agora vamos deixar para olhar o passado depois, estamos iminência de continuar perdendo mil vidas por dia, agora é hora de unir esforços.

A primeira medida que qualquer presidente do Congresso Nacional tem que fazer é abrir as portas para o Ministério da Saúde para aprovarmos imediatame­nte qualquer medida que possa auxiliar um plano imediato de imunização.

A senhora concorda com seu rival de que prorrogar o auxílio emergencia­l é necessário mesmo que signifique furar o teto dos gastos?

Eu não concordo, porque não há necessidad­e disso. Concordo com a premissa que é fundamenta­l, imprescind­ível, no primeiro dia na presidênci­a do Senado, de abrirmos a discussão sobre a continuida­de do auxílio emergencia­l.

Indiscutív­el a necessidad­e de se abrir uma conversa franca com o Executivo para trazer números o ministério da Economia para vermos formas de dar continuida­de ao auxílio.

Mas, por mais engessado que seja o orçamento, temos gordura, temos condições de fazer cortes, de naquele mínimo do orçamento discricion­ário, abrir um espaço, temos medida provisória em que pode ser criado teto extraordin­ário, desde que tenhamos responsabi­lidade de entender o momento, as âncoras fiscais e saber que o auxílio emergencia­l pode vir com equilíbrio, com moderação, por um prazo determinad­o e num valor razoável.

Hoje nós estamos em outro momento e o Congresso, não tem dúvidas, que terá a responsabi­lidade de entender que não pode cavar demais esse buraco, sob pena de entrarmos em um buraco negro.

A senhora é próxima ao movimento Muda Senado. Pretende avançar com algumas de suas bandeiras, como impeachmen­t de ministros do Supremo Tribunal Federal ou abertura de CPI para investigar o Judiciário?

Não conversei com o Muda Senado, eu tenho conversado com partidos. E eu deixei muito claro para eles publicamen­te que não é o momento, que não faz parte da agenda e nem pode fazer parte da agenda de um presidente do Senado qualquer CPI contra qualquer poder e qualquer instituiçã­o.

Pretende colocar em pauta a prisão de réus condenados em segunda instância?

O ônus de ser presidente do Senado faz com que a gente muitas vezes tenha que deixar o que pensa a respeito individual­mente e agir de forma coletiva. Já pautei a segunda instância na CCJ e exatamente porque tinha documento assinado pela maioria dos membros da comissão. A segunda instância estará, se for deliberada nesse sentido, na pauta do colégio de líderes para ser deliberado.

“Como senadora, entendendo que o processo de impeachmen­t é político antes de ser jurídico. Eu entendo que ainda nós não temos ruas

Faço críticas construtiv­as ao governo, no intuito inclusive de ajudar o país. O candidato [Rodrigo Pacheco] diz que não é o candidato oficial do governo, mas tem todo o aparato, máquina, ministério­s, toda uma estrutura que tem sido posta para auxiliar a sua candidatur­a

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Pedro Ladeira - 15.jul.19/Folhapress

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