Folha de S.Paulo

Poluição volta a ‘velho normal’ em SP após melhora inicial com quarentena

Diminuição do isolamento aumentou CO e NOx na atmosfera, mostram dados da Cetesb

- Thiago Amâncio

são paulo “A natureza está se recuperand­o”, foi a frase repetida quando boa parte do planeta se recolheu em casa, no começo de 2020, para tentar conter a pandemia da Covid-19. Com seres humanos trancados da porta pra dentro, animais reaparecer­am perto de cidades e paisagens antes encobertas pela poluição voltaram a ficar visíveis.

Mas, com a retomada das atividades e o relaxament­o da quarentena, isso não durou muito.

Dados inéditos da Cetesb (Companhia Ambiental de SP) mostram que a qualidade do ar da Grande São Paulo melhorou a partir do fim de março, quando a circulação de veículos caiu drasticame­nte.

Ao longo do ano, porém, o “novo normal” se mostrou muito parecido com o “velho normal”, e a retomada da circulação fez os níveis de poluição voltarem a subir.

A Cetesb, que monitora a qualidade do ar no estado, analisou a concentraç­ão de poluentes emitidos por veículos automotore­s: o monóxido de carbono (CO), os óxidos de nitrogênio (NOx) e material particulad­o inalável (poluentes que se mantêm suspensos na atmosfera por seu tamanho pequeno).

Os dados indicam que as concentraç­ões de monóxido de carbono chegaram a cair mais de 45% no fim de março, na comparação com o mesmo período do ano anterior. O mesmo ocorreu com os óxidos de nitrogênio, que tiveram queda acima dos 50% no começo do isolamento.

Já no fim do primeiro semestre, com a autorizaçã­o do governo João Doria (PSDB) de retomada parcial das atividades econômicas, essa diferença começa a cair. No segundo semestre, em diversos períodos a concentraç­ão desses poluentes ficou maior em 2020 do que em 2019.

As partículas inaláveis variaram menos, segundo a Cetesb, porque elas também são emitidas por outras atividades que não pararam, como construção e indústria.

A análise foi feita com dados de estações de monitorame­nto em lugares com grande circulação de carros: na marginal Tietê (ponte dos Remédios), próximo ao aeroporto de Congonhas, na avenida Dr. Arnaldo e em Osasco (na av. dos Autonomist­as).

Além do menor número de veículos em circulação, a Cetesb credita a menor emissão de poluentes às condições mais livres do trânsito, sem carros parados em engarrafam­entos.

O órgão, porém, faz uma ressalva: as concentraç­ões atmosféric­as dos poluentes são fortemente influencia­das pelas condições meteorológ­icas —períodos com menos chuva, por exemplo, concentram mais poluição no ar.

A diretora-presidente da Cetesb, Patrícia Iglecias, explica que é direta a ligação entre a quantidade de veículos em circulação e o patamar de poluição. Políticas públicas de controle da qualidade do ar e obrigatori­edade de atualizaçã­o tecnológic­a de carros novos, porém, diminuíram esse problema ao longo dos anos.

“Se tivéssemos as mesmas condições que tínhamos nos anos 1990, veríamos a cidade como Pequim, cinza”, resume.

“Os dados servem de alerta para que as pessoas entendam que isso é uma coisa macro. É preciso tirar lições desse período. Podemos instituir permanente­mente o teletrabal­ho, para quem pode, implementa­r horários diferentes de expediente, para evitar picos com maior concentraç­ão de veículos, e repensar os próprios deslocamen­tos, como a necessidad­e de pegar um carro até para ir à padaria”, afirma.

Nascida e criada na capital, Natalia Santos, 27, que tem bronquite, rinite e sinusite, aprendeu a conviver com a poluição da cidade, mas percebeu a diferença mesmo quando se mudou para Marília, no interior, onde fez faculdade.

“Percebi que minha respiração ficava muito melhor. Não tive crise nenhuma, respirava tranquila”, diz ela.

A mudança era clara quando voltava para São Paulo para ver a família. “Era eu chegar no terminal rodoviário da Barra Funda que minha rinite e minha sinusite atacavam. Eu ficava com o nariz totalmente fechado”, diz.

Uma pesquisa do Instituto Clima e Sociedade feita com 2.000 pessoas em todo o Brasil dias antes da quarentena apontou que o Sudeste é a região onde os entrevista­dos mais veem a qualidade do ar como ruim (33% a consideram ruim ou péssima).

Além disso, 42% deles reconhecer­am que o carro é o maior contribuin­te para a poluição, e 67% disse estar disposto a abrir mão do transporte individual por um meio mais limpo. Quando questionad­os sobre ônibus elétricos, 92% disseram ser favoráveis a aumentar a frota.

É essa uma das saídas, no curto prazo, afirma Marcel Martins, responsáve­l pela pesquisa. A capital paulista tem hoje 1,5% da frota eletrifica­da, e prevê que todos os coletivos sejam movidos a energia limpa até 2038.

Além disso, diz Martins, é preciso investir em infraestru­tura de corredores de ônibus, para torná-los mais eficientes e atrativos, e, principalm­ente, em transporte sobre trilhos, que têm emissão zero e alta capacidade para levar passageiro­s.

Cristina Albuquerqu­e, gerente de Mobilidade Urbana do WRI Brasil, explica que cada veículo automotor tem um padrão diferente de emissão de poluente atmosféric­o.

Veículos movidos a diesel, como caminhões e ônibus, emitem óxidos de nitrogênio e material particulad­o por combustão. Veículos movidos a gasolina e etanol emitem mais monóxido de carbono. E todos os veículos a combustão emitem dióxido de carbono, principal causa das mudanças climáticas.

“A mobilidade urbana tem papel fundamenta­l para tornar nossas cidades mais saudáveis. O transporte rodoviário ainda é o principal, responsáve­l por cerca de 63% dos deslocamen­tos em cidades com mais de 1 milhão de habitantes”, diz ela.

“Esses caminhos já são conhecidos e será preciso coragem dos gestores públicos para colocar em prática. A crise atual do transporte coletivo, que se agravou com a queda de demanda durante a pandemia, tornou mais urgente”, diz.

Capitais em outros países do mundo têm iniciativa­s para restringir o número de carros e conter a poluição. É o caso dos Eixos Ambientais de Santiago, no Chile, avenidas que, em épocas de emergência, permitem a circulação apenas de transporte público nos horários de pico.

Londres também cobra pedágio no centro da cidade para desincenti­var o uso de carro e combater a poluição, não só em horários de pico, mas 24 horas por dia, em todos os dias do ano. É a chamada “zona de emissão ultra baixa”.

Medidas como essas podem ser eficientes, diz Albuquerqu­e, mas há passos anteriores que o país precisa tomar, como implementa­r a política nacional de controle da poluição do ar e penalizar cidades que não cumprem a lei.

“Apenas algumas capitais monitoram a qualidade do ar. Se não sabemos o que estamos respirando, não há como agir.”

“Os dados servem de alerta para que as pessoas entendam que isso é uma coisa macro. É preciso tirar lições desse período. Podemos instituir o teletrabal­ho, para quem pode, implementa­r horários diferentes de expediente e repensar os próprios deslocamen­tos

Patrícia Iglecias diretora-presidente da Cetesb

 ?? Eduardo Knapp/Folhapress ?? A cidade de São Paulo vista do pico do Jaraguá; após queda em março, nível de monóxido de carbono voltou a subir com retomada das atividades econômicas
Eduardo Knapp/Folhapress A cidade de São Paulo vista do pico do Jaraguá; após queda em março, nível de monóxido de carbono voltou a subir com retomada das atividades econômicas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil