Folha de S.Paulo

Novo álbum de filha de Beth Carvalho faz gentrifica­ção do funk

Maior parte das faixas de ‘Segue o Baile’, de Luana Carvalho, são como ouro de tolo e enganam iniciantes

- Jairo Malta

Segue o Baile *****

Artista: Luana Carvalho. Gravadora: independen­te. Nas plataforma­s digitais

A expressão ouro de tolo surgiu entre mineradore­s por causa de uma pedra chamada pirita —sua cor e seu brilho dourados lembram bastante o do ouro nativo e podem até enganar os iniciantes.

Ao ouvir o novo disco de Luana Carvalho, “Segue o Baile”, a sensação que temos é a de estar diante desse ouro de tolo. Este seria o lado B de “Baile de Máscara”, penúltimo álbum de samba que ela lançou no ano passado. A cantora faria, assim, uma transição semelhante à que sua mãe, Beth Carvalho, fez na carreira, saindo da nobre MPB carioca para o samba de raiz do Cacique de Ramos. Mas “Segue o Baile” não mostra a que veio, já que nele não ouvimos funk.

O álbum é composto por nove faixas. As letras de cinco delas podem até lembrar as de funk, fazendo releituras de sucessos nos anos 1990 e início dos anos 2000 como “Me Leva”, de Latino, e “Rap do Solitário”, de MC Marcinho.

Mas são versões sem novidades instrument­ais, que flertam com o subgênero do funk de pelúcia. “Me Leva”, ouvida até hoje pelos “relíquias” e talvez a maior contribuiç­ão de Latino para a música brasileira, vira uma canção apática e pouco envolvente. “Rap do Solitário”, um funk melody valioso no contexto periférico, parece ter sido embranquec­ida para ser vendido pela elite ao ser transforma­do em bossa nova. E os versos de “Está Escrito”, do MC Bob Rum, perdem toda a espontanei­dade ao serem acompanhad­os aqui por um coral.

Chega a soar como se a MPB dos anos 2000 estivesse fazendo funk em 2021, ou, talvez, uma gentrifica­ção do movimento. Seria isso o que chamam de apropriaçã­o cultural?

Os mineradore­s dizem também que, quando encontramo­s uma pirita, é porque o caminho para achar outras pedras preciosas está correto. Assim são as demais quatro músicas do álbum, que vão de um papo reto sobre racismo e preconceit­o a músicas inspiradas no candomblé.

É o caso de “Selfie”, provavelme­nte inspirada nos protestos do Black Lives Matter.

Nele, a cantora fala sobre racismo, feminismo e desigualda­de social usando a sua posição de privilégio para dar voz às necessidad­es do povo negro. Ou da parceria com a atriz Andrea Horta, “Teta sem Treta”, que fala sobre a coragem da mulher diante de um câncer de mama. Com tema importante, mas pouco discutido na cultura musical, consegue não ser óbvia. Além disso, tem uma levada bem direcionad­a pelo tambor, que ouvimos claramente e que ela repete enquanto canta.

“Mainha” detalha bem objetos e estilos do candomblé. Quando se ouve o barulho de água, é possível entender que a mãe seria Iemanjá.

Ao lado de “Última Oração”, cujos arranjos lembram bons tempos da MPB dos anos 1970, a última é o ato final de um disco confuso e que dificilmen­te conversa com a periferia, oposto do que nos promete.

Como as outras boas faixas do disco, facilmente poderia estar em “Baile de Máscara” ou em outro projeto da cantora. Mas, em “Segue o Baile”, elas se perdem na proposta de um álbum de funk.

 ?? Jorge Bispo/Folhapress ?? A cantora carioca Luana Carvalho, filha da sambista Beth Carvalho, que lança o disco ‘Segue o Baile’
Jorge Bispo/Folhapress A cantora carioca Luana Carvalho, filha da sambista Beth Carvalho, que lança o disco ‘Segue o Baile’
 ?? Reprodução ?? FUNK DA VACINA
No sábado (23), MC Fioti lançou o clipe da nova versão de ‘Bum Bum Tam Tam’, agora com referência­s à vacina do Instituto Butantan; no clipe, ele dança com funcionári­os
Reprodução FUNK DA VACINA No sábado (23), MC Fioti lançou o clipe da nova versão de ‘Bum Bum Tam Tam’, agora com referência­s à vacina do Instituto Butantan; no clipe, ele dança com funcionári­os

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