Folha de S.Paulo

Hipódromo de SP faz 80 anos com dívida e à espera de plano urbanístic­o

Jockey Club passa por restauraçã­o e busca recuperar brilho com ajuda de investimen­to do mercado

- Artur Rodrigues

são paulo “Vivo entusiasmo despertam as corridas inaugurais do hipódromo da Cidade Jardim”, anunciava o jornal Folha da Manhã no início de 1941.

Em janeiro daquele ano, só se falava da corrida de estreia no novo hipódromo em 25 de janeiro, cujo páreo principal foi vencido pelo potro Bagual, depois da polêmica desclassif­icação de dois concorrent­es. Na arquibanca­da, estava o então intervento­r do estado, Adhemar de Barros.

A atual sede do Jockey Club de São Paulo, no bairro Cidade Jardim, completa 80 anos sem o brilho daqueles tempos. Hoje, o clube lida com dívidas de centenas de milhões de reais e aguarda um plano urbanístic­o que pode ajudá-lo a sair da difícil situação financeira.

O local também passa por restauraçã­o, mais um passo na busca para recuperar o aspecto imponente que já teve um dia.

A história do turfe em São Paulo é antiga. As corridas de cavalos costumavam acontecer nas ruas no século 19.

A cidade ganhou o hipódromo da Mooca (zona leste de SP), que teve sua primeira corrida em 1876.

Com a crescente popularida­de da prática, o Jockey ganhou em 1941 um espaço mais moderno, na Cidade Jardim. Prefeito até 1938 e presidente do Jockey, Fabio Prado participou da implantaçã­o. Na atmosfera suntuosa frequentad­a por quatrocent­ões paulista, já estiveram figuras políticas como Juscelino Kubitschek e a rainha Elizabeth, do Reino Unido.

Antes de virar o hipódromo, o terreno na Cidade Jardim era um descampado de mais de 600 mil m², às margens do rio Pinheiros, em uma área afastada.

Décadas depois, a área virou um dos metros quadrados mais caros da cidade, o que impacta no débito crescente de IPTU do clube — só na dívida ativa há mais de R$ 150 milhões a serem pagos à prefeitura, sem contar outras dezenas de milhões em parcelas em aberto. O clube não reconhece esses valores e briga na Justiça.

Na tentativa de resolver os problemas financeiro­s, o Jockey já leiloou obras de arte e vendeu imóveis. Além disso, teve o terreno da Chácara do Jockey desapropri­ado devido à dívida. A pandemia complicou mais a situação do clube, que chegou até a atrasar salários.

Vice-presidente do Jockey, Marcelo Arthur Motta Ramos Marques ,70, afirma que a implantaçã­o do plano de intervençã­o urbana doJockeypo de ajudara melhoraras contas do clube. Ele faz parte de um grupo que assumiu a instalação em 2017 com essa missão, tendo o empresário Benjamin Steinbruch, da CSN, como presidente.

O PIU (Plano de Intervençã­o Urbana) foi articulado ainda na gestão de João Doria (PSDB), amigo de Steinbruch, como prefeito.

O projeto anunciado por Doria previa um parque de 150 milm²,aret irada do muro do Jockey e a construção de prédios em parte do terreno. Como se trata de uma área altamente valorizada, a expectativ­a é de que não faltará demanda por parte do mercado imobiliári­o.

“É um projeto que otimiza a partemobil­iária. Evidenteme­nte que aparte tombada não será modificada, que são as arquibanca­das. Tem outras áreas que serão aposentada­s para rentabiliz­ar para o clube ea prefeitura também”, diz Marques.

Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), o projeto de intervençã­o do Jockey está na segunda etapa da consulta pública, com plataforma aberta para receber comentário­s até 26 de fevereiro. Depois disso, terá que ser votado na Câmara Municipal. A ideia da prefeitura é criar novos usos além do turfe, atraindo mais gente para o espaço.

O urbanista Renato Cymbalista, professor da FAU (Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo), da USP, alerta que a resolução da questão da dívida é crucial para um eventual sucesso do plano de intervençã­o urbana do clube. É preciso saber se, executada a dívida, o terreno continuará sendo inteiramen­te do clube, se parte irá para a prefeitura ou se haveria uma desapropri­ação, com possível autorizaçã­o para uso do espaço.

“Tem um problema fiscal e um problema urbanístic­o. O problema que eu vejo é que esse plano não é capaz de definir o desfecho, que só pode ocorrer pelo final das lutas judiciais sobre esta dívida. Não é fácil planejar com esse grau incerteza”, diz, ressaltand­o que se trata de uma área estratégic­a, que necessita de um plano para ela.

O clube aposta muitas das suas fichas em conseguir vitórias na Justiça para resolver seus débitos com a prefeitura. Na última semana, uma liminar do Tribunal de Justiça suspendeu a cobrança dos cerca de R$ 18 milhões de IPTU em 2021.

O Jockey sustenta que é discrimina­do em relação a outros clubes, uma vez que a isenção no tributo ocorre para todos, exceto aqueles que vendem apostas. “É uma exclusão com endereço certo”, diz o advogado Igor Mauler Santiago, que representa o clube na ação.

Outro argumento neste mesmo processo é que, mesmo estando em área urbana, o Jockey deveria pagar ITR, o imposto territoria­l rural, por desenvolve­r o turfe.

A prefeitura recorrerá da decisão liminar.

As dívidas não se limitam ao IPTU. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, de agosto de 2020, os débitos do clube somavam por volta de R$ 400 milhões, de acordo com balanço apresentad­o em 30 de junho de 2019.

Atividade fim do Jockey, o turfe vem tendo queda nos últimos anos, assim como as apostas.

No período áureo, o hipódromo tinha corridas quatro vezes por semana, agora ocorrendo apenas uma vez.

Marcelo Marques, membro da atual gestão e frequentad­or do Jockey há 50 anos, diz que atividade é muito menos presencial hoje em dia.

“Antigament­e você tinha que ir presencial­mente, ver a corrida, o espetáculo, comprar pule [boleto de aposta] de papel”, diz. Agora, é possível apostar pela internet sem nunca ter visto um cavalo pessoalmen­te.

A ideia é que, sem abandonar o turfe, o espaço desenvolva cada vez mais uma série de outras atividades rentáveis, como serviços de restaurant­es (já existem três) e eventos.

“O Jockey de São Paulo tem uma localizaçã­o muito feliz. Normalment­e, os hipódromos em outros países estão afastados do centros urbanos. Então há muitas possibilid­ades para promover atividades”, disse, citando a realização do Lollapaloo­za e do Free Jazz Festival no Jockey. A pandemia, porém, atingiu em cheio esse tipo de atividade.

Durante a pandemia, as corridas continuara­m, mas sem espectador­es. Quando o público voltar ao Jockey, deve encontrar um espaço restaurado.

A primeira obra terminou neste mês, o restauro do passadiço das tribunas sociais, parte de um complexo tombado pelos patrimônio­s históricos estadual e municipal. O custo estimado é de R$ 3,3 milhões, com incentivo da Lei Rouanet.

“É o maior complexo art déco das Américas”, diz Wolney Unes, da Elysium Sociedade Cultural, que realiza as obras e define o espaço como uma “joia”.

“É um dos representa­ntes do conceito design total. O arquiteto desenhava o prédio, mas também lâmpadas, mobiliário­s, as louças. Não ia na loja comprar o que tinha, ele desenhava. Então, lá no Jockey tem tudo isso. É um ícone de uma época”, diz.

O projeto inicial do Jockey é do arquiteto Elisário Bahiana, responsáve­l por obras como o viaduto do Chá. Porém, o aspecto atual tem hoje mais do estilo do francês Henri Sajous, que iniciou uma remodelaçã­o a partir da segunda metade dos anos 1940.

Muito do charme foi corroído pelos efeitos do tempo. O objetivo das obras é restaurar um pouco do Jockey como era no começo da segunda metade do século 20, quando a elite paulista se aglomerava nas arquibanca­das.

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Eduardo Knapp/Folhapress Jockey Clube de São Paulo, que se mudou para o bairro Cidade Jardim em 1941; local passa por restauraçã­o de complexo no estilo art déco
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Fotos Reprodução/Jockey Club de SP 1

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