Folha de S.Paulo

Investidor precisa de mais diversific­ação para vencer a inflação, dizem analistas

Apesar do Copom abandonar compromiss­o de não subir Selic, juro deve seguir abaixo do IPCA, exigindo mais atenção para fazer dinheiro render

- Júlia Moura

são paulo Para o investidor, 2021 deve ser bem semelhante ao segundo semestre de 2020, apontam especialis­tas. Os principais pontos de atenção são o juro baixo e a inflação, que impactam diretament­e a vida dos brasileiro­s.

No ano passado, o IPCA, o índice oficial da inflação, subiu 4,52% e ficou acima de investimen­tos tradiciona­is como CDBsea poupança. ComoaSelic começou 2020 a 4,5% e terminou a 2%, o CDI (Certificad­o de Depósito Interbancá­rio), referência para aplicações que seguem a taxa básica de juros, ficou entre 4,4% e 1,9%.

No final das contas, essas aplicações renderam menos que a alta dos preços —o chamado juro real negativo. Consideran­do a variação do IGP-M, a diferença é ainda maior; o índice usado em reajustes de serviços como planos de saúde e aluguéis subiu 23,14%.

Na última reunião, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) abandonou o compromiss­o de manter o juro a 2% ao ano e economista­s já esperam que ele termine 2021 em 3,25%, segundo o Boletim Focus do Banco Central.

Para conseguir ganhar da inflação neste ano —a previsão para o IPCA está em quase 3,45%, mas alguns analistas dizem que poderá subir mais caso o setor de serviços se recupere na esteira da vacinação, e a do IGP-M é de quase 5%–, será preciso diversific­ar.

“Mais do que nunca é preciso se planejar e tomar nota das despesas e das receitas”, diz Jayme Carvalho, conselheir­o da Planejar.

O ideal é que o investidor reorganize seus investimen­tos, recalibran­do as posições, a cada ano. Ou antes, em caso de mudança brusca no cenário macroeconô­mico ou nas finanças pessoais.

Primeiro, é preciso lembrar da reserva de emergência para gastos fixos como aluguel e conta de luz alocados em um produto de renda fixa com liquidez diária (que pode ser sacado a qualquer momento). Carvalho cita o Tesouro Selic e produtos atrelados ao CDI.

Ele recomenda que se reserve para emergência o equivalent­e a gastos de 6 meses (para quem tem maior previsibil­idade, como aposentado­s e servidores públicos) a 18 meses (para autônomos, por exemplo).

“É importante manter apenas a parcela necessária porque nele você perde dinheiro com o juro real negativo”, diz.

O próximo passo é fazer o dinheiro render mais que a alta dos preços. Títulos atrelados à inflação, como o Tesouro IPCA, são tidos como indispensá­veis pelos especialis­tas. O mercado também tem fundos e títulos de dívida com rendimento­s atrelados ao IPCA ou IGP-M.

Outras opções são fundos imobiliári­os (FIIs) e CRIs (certificad­os de recebíveis imobiliári­os), que têm renda variável. A depender do ativo, a rentabilid­ade pode estar ligada a recebiment­o de aluguéis e aumentar em caso de reajuste.

Comprar dólar é uma saída contra a inflação, já que a moeda tem grande impacto no IGP-M —e, consequent­emente, no IPCA. Mas é preciso lembrar que moedas estão sujeitas avariações diárias e podem tanto ter ganhos ou perdas em poucos dias.

“No momento atual da economia, apessoa precisa ter uma parcela do investimen­to em ativos que se comportam de forma diferente que Bolsa e renda fixa e trazem proteção para a carteira, como o dólar e o ouro”, diz Carvalho.

Uma recomendaç­ão importante é diversific­ar o portfólio. Isso vale tanto para uma carteira composta por diferentes aplicações, como em rendas fixa e variável, quanto para uma variação de ativos dentro de uma mesma categoria —ações de diferentes companhias, por exemplo.

Segundo Carvalho, a melhor maneira de um investidor não profission­al diversific­ar e ampliar ganhos é por meio de carteiras recomendad­as de bancos ou corretoras ou investir por meio de fundos.

“É difícil responder as questões ‘comprar quanto?’, ‘Subiu o que eu faço?’, ‘Caiu, o que eu faço?’ Não existe receita, a receita é móvel e as carteiras precisam ser constantem­ente recalibrad­as”, disse.

As instituiçõ­es montam uma carteira recomendad­a hipotética acada semana ou mê se a compartilh­am com seus clientes. Já os fundos são administra­dos por gestoras que removem ecolocam ativos em sua composição frequentem­ente de modo a aumentara rentabilid­ade e evitar perdas.

Para quem tem sangue frio e planeja proteger o patrimônio na Bolsa de Valores, analistas sugerem ações ligadas a serviços cujos reajustes estão atrelados à inflação, como de empresas de planos de saúde, concession­árias de água e luz e produtoras de alimentos.

Especialis­tas também recomendam papéis que tendem ase valorizar em uma provável retomada das atividades com o avanço das vacinas e a eventual redução nos casos de Covid-19.

Gustavo Bertotti, economista-chefe da Messem Investimen­tos, cita as companhias aéreas, as de varejo com lojas físicas e empresas de turismo. Ele também vê boas oportunida­des nas ações de Bradesco e Banco do Brasil, que ainda não recuperara­m o preço que tinham antes da pandemia provocar uma brusca queda da Bolsa, no início de 2020.

Bertotti lembra que bancos fazem pagamentos regulares de dividendos —a distribuiç­ão de lucros deve ser levada em conta pelo investidor na hora de escolher um papel.

Como é comum no mercado financeiro, a opção por bancos não é unânime. “Eles têm menos espaço para crescer, pelo momento econômico e pela crescente concorrênc­ia”, diz Rodrigo Marcatti, presidente da Veedha Investimen­tos.

Analistas recomendam uma análise dos fundamento­s da empresa, observando resultados, governança, concorrênc­ia e o cenário macroeconô­mico para verificar se o preço da ação condiz com o que ela pode entregar e se há chances de alta —ou risco de queda.

Um dos mecanismos mais usado sé a relação preço/ lucro, que mostra quantos anos seriam necessário­s para o investimen­to se pagar pela distribuiç­ão anual de lucros da empresa, via dividendos, bônus ou juro sobre capital próprio. O cálculo divide o preço do papel pelo lucro projetado pelo mercado (P/L). Quanto menor o P/L, mais barata a ação.

Na mesma lógica, se calcula o P/VP, o preço da ação dividido pelo valor patrimonia­l por papel. Ele indica o quanto o investidor ganharia caso o patrimônio líquido da empresa fosse distribuíd­o entre acionistas, como em casos de falência. Quanto menor o P/ VP, mais barato a ação.

Mesmo assim, o investidor está sujeito a oscilações. “A volatilida­de é grande, ainda mais com tudo o que está acontecend­o. A questão fiscal e atraso de reformas pesam”, diz Bertotti.

Coma piorano número de casos de coronavíru­s, o presidente Jair Bolsonaro tem perdido popularida­de, alimentand­o o temor de eventual aumento de gastos. Ao mesmo tempo, cresce apressão pela volta do auxílio emergencia­l —a criação de mais despesas pode ameaçar o teto de gastos.

Para Marcatti, apesar do cenário, o investidor de vete rações para elevara rentabilid­ade da carteira a médio elongo prazos, tendo em vista o baixo retorno da renda fixa coma Se lic perdendo para a inflação.

“Não importa o que vai acontecer no próximo mês, se vai ter vacina ou não e se o dólar sobe ou não”, diz.

Ele recomenda papéis ligados a matérias-primas, que estão em alta, e a tecnologia. Para isso, recomenda investir fora do Brasil.

É possível fazer isso via fundos ou aplicando em em ações listadas em outros países — como Tesla, Mercado Livre e Apple, as mais negociadas pelo investidor brasileiro em 2020— por meio de BDRs (recibos depositári­os de ações, na sigla em inglês). É preciso lembrar do dólar. Se a moeda e a ação subirem o ganho é maior, mas se caírem as perdas também serão mais fortes.

Especialis­tas veem preocupaçõ­es em ações da Bolsa de tecnologia Nasdaq, que subiu 97,4% desde a mínima em março. Com a forte valorizaçã­o, os ativos podem estar a preços descolados da realidade.

“A Tesla está muito valorizada. O investidor tem que pesquisar e escolher a dedo que papel comprar”, diz Bertotti.

As critptomed­as voltaram a chamar a atenção após quase quadruplic­arem de valor em 2020. Marcatti recomenda manter um percentual baixo da carteira em moedas digitais, em torno de 1% a 3%.

“Tem que tomar cuidado, é um ativo com uma volatilida­de absurda, perto de 80%”, diz.

O bitcoin chegou ao recorde de US$ 40.858,59 (R$ 223.782) em 9 de janeiro. Na sexta-feira (22), já havia recuado mais de 18%, para US$ 33.322. Segundo analistas, relatório da BitMEX Research sugerindo que parte de um bitcoin pode ter sido gasta duas vezes teria desencadea­do a desvaloriz­ação.

Para Marcatti, por segurança, o ideal é investir em moedas digitais por um fundo regulado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s).

É importante destacar que qualquer investimen­to deve ser encarado como de médio a longo prazo. Investimen­tos com retornos de curto prazo podem ser muito arriscados e levar a prejuízos.

 ??  ?? *Levantamen­to feito pelo Yubb **Evolução de preços entre o dia 11 do mês anterior e o dia 10 do mês atual. O índice é formado por preços por atacado, ao consumidor e da construção Fontes: Bloomberg, CMA, Economatic­a e Yubb
*Levantamen­to feito pelo Yubb **Evolução de preços entre o dia 11 do mês anterior e o dia 10 do mês atual. O índice é formado por preços por atacado, ao consumidor e da construção Fontes: Bloomberg, CMA, Economatic­a e Yubb

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