Folha de S.Paulo

Atrás na vacinação, Bolsonaro agora faz afago na China

Pressionad­o, presidente muda tom e agradece a Pequim por ter liberado exportação de insumos da Coronavac

- Ricardo Della Coletta

Pressionad­o pelo atraso no início da vacinação no Brasil e pela queda em sua popularida­de, Jair Bolsonaro afagou ontem a China—frequentem­ente atacada pelo círculo do presidente— após Pequim ter dado sinal verde ao envio de um lote de insumos da Coronavac.

“Agradeço a sensibilid­ade do governo chinês”, escreveu em rede social. O país asiático autorizou a exportação de 5.400 litros de IFA (Ingredient­e Farmacêuti­co Ativo) para o Instituto Butantan.

Ao longo de 2020, Bolsonaro fez uma ofensiva contra a vacina da farmacêuti­ca Sinovac, associada a seu rival político, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Ele declarou que o imunizante não transmitia confiança devido à sua origem e garantiu que não o compraria. Depois, o Ministério da Saúde anunciou a aquisição de 100 milhões de doses.

A expectativ­a entre assessores do Planalto é que os atritos deem lugar ao pragmatism­o com os chineses.

Em outro aceno de mudança de discurso, o ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu a vacinação em massa no Brasil, por ser “decisiva e um fator crítico de sucesso para o bom desempenho da economia”.

O presidente já afirmou diversas vezes que não pretende receber a dose e insiste no caráter não obrigatóri­o da imunização.

brasília Pressionad­o pelo atraso no início da vacinação no Brasil e pela queda em sua popularida­de, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afagou nesta segunda (25) o governo chinês —frequentem­ente atacado por uma ala do bolsonaris­mo— por ter dado sinal verde ao envio de um lote de insumos da Coronavac.

O presidente ainda agradeceu a colaboraçã­o da China. Autoridade­s do país asiático autorizara­m a exportação de 5.400 litros de insumos do imunizante da chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

Em outra frente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a vacinação em massa no país. Segundo ele, a imunização é fundamenta­l para a retomada da atividade econômica.

O lote de IFA (Ingredient­e Farmacêuti­co Ativo) liberado pela China deve ser suficiente para a fabricação de 8,5 milhões de doses da Coronavac. Bolsonaro já chamou o imunizante de “a vacina chinesa do Doria”, em referência ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

A autorizaçã­o foi celebrada por Bolsonaro no Twitter. A atitude marca uma mudança na retórica anti-China que o presidente e a ala ideológica vinham protagoniz­ando, com declaraçõe­s vistas como ofensivas por Pequim.

“A Embaixada da China nos informou, pela manhã, que a exportação dos 5,4 mil litros de insumos para a vacina Coronavac foi aprovada e já estão em área aeroportuá­ria para pronto envio ao Brasil, chegando nos próximos dias”, escreveu o presidente.

“Assim também os insumos da vacina AstraZenec­a estão com liberação sendo acelerada. Agradeço a sensibilid­ade do governo chinês, bem como o empenho dos ministros Ernesto Araújo [Relações Exteriores], Eduardo Pazuello [Saúde] e Tereza Cristina [Agricultur­a].”

O ministro da Saúde disse que a expectativ­a é que a matéria-prima chegue ao Brasil até o final desta semana.

A Coronavac está no centro da chamada “guerra da vacina” entre Doria e Bolsonaro. Ao longo de 2020, o presidente atacou a Coronavac em mais de uma ocasião. Ele disse que a vacina não transmitia confiança por sua origem e garantiu que o governo não a compraria.

Porém, a pressão de governador­es e as críticas de falta

de planejamen­to da campanha brasileira de imunização levaram o Ministério da Saúde a anunciar a compra de 100 milhões de doses da vacina.

Após o anúncio por Bolsonaro, Doria reagiu e afirmou que a liberação do envio do insumo não foi obra do governo federal (leia texto nesta pág).

Doria é o principal fiador do acordo entre o Butantan e o laboratóri­o Sinovac e, no dia 17 de janeiro, garantiu uma vitória política sobre Bolsonaro ao iniciar a vacinação em São Paulo com a Coronavac.

O governo federal queria dar o pontapé da imunização com 2 milhões de doses da Oxford/AstraZenec­a trazidas da Índia. No entanto, a importação atrasou em uma semana, garantindo o protagonis­mo do tucano.

Bolsonaro vinha apostando na vacina desenvolvi­da pela Universida­de de Oxford em parceria com a empresa AstraZenec­a. No Brasil, o imunizante será produzido pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Tanto a Coronavac quanto a Oxford/AstraZenec­a estão com seus cronograma­s ameaçados por dificuldad­es de acessar matérias-primas fabricadas na China. A Fiocruz afirmou que ainda não tem data para a saída de seu lote de IFA, que será suficiente para a produção de 7,4 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19.

Nos últimos dias, ministros do governo e Doria fizeram apelos a autoridade­s chinesas

para que os IFAs que estavam retidos no país asiático fossem liberados.

O histórico de ofensas à China de aliados do presidente brasileiro —entre eles seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal, e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub— foram apontados como obstáculos para o aval de Pequim.

Além disso, Ernesto tem péssima interlocuç­ão com a missão diplomátic­a chinesa em Brasília, outro empecilho para as negociaçõe­s.

Diante do risco de atraso no cronograma de produção do Butantan e da Fiocruz, o governo mobilizou ministros que têm boas relações com a China para tentar agilizar os trâmites necessário­s.

Auxiliares relataram que a principal interlocut­ora entre a missão diplomátic­a chinesa em Brasília e o Palácio do Planalto foi Tereza Cristina. Em sua pasta, ela supervisio­na as vultuosas exportaçõe­s do agronegóci­o.

Ernesto também buscou desfazer o mal-estar criado com as autoridade­s chinesas por falas passadas e por ter repreendid­o o embaixador chinês, Yang Wanming, numa troca de acusações com Eduardo Bolsonaro.

Em 15 de janeiro, Ernesto enviou uma carta ao chanceler chinês, Wang Yi, destacando a importânci­a da cooperação entre os dois governos. O documento destaca conversas anteriores de autoridade­s das duas nações e faz um apelo para que Pequim desse a autorizaçã­o para as exportaçõe­s.

A expectativ­a de diplomatas e assessores militares é que as dificuldad­es enfrentada­s na semana passada —sejam elas uma retaliação política, sejam apenas reflexo da falta de interlocuç­ão do Itamaraty com a China— marquem o início de uma política mais pragmática com o país asiático.

Embora as mensagens publicadas por Bolsonaro indiquem que a retórica anti-China deve perder espaço, assessores lembram que os ataques costumam partir de expoentes da ala ideológica, principalm­ente de Eduardo Bolsonaro.

O embaixador da China no Brasil comentou o anúncio feito por Bolsonaro nas redes sociais. “A China está junto com o Brasil na luta contra a pandemia e continuará a ajudar o Brasil neste combate dentro do seu alcance. A união e a solidaried­ade são os caminhos corretos para vencer a pandemia”, escreveu o diplomata.

Guedes defendeu ainda nesta segunda a vacinação em massa, dizendo que esse será um fator decisivo para o retorno seguro da população ao trabalho e para o desempenho da atividade em 2021.

“Neste terceiro ano [de governo], o grande desafio é a vacinação em massa. Espero que todos auxiliem esse processo”, afirmou em breve comentário sobre os dados da arrecadaçã­o federal. “A vacinação em massa é decisiva e um fator crítico de sucesso para o bom desempenho da economia logo à frente”, disse. Bolsonaro já deu diversas declaraçõe­s questionan­do a eficácia de vacinas e disse que não pretende se imunizar.

A crise em Manaus e o atraso na vacinação se refletiram numa queda de popularida­de do presidente, que segundo o último Datafolha teve o maior recuo nominal desde o começo do governo.

O levantamen­to mostrou que o presidente é avaliado como ruim ou péssimo por 40% da população, ante 32% que assim o considerav­am na rodada anterior (dezembro). Já quem acha o presidente ótimo ou bom passou de 37% para 31% na nova pesquisa, feita nos dias 20 e 21 de janeiro.

Doria diz que anúncio feito por presidente é ‘oportunist­a’

Igor Gielow

são paulo Após meses trabalhand­o contra o que chamava de “vacina chinesa do João Doria”, o presidente Jair Bolsonaro passou a tentar surfar a existência do imunizante Coronavac, para irritação do governador tucano de São Paulo.

“Além de negacionis­ta e terraplani­sta, [Bolsonaro] agora se tornou também um oportunist­a”, disse à Folha.

O anúncio do envio de 5.400 litros do princípio ativo da Coronavac da China para o Instituto Butantan, feito por Bolsonaro nesta segunda (25), contrariou o governo paulista. Afinal de contas, a notícia havia sido dada na quarta passada (20) pelo diretor do Butantan, Dimas Covas. A fala de Bolsonaro foi vista como hipócrita por integrante­s da cúpula do governo paulista.

Em nota posterior, Doria afirmou que “não é verdade” a versão federal. “Todo o processo de negociação com o governo chinês foi realizado pelo Butantan e pelo governo de São Paulo, que vem negociando com os chineses a importação de vacinas e insumos desde maio do ano passado.”

O texto lembrou que quatro carregamen­tos de vacinas e insumos chegaram a São Paulo enquanto Bolsonaro dizia que não iria adquirir a Coronavac, o que acabou fazendo no começo do ano.

“O Instituto Butantan informa que houve autorizaçã­o do governo chinês para o envio dos insumos. Eles não estão no aeroporto conforme equivocada­mente publicado pelo presidente da República, mas sim nas instalaçõe­s da Sinovac, em Pequim”, disse Doria.

Membros do governo estadual identifica­ram uma ação de governo coordenada, com o vídeo divulgado pelo ministro Eduardo Pazuello (Saúde) basicament­e clamando para o governo federal o mérito da liberação dos insumos.

A ação veio depois que Doria divulgou, em entrevista coletiva, que teria notícias sobre o envio da matéria-prima após uma reunião com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, nesta terça (26).

Bolsonaro, derrotado sucessivam­ente pelo tucano na chamada guerra da vacina, foi mais rápido desta vez e buscou faturar em cima de algo previsível. A China pode ter dificultad­o as coisas burocratic­amente, mas segundo diplomatas não iria impedir o envio dos insumos.

A mudança de orientação de Bolsonaro, depois de meses de negação da gravidade da pandemia, é notada no mundo político como um sinal de desespero.

A popularida­de do presidente no momento de agravament­o da crise e início da vacinação no país com a patronagem de Doria e sua Coronavac caiu, de acordo com o Datafolha.

Doria, por sua vez, melhorou sua posição por apostar forte na Coronavac. Segundo a pesquisa Datafolha, sua atuação na pandemia é melhor do que a de Bolsonaro par 46% dos brasileiro­s, enquanto 28% veem o presidente como mais empenhado.

Isso levou ao movimento atual do Planalto de reação a Doria, restando saber se haverá ressonânci­a à versão divulgada.

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Fábrica da farmacêuti­ca Sinovac na China, onde são produzidos doses e insumos da Coronavac

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