Folha de S.Paulo

Boa esperança, o Índice de Equilíbrio Racial

Métrica tem potencial para tornar-se relevante medida na promoção da equidade racial

- Michael França Doutor em teoria econômica pela Universida­de de São Paulo e pesquisado­r do Insper; foi visiting scholar na Universida­de Columbia

Em experiment­o realizado nos Estados Unidos, Bertrand e Mullainath­an constatara­m que uma simples mudança no nome do candidato no currículo afetava a chance de receber ligações de retorno para entrevista­s de emprego.

Os currículos com nomes habitualme­nte usados por pessoas brancas receberam 50% mais ligações do que os demais no estudo (“Are Emily and Greg More Employable Than Lakisha and Jamal? A Field Experiment on Labor Market Discrimina­tion”, 2004).

Além das tradiciona­is formas de discrimina­ção no mercado de trabalho, a população negra enfrenta outras barreiras. Uma delas se refere a discrimina­ção sem intenção.

No ano passado, Small e Pager, da Universida­de Harvard, chamaram a atenção dos economista­s para esse fato em um artigo na American Economic Review (“Sociologic­al Perspectiv­es on Racial Discrimina­tion”, 2020).

Um exemplo de discrimina­ção sem intenção ocorre com o processo de indicação de vagas de trabalho. Na ausência de maior convivênci­a entre as classes sociais, esse processo de contrataçã­o tende a favorecer os descendent­es de famílias de alta renda.

Deve-se lembrar que o Brasil é um país relativame­nte segregado. Para muitas famílias, a única experiênci­a de socializaç­ão com pessoas de baixa renda ocorre por meio da interação com empregadas domésticas.

Por sua vez, essa relação costuma apresentar abusos de poder, caracterís­tica saliente da nossa sociedade.

Nesse contexto, em um país em que a raça não tivesse tido efeitos na estruturaç­ão socioeconô­mica, deveríamos esperar que existisse certo equilíbrio racial em todas as organizaçõ­es.

Entretanto, embora isso ainda seja algo distante do Brasil, existem meios pelos quais, através de um debate construtiv­o e de ações coletivas, podemos transforma­r essa realidade.

Uma forma é por meio da avaliação e do monitorame­nto do desequilíb­rio racial no mercado de trabalho formal ao longo do tempo.

Com isso, é possível revelar aquelas empresas, setores, cidades e estados que não tiveram avanço na promoção da equidade racial em anos recentes e, assim, procurar entender os motivos e propor soluções.

Além disso, a revelação daqueles lugares que tiveram consideráv­eis avanços nessa agenda ajudará na identifica­ção das melhores práticas de atuação. Adicionalm­ente, a comparação do desempenho entre organizaçõ­es e regiões poderá gerar incentivos para a promoção da equidade racial.

Em um trabalho recente, eu e os pesquisado­res Sergio Firpo e Lucas Rodrigues propusemos o Índice de Equilíbrio Racial (IER).

Esse índice mede o quanto a distribuiç­ão racial dentro de uma organizaçã­o ou região está distante da realidade da população do seu entorno (“Índice de equilíbrio racial: uma proposta de mensuração da desigualda­de racial entre e dentro das categorias ocupaciona­is”, 2020).

O IER pode apresentar valor negativo, indicando uma sobrerrepr­esentação de brancos, ou positivo, apontando uma sobrerrepr­esentação de negros. Em uma sociedade equânime, o IER seria próximo de zero.

Desse modo, esse índice representa uma ferramenta que fornecerá para a sociedade mais transparên­cia da evolução do desequilíb­rio racial.

De forma semelhante ao que ocorre com o Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica), essa métrica tem potencial para tornar-se relevante medida usada no desenvolvi­mento de iniciativa­s e de políticas públicas voltadas para a promoção da equidade racial.

Um novo Brasil é possível. Existem boas esperanças para isso.

O título representa uma referência à música “Boa Esperança”, de Emicida, que chama a atenção para a possibilid­ade de elevação na tensão social.

O clipe da música narra a revolta de um grupo de empregadas devido às condições de trabalho (documentár­io do clipe). Além disso, como filho de uma doméstica, não podia deixar de fazer uma homenagem à minha mãe, Zilá França.

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