DEM racha, dá força a bloco de Lira e irrita Maia
Presidente da Câmara, que apoia Baleia, afirma que sua própria sigla pode se tornar ‘partido da boquinha’
O racha no DEM, partido do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), expôs uma crise na candidatura do seu apadrinhado, Baleia Rossi (MDBSP), ao comando da Casa.
Em uma reunião fechada ocorrida ontem, Maia manifestou insatisfação com o presidente nacional da sigla, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, diante da dificuldade interna de se unir em torno de Baleia.
Parlamentares da legenda na Bahia já declararam publicamente apoio a Arthur Lira (PP-AL), líder do centrão que conta com o endosso de Jair Bolsonaro e se tornou o favorito na disputa. A eleição ocorrerá na próxima segunda-feira (1º).
Maia chegou a dizer que o DEM corre o risco de ganhar um apelido dado ao PT no passado, o de “partido da boquinha”, caso venha a se render a cargos e emendas ao Orçamento oferecidos pelo governo Bolsonaro.
Ele afirmou, porém, não se tratar de uma crítica a ACM Neto, que teria lhe dado a garantia de aval a Baleia. O ex-prefeito declarou que não comentaria.
O DEM tem 29 dos 513 deputados. Para vencer o pleito, que é secreto, é preciso de mais da metade dos votos dos presentes. Pelas projeções, o bloco de Lira soma 259 congressistas, e o de Baleia, 238 —a contagem, porém, não considera dissidências.
“Eu não vou debater pela imprensa, nem com quem pensa de uma forma ou de outra. Não vou ficar alimentando questões internas de divisões de opiniões pela imprensa. Isso tem de ser tratado internamente com quem de direito, que são os parlamentares ACM Neto ex-prefeito de Salvador e presidente do DEM
BRASÍLIA O racha no DEM, partido do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), expôs uma crise na candidatura do seu apadrinhado, Baleia Rossi (MDB-SP), ao comando da Casa. Enquanto isso, seu principal rival, o líder do centrão, Arthur Lira (PPAL), amplia sua base de apoio com dissidências.
Em uma reunião fechada nesta terça-feira (26), Maia manifestou insatisfação com o presidente nacional do DEM, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, em um reflexo da dificuldade interna da legenda de se unir em torno de Baleia.
Ele chegou a dizer que o DEM corre o risco de ganhar apelido dado ao PT no passado, o de “partido da boquinha”.
A reunião ocorreu pela manhã, no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, e teve a presença do prefeito Eduardo Paes (DEM) e de deputados federais de vários partidos, da esquerda e da direita.
Rodrigo Maia tenta emplacar Baleia como seu sucessor, mas enfrenta o favoritismo, até agora, de Lira, candidato chancelado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que vem conseguindo apoio público inclusive de deputados federais do DEM.
A eleição para a renovação do comando da Câmara ocorrerá na próxima segundafeira (1º), às 22h.
De acordo com relatos obtidos pela Folha, Maia demonstrou em sua fala na reunião insatisfação por ACM Neto não ter usado sua influência para impedir as manifestações públicas de apoio a Arthur Lira por parte de integrantes do DEM da Bahia.
Na segunda-feira (25), Lira foi a Salvador e se reuniu com ACM Neto e com um grupo de deputados do estado, entre eles cinco do DEM.
O presidente da Câmara disse aos parlamentares que telefonou para ACM Neto e afirmou que, se o partido se render a cargos e emendas ao orçamento oferecidos pelo governo Bolsonaro e por Lira, pode virar o “partido da boquinha”.
Maia confirmou à Folha ter usado a expressão, mas disse que ela não foi uma crítica a ACM Neto.
“O que eu disse é que já tinha gente preocupada que o partido tivesse passando uma imagem de que estava negociando cargo e emenda por voto. Um amigo meu, que é admirador do DEM, falou isso. E eu alertei isso ao presidente do partido. E o Neto me garantiu que o partido vai ficar com o Baleia. E que vamos garantir o [apoio ao] bloco [de Baleia Rossi] e, depois do bloco, vamos garantir os votos do partido, mais de dois terços dos votos”, disse Maia.
A expressão foi usada em 1999 pelo então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (à época no PDT), que disse que o ex-aliado PT deveria mudar de nome no Rio, para PB (Partido da Boquinha). “Eles têm mais de 200 cargos no meu governo e estão querendo mais.”
ACM Neto afirmou que não iria responder as declarações do colega de partido.
“Eu não vou debater pela imprensa, nem com quem pensa de uma forma ou de outra. Não vou ficar alimentando questões internas de divisões de opiniões pela imprensa. Isso tem de ser tratado internamente com quem de direito, que são os parlamentares”, disse o ex-prefeito de Salvador.
Por ora o DEM está formalmente no bloco de partidos que são apoio a Baleia Rossi, mas Arthur Lira tenta ampliar as dissidências.
A ideia dos parlamentares infiéis é registrar no dia da eleição uma lista com a assinatura da maioria dos integrantes da bancada em apoio ao candidato do presidente Jair Bolsonaro.
Um dos principais líderes da rebelião interna pró-Lira é o deputado Elmar Nascimento (BA), que tem um indicado seu na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e que foi preterido por Maia na escolha do candidato à sua sucessão.
Pelos cálculos do bloco de Lira, devem votar no deputado do PP parlamentares como Arthur Maia (BA), Carlos Gaguim (TO), Luiz Miranda (DF) e Paulo Azi (BA). Segundo deputados do partido, caso ocorra a migração, foi sinalizado à legenda um posto na Mesa Diretora.
“O doutor Rodrigo Maia deveria ter mais respeito pelas pessoas que têm posição diferente das dele. Porque se ele está se referindo a ‘boquinha’ como cargo no governo, quero saber se foi boquinha quando ele indicou o sr. Rodrigo Sergio Dias no governo Bolsonaro”, afirmou Arthur Maia, se referindo a um aliado do presidente da Câmara indicado para o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), mas que acabou exonerado pelo então ministro da Educação, Abraham Weintraub, em janeiro de 2020.
“O doutor Rodrigo Maia deveria ter mais respeito pelas pessoas que têm posição diferente das dele Arthur Maia deputado do DEM-BA que deve votar em Arthur Lira
“Nós estamos esperando que o partido tome a decisão orgânica de entender que eles [grupo de Maia] não possuem dois terços. Quem possui é o grupo que vai votar no Arthur Lira”, afirmou à Folha Luiz Miranda (DEM-DF).
Segundo ele, ACM Neto tem afirmado que não vai interferir na disputa.
“Em nenhum momento ele [ACM Neto] pediu para eu votar, por exemplo, no Baleia. Nunca. Ele deixou eu fazer o meu papel.”
O DEM tem 29 dos 513 deputados. Para vencer a eleição, que é secreta, é preciso de mais da metade dos votos dos presentes.
O grupo oficial de apoio a Baleia é formado por 11 partidos, que somam 238 deputados. Lira tem apoio formal de 11 siglas, que somam 259 parlamentares. O voto secreto abre espaço para traições.
Maia afirmou na reunião na Prefeitura do Rio que o expresidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), cassado em 2016 e hoje em prisão domiciliar, atua em favor da candidatura de Lira.
Maia foi aliado de Cunha até 2016, mas se afastou após ser preterido na indicação para líder do governo. Lira também foi aliado próximo de Cunha quando este comandou a Câmara.
De acordo com a avaliação feita por Maia aos parlamentares, o apoio majoritário da esquerda está garantido ao emedebista. O problema, disse, está no próprio DEM e no PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Como mostrou o Painel, FHC disse em mensagem ao grupo de WhatsApp da bancada que trair a decisão da legenda e votar em Lira é dar adeus às expectativas de ganhar a eleição presidencial de 2022. Em sua análise, ninguém confiaria mais na palavra dos tucanos. O PSDB tem 33 deputados.
Nos bastidores, ACM Neto e seus aliados mais próximos têm dito que não interferiram explicitamente para barrar o anúncio público de traições no partido com o objetivo de não prejudicar a candidatura à presidência do Senado de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem o apoio do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e de Bolsonaro.
Segundo essa tese, o governo e o PP poderiam retaliar Pacheco caso houvesse interferência de ACM.
Por outro lado, integrantes da campanha de Baleia ainda apostam que ACM entrará em campo na reta final para ao menos garantir que o partido fique formalmente no bloco do emedebista.
Para isso ocorrer, porém, o ideal seria que o MDB do Senado abrisse mão da candidatura de Simone Tebet (MDB-MS). Se fizesse isso, Pacheco não precisaria mais do apoio do PP, e os dirigentes do DEM teriam mais liberdade para influenciar a bancada na Câmara.
Parlamentares apontam uma série de fatores para explicar o racha no partido de Rodrigo Maia e ACM.
O primeiro é o fato de Alcolumbre creditar a Maia o fracasso na tentativa de obter aval jurídico para sua reeleição ao comando do Senado.
No terceiro mandato consecutivo, enquanto Alcolumbre está no primeiro, Maia teria flertado com a possibilidade de ser reconduzido mais uma vez. A essa postura é atribuída parte da derrota dele e de Alcolumbre no Supremo Tribunal Federal, que barrou a hipótese de eles buscarem a reeleição.
Alcolumbre não fala com Maia desde dezembro.
Pesa ainda o fato de parlamentares terem cargos no governo e o Planalto ameaçar retaliação, exonerando seus indicados. Segundo cálculos do governo, o DEM tem hoje ao menos 16 indicados em postos federais.
“Espero ter a maioria do DEM e mais alguns partidos que não compõem ainda o nosso bloco”, disse Lira nesta terça-feira. Além do DEM, ele busca o Solidariedade.
A disputa na Câmara movimenta intensamente a política, pois o resultado moldará de forma expressiva o cenário político futuro.
Além de definir qual é a pauta de votações, o presidente da Câmara é o segundo na linha sucessória da Presidência e, entre seus poderes, tem nas mãos a responsabilidade de definir monocraticamente se dá ou não sequência a um pedido de impeachment contra o chefe do Executivo — há, hoje, 56 peças aguardando análise.
Maia irá encerrar um período de quatro anos e meio como presidente da Câmara, tendo derrotado o centrão em duas das três eleições de que participou. Na última, em 2019, ele teve o apoio do grupo.
Atualmente, o deputado adotado uma linha de forte oposição a Bolsonaro. Caso Lira vença, o presidente da República terá, pelo menos no início, um aliado no comando da Câmara.