Folha de S.Paulo

Pacto com o diabo

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Um ideólogo em busca de um argumento não hesita nem em fazer pacto com o diabo. Durante décadas, a direita “laissez-faire” apontava a Suécia como uma espécie de capeta estatizado. O país, afinal, era o paradigma das social-democracia­s europeias, caracteriz­adas por governos grandes, por vezes intrusivos, altas cargas tributária­s e generosos programas sociais cheios de regulações.

Depois da Covid-19, tudo mudou. A Suécia, muito por causa da influência e do prestígio de seu epidemiolo­gista-chefe, Anders Tegnell, decidiu tomar um caminho diferente do da maioria dos vizinhos. Não determinou nenhum isolamento obrigatóri­o, e quase todas as atividades foram mantidas. Apenas recomendou que todos fossem responsáve­is.

Foi o que bastou para que essa direita que flerta com o negacionis­mo esquecesse as críticas e abraçasse a Suécia como a nova terra dos livres, onde ninguém precisa usar máscaras e todos podem se aglomerar.

É claro que nenhuma dessas visões caricatura­is retratava bem os suecos, que nunca se enxergaram nem como criptocomu­nistas nem como homens da terra de Marlboro. Eles apoiaram a estratégia de Tegnell enquanto acreditava­m que ela funcionava, mas, sensíveis às evidências, não se recusaram a modificá-la quando confrontad­os com a segunda onda.

Os suecos ainda mantêm uma posição relaxada na comparação com outros países, mas aprovaram mudanças na lei que agora permite punições a negócios e pessoas que não seguirem as instruções do governo. A máscara passa a ser obrigatóri­a, em algumas situações.

E o que as evidências dizem sobre a estratégia sueca? Com 101 mortes por cem mil habitantes, o país se saiu melhor do que outras nações europeias como o Reino Unido (135) ou a Espanha (115), mas bem pior do que outros nórdicos como a Dinamarca (31), a Finlândia (11) e a Noruega (10). O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológica­s.

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