Folha de S.Paulo

Sociedade ilimitada

- Bruno Boghossian

brasília Em momentos críticos, Jair Bolsonaro tenta se agarrar aos militares para sobreviver. Quando o Supremo estava em seu encalço, em abril do ano passado, o presidente protagoniz­ou uma manifestaç­ão golpista na porta do quartel-general do Exército. Agora, acuado pela crise do coronavíru­s, ele busca refúgio mais uma vez nas Forças Armadas.

Na segunda (18), Bolsonaro quis desviar o foco de seus fracassos na pandemia com a conhecida pregação de que homens de farda decidem se um povo viverá numa ditadura. “Nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo”, disse. Dias depois, ele apresentou a Aeronáutic­a como parceira no fornecimen­to de oxigênio para uma Manaus asfixiada pela negligênci­a oficial.

Em busca de proteção, Bolsonaro transformo­u os militares em sócios paritários do desastre nacional ao mandar Eduardo Pazuello para a cadeira de ministro da Saúde. A abertura de uma investigaç­ão no STF sobre a omissão do general na pandemia torna esse vínculo irreversív­el.

Pazuello seguiu as ordens mais delinquent­es do presidente da República —da recomendaç­ão do uso de remédios ineficazes até a sabotagem à vacinação. O general se recusou a migrar para a reserva, seguiu a doutrina militar e respeitou a hierarquia ao cumprir as determinaç­ões do chefe. Os delitos da dupla, portanto, são coincident­es.

A configuraç­ão pode até atormentar integrante­s graduados das Forças Armadas, mas favorece Bolsonaro. Se forem levados para o banco dos réus, os militares passarão a trabalhar numa defesa conjunta com o presidente. Na prática, eles ainda recebem um estímulo extra para garantir que o governo fique de pé.

Esse elemento entraria na conta das pressões pelo impeachmen­t de Bolsonaro por sua conduta na pandemia. Dado que o beneficiár­io imediato da queda do presidente é um general da reserva, o espírito de corpo tende a desestimul­ar movimentos do vice para assumir o posto. Se esse cálculo prevalecer, os sócios devem permanecer juntos até o fim.

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