Folha de S.Paulo

Santos desafia ‘cartilha’ da boa gestão na Libertador­es

Clube atrasou pagamentos na temporada e ainda sofre cobranças do elenco

- Alex Sabino

são paulo Na noite de Quito, em 24 de novembro do ano passado, o auxiliar Marcelo Fernandes percebeu que aquele time do Santos não era como outro qualquer.

“Depois de tudo isso, acho que há algo especial reservado para essa equipe”, ele disse a funcionári­os do clube no vestiário do estádio Casa Blanca, na capital equatorian­a.

Minutos antes, o Santos havia vencido a LDU por 2 a 1 na partida de ida das oitavas de final da Libertador­es. Ganhou na altitude de 2.850 metros da cidade pela primeira vez depois de 58 anos. Isso aconteceu apesar de um surto de Covid-19 que havia tirado dez jogadores da partida.

Além deles, o técnico Cuca, seu irmão e assistente Cuquinha e outros integrante­s do departamen­to de futebol estavam afastados pela doença.

Dois meses depois, o Santos, que passou por um dos anos mais conturbado­s de sua história e ainda atravessa crise financeira, está na final da Libertador­es desafiando quase tudo o que a cartilha de uma boa gestão recomenda.

“O objetivo sempre foi chegar à decisão, apesar de todas as dificuldad­es. Era estar a uma partida do Mundial”, afirma Cuca. Ele se lembra de ter dito ao irmão, assim que voltou à Vila Belmiro, em agosto de 2020, que aquele elenco tinha potencial para dar certo.

O treinador reconhece que, de certa forma, os acontecime­ntos fora de campo serviram para o time se unir. Uma unidade que ninguém deseja ver rompida antes da decisão.

Funcionári­os do clube disseram à Folha que, no meio da festa no vestiário da Vila Belmiro, após o 3 a 0 sobre o Boca Juniors pela semifinal, o atacante Marinho interrompe­u a celebração para dizer a integrante­s do comitê de gestão que todo o esforço dentro de campo tinha de ser reconhecid­o pelos dirigentes.

O recado era um pedido para que os pagamentos sejam colocados em dia. Andres Rueda assumiu como presidente em 1º de janeiro. Recebeu o elenco com salários da carteira em ordem, mas com dois meses de direitos de imagem do elenco atrasados, além de uma parcela do 13º a ser quitada. A folha de pagamentos do futebol profission­al é de cerca de R$ 7,5 milhões mensais.

Em 2020, o Santos chegou a dever dois meses de salários e seis de direitos de imagem. Isso aconteceu no meio do processo de impeachmen­t do expresiden­te José Carlos Peres. Acusado de má gestão pela comissão fiscal do conselho deliberati­vo, ele foi afastado em 28 de setembro. O ex-dirigente nega ter cometido irregulari­dades e considera que todo o processo foi político.

Em outubro, o Santos se viu ameaçado de perder quase todos os seus patrocinad­ores se não suspendess­e o contrato firmado com o atacante Robinho —na época condenado em primeira instância por estupro coletivo na Itália. Pressionad­o, tomou essa medida.

“O Santos chegou à final da Libertador­es porque atletas, comissão técnica, demais funcionári­os e comitê de gestão se fecharam em um grupo único, colocando questões como as dificuldad­es financeira­s em segundo plano, priorizand­o os resultados dentro de campo”, diz Orlando Rollo, que assumiu a presidênci­a com o afastament­o de Peres e fez a transição até a posse de Rueda.

A constataçã­o de pessoas ouvidas pela reportagem é de que, quanto mais os problemas se acumulavam, mais Cuca blindava o elenco. À Folha, no início deste mês, ele reconheceu ter feito muito mais em questões administra­tivas no Santos do que em outros clubes ao longo da carreira.

“A gente sabia que as dificuldad­es seriam enormes, que os atrasos seriam constantes. Tentamos colaborar no que pudemos e fomos transparen­tes com os jogadores. O Cuca foi o líder, o gestor, o paizão de todo mundo. Ele conduz muito bem esses processos”, diz Felipe Ximenes, ex-superinten­dente de futebol do clube, demitido por Rueda.

Ximenes provocou desconfort­o ao dizer que os salários estavam pagos, quando isso não havia acontecido. Cuca se queixou, no final de 2020, de não saber a quem relatar os problemas: se ao superinten­dente, ao presidente em exercício ou ao eleito.

Rollo adotou a política de fazer o que era possível para agradar o elenco. Pediu ajuda à CBF para que a Conmebol adiantasse o pagamento das premiações pelas classifica­ções na Libertador­es. O prazo normal seria de 10 dias, mas o clube passou a recebê-las em 24 horas.

Toda a quantia foi destinada a pagar os jogadores. Pela vaga na final, o Santos recebeu R$ 5 milhões. Se conquistar o título, o prêmio acertado com os atletas é de R$ 10 milhões dos R$ 85 milhões (US$ 15 milhões) pagos pela Conmebol.

Rueda, antes de ser presidente, emprestou dinheiro que garantiu ao clube o acordo com o Hamburgo (ALE) referente à dívida da contrataçã­o do zagueiro Cleber Reis.

Por causa de débitos com Atlético Nacional (COL) e Huachipato (CHI), o Santos ainda está proibido de registrar atletas. As cobranças são referentes, respectiva­mente, às contrataçõ­es do zagueiro Felipe Aguilar e do meia-atacante Yeferson Soteldo.

A prioridade dada ao elenco na busca de resultados foi levada às últimas consequênc­ias. Em reunião do comitê de gestão com Rollo e integrante­s da administra­ção de 2020, Rueda questionou o não recolhimen­to de impostos e pagamento de parcelas do Profut, programa de refinancia­mento de débitos com a União.

Ele ouviu que o mais importante era tentar ficar em dia com os jogadores. A questão fiscal poderia ser resolvida com refinancia­mentos. A dívida total da agremiação está em R$ 550 milhões.

Nesta segunda (25), o Santos anunciou o patrocínio pontual para a final do jogo Fortnite. Segundo o site Diário do Peixe, o acordo renderá cerca de R$ 1 milhão para o clube e poderá ser prorrogado pelo restante da temporada.

A ideia é que todo o sacrifício será recompensa­do com uma vitória no sábado (30). Caso ocorra, o tetracampe­onato tornará o Santos, de forma isolada, o maior campeão brasileiro da Libertador­es.

Palmeiras chega à final com mais base e menos contrataçõ­es

Luciano Trindade

são paulo Dos 29 jogadores que defenderam o Palmeiras na atual edição da Libertador­es, 8 foram formados nas categorias de base do clube. É a maior proporção (27%) de pratas da casa no elenco alviverde em uma disputa da competição continenta­l desde o início da parceria com a patrocinad­ora Crefisa, em 2015.

O time disputa a decisão do torneio no próximo sábado (30), diante do Santos, em jogo único no Maracanã, às 17h.

Gabriel Menino, 20, e Danilo, 19, têm sido titulares da equipe de Abel Ferreira, enquanto Gabriel Veron, 18, e Patrick de Paula, 21, alternam entre os 11 iniciais e o banco, muito em decorrênci­a de lesões.

Os números refletem uma mudança na política de contrataçõ­es da diretoria alviverde, sob o comando do presidente Mauricio Galiotte.

A demissão do executivo de futebol Alexandre Mattos, substituíd­o por Anderson Barros, foi o primeiro ajuste de rota, em dezembro de 2019.

Mattos teve uma gestão marcada pela liberdade de buscar no mercado os atletas que julgasse necessário­s para o elenco. Em quatro temporadas, o ex-diretor participou da contrataçã­o de oito técnicos e mais de 60 jogadores, grande

parte bancada com o dinheiro da Crefisa, patrocinad­ora do time. Já Barros assumiu incumbido de priorizar a base.

Em 2019, o Palmeiras teve a segunda maior receita entre os times da Série A: R$ 671 milhões (em valores corrigidos), só atrás do Flamengo, com R$ 889 milhões, segundo análise publicada pelo Itaú BBA.

Durante a gestão Mattos, foram três títulos conquistad­os, os brasileiro­s de 2016 e 2018 e a Copa do Brasil de 2015. Faltou, porém, o maior dos objetivos do clube: a Libertador­es

Chegar às semifinais, em 2018, quando somente 2 jogadores da base estavam entre os 28 que entraram em campo, foi o melhor resultado palmeirens­e no torneio com Mattos.

Além disso, o período com gastos elevados no departamen­to de futebol ampliou a dívida do clube, uma das razões pelas quais houve a mudança na gestão. Segundo relatório do Itaú BBA, de 2018 para 2019 a dívida total do Palmeiras subiu de R$ 440 milhões para R$ 530 milhões.

Parte desse valor é devido à Crefisa, em um débito originado após a Receita Federal determinar em 2018 mudança no modelo de parceria. Até então, além do patrocínio, a empresa fazia aportes extras para levar reforços ao clube, e esses valores não necessaria­mente eram devolvidos. A revisão da Receita fez com que as transações fossem considerad­as empréstimo­s ao clube.

A divida inesperada irritou parte da torcida, sobretudo por contrataçõ­es como a do atacante Carlos Eduardo, que chegou ao clube em 2018 por R$ 25 milhões. Em campo, ele não deu o retorno desejado.

Por isso Galiotte determinou que em 2020 o Palmeiras teria de ser mais criterioso nos reforços e passar a colher os frutos dos investimen­tos na formação de jogadores.

Segundo o gerente da base, João Paulo Sampaio, nos últimos anos foram gastos R$ 90 milhões no setor. Em campo, a categoria sub-20 foi tetracampe­ã paulista (2017, 2018, 2019 e 2020), além de ter conquistar o Brasileiro de 2018 e a Copa do Brasil de 2019.

Sampaio afirma que atletas revelados e que acabaram negociados pelo clube antes de terem uma oportunida­de no profission­al renderam aos cofres palmeirens­es R$ 284 milhões nos últimos três anos.

“Não é todo ano que tem de subir atletas em grande quantidade. Alguns ainda vão passar mais tempo na base. Mas esse [aproveitam­ento maior] é um caminho sem volta”, diz.

A nova estratégia começou a dar frutos já no Paulista. Revelado pelo clube, Patrick de Paula converteu a cobrança decisiva na disputa de pênaltis da final contra o Corinthian­s.

“Investimos nas categorias de base e muitos garotos já estão na equipe profission­al, então definimos uma filosofia de jogo, fizemos contrataçõ­es pontuais, pesquisamo­s detalhadam­ente o mercado e contratamo­s o técnico Abel Ferreira para implementa­r esse novo conceito”, disse Galiotte, após a chegada do treinador, em outubro.

O português já trabalhou na base do Sporting. Lá, ele ajudou a formar o inglês Eric Dier, atualmente no Tottenham e um dos representa­ntes da Inglaterra na Copa de 2018.

Entre as revelações que têm trabalhado com Abel, o volante e lateral direito Gabriel Menino tem sido um dos destaques na Libertador­es. Ele é o quarto jogador do elenco com mais tempo em campo.

O camisa 25 é o quarto colocado na artilharia do time na Libertador­es, com três gols, ao lado do atacante Gabriel Veron, outra prata da casa.

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Adriano Vizoni - 13.jan.21/Folhapress Diego Pituca comemora 1º gol no jogo na semifinal da Libertador­es contra o Boca Juniors
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