Folha de S.Paulo

Rotina italiana

Em crise política agravada pela pandemia, país pode trocar de governo pela 10ª vez desde 2000

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Sobre renúncia de premiê em plena crise sanitária.

Um dos países mais acossados pela pandemia de Covid-19, a Itália se vê agora também diante de um arriscado impasse político desencadea­do pela renúncia de Giuseppe Conte do posto de primeiro-ministro.

Não que o país não esteja acostumado a desarranjo­s dessa natureza —desde 2000, contavam-se nada menos que nove mudanças de governo. Desta feita, porém, a crise sanitária adiciona consideráv­eis desafios às lideranças italianas.

Com 60 milhões de habitantes, a Itália registra mais de 85 mil mortos pela doença, números que perfazem uma das maiores taxas globais de óbitos por milhão, e precisará, em meio à tribulação institucio­nal, coordenar não só a imunização de sua população como também os toques de recolher e os esforços de recuperaçã­o econômica.

Reside na pandemia, aliás, a raiz da renúncia de Conte. Na semana passada, o ex-premiê Matteo Renzi inesperada­mente retirou do governo seu pequeno partido de centro-esquerda —e com ele o apoio da maioria do Senado.

Renzi justificou sua decisão como uma forma de protesto contra a resposta do país à Covid-19. Ele ainda acusa a administra­ção de isolar o Parlamento, centraliza­ndo as decisões sobre onde alocar os mais de € 200 bilhões em fundos de recuperaçã­o que a Itália deve receber da União Europeia.

Dentre as cartas à mesa do presidente, Sergio Mattarella, responsáve­l por organizar o processo de sucessão, a opção pela permanênci­a de Conte é a menos traumática.

Político mais popular da Itália, o premiê ainda conta com o apoio firme dos outros partidos de sua coalizão. Para se manter no cargo, porém, terá de reacomodar os interesses de Renzi ou angariar o apoio de senadores independen­tes ou do centro político.

Se Conte fracassar, Mattarella terá de apresentar um candidato alternativ­o capaz de montar uma coalizão viável. Caso também isso falhe, só restará ao presidente a solução mais complexa e explosiva: dissolver o Parlamento e antecipar as eleições, expediente que, segundo pesquisas recentes, tende a beneficiar partidos da direita radical nacionalis­ta.

Seja qual for o desfecho, a crise italiana é mais um exemplo de agruras recentes vividas por países desenvolvi­dos que adotam o regime parlamenta­rista. Também os casos de Israel, Reino Unido, Espanha e Bélgica demonstram que tal sistema nem sempre garante na prática a adaptação mais suave a crises e a governabil­idade que, em teoria, deveria favorecer.

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