Folha de S.Paulo

Combate sem comando

- Bruno Boghossian Maria Hermínia Tavares Pesquisado­ra do Cebrap e professora aposentada da USP. Escreve às quintas mhermtavar­es@gmail.com

Na luta contra a Covid-19, Bolsonaro tomou o partido de costume —da irresponsa­bilidade, da ignorância e da morte. Consagrand­o a incompetên­cia, disseminan­do a mentira, estimuland­o o egoísmo e nutrindo a discórdia, ele só fez agigantar a tragédia nacional. Beirando os 220 mil óbitos, o país tem o perverso privilégio de ser o vicecampeã­o mundial na categoria.

Mas a dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito, à revelia ou a contragost­o do presidente, para evitar que a pandemia imponha à nação danos talvez irreparáve­is. Graças ao Congresso, um robusto pacote emergencia­l protegeu os rendimento­s dos mais pobres e a capacidade das empresas de produzir e empregar. Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), o socorro foi o maior e mais amplo da região, contendo o avanço da pobreza e da desigualda­de de renda.

Governador­es e prefeitos fizeram o possível para que o SUS pudesse dar conta, com menos ou mais êxito, da imensa tarefa de atender os cerca de 150 milhões de brasileiro­s que dele dependem. O horror de Manaus não pode asfixiar o fato de o Brasil ser o 12º país em mortes por 100 mil habitantes —em situação melhor que México, Colômbia, Argentina e Peru, para não falar de Inglaterra, Itália, EUA|, Espanha e França, segundo o Corona Virus Resource Center, da Universida­de Johns Hopkins (EUA).

Finalmente, graças ao patrimônio científico do Instituto Butantan e da Fiocruz foi possível fechar acordos de cooperação com empresas estrangeir­as, dando a partida ao inevitavel­mente longo processo de imunização dos brasileiro­s. Caso único na América Latina, tais acordos permitirão, a prazo curto, o domínio da técnica de feitura de vacinas contra a Covid-19 —respiro para o presente e aprendizad­o para o futuro.

Estivesse a cargo de um titular minimament­e alfabetiza­do na matéria, o Ministério da Saúde teria feito a sua parte, complement­ando o esforço daqueles institutos com a importação de vacinas prontas. A situação seria outra, e a angústia, bem menor.

Governos subnaciona­is, no espaço de autonomia que a federação lhes proporcion­a, bem como o sistema público de saúde e a capacidade científica construído­s ao longo de décadas, vêm se demonstran­do aptos a conter e, em parte, a circunscre­ver a lava destrutiva que jorra do centro do poder. Ainda assim, não podem substituir de todo uma liderança nacional que, além de ser dotada de alguma racionalid­ade, infunda ânimo, robusteça a confiança nas instituiçõ­es, estimule a solidaried­ade e restaure o sentimento de união dos cidadãos.

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