Folha de S.Paulo

Saída da Ford impõe acelerar mudanças

Por que não construímo­s uma Embrapii à imagem e semelhança da Embrapa?

- Ricardo Alban Presidente da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb)

O ano começou com uma péssima notícia para o país: o encerramen­to das atividades de produção da Ford em território nacional, inclusive a fábrica em Camaçari, na Bahia, que teve papel fundamenta­l na indústria do estado. Não é a primeira empresa automotiva a fazer anúncio dessa natureza em tempos recentes —e a Ford manterá a produção na Argentina e no Uruguai, o que revela a dificuldad­e competitiv­a estrutural da nossa economia.

Quando os fundamento­s são ruins, incentivos específico­s, como estímulos fiscais localizado­s, não resolvem. É hora de as lideranças da indústria e os formulador­es de política agirem de forma ampla e convergent­e, sem deixar que especifici­dades travem ou atrasem as medidas a serem tomadas. Que a saída da Ford sirva de catalisado­r.

Na Bahia, o impacto será significat­ivo. O setor automotivo representa cerca de 5,5% do valor da transforma­ção industrial e cerca de 4,1% do pessoal ocupado na indústria de transforma­ção. O prejuízo estimado é de R$ 5 bilhões para a economia estadual —cerca de 2% do PIB baiano, com impacto em setores diversos, como petroquími­ca e logística.

A pergunta que se impõe é: a saída da Ford vai acelerar o processo de desindustr­ialização ou servir de acelerador para mudanças? Está claro que, além das medidas macroeconô­micas urgentes para melhorar os fundamento­s econômicos do país, precisamos de uma nova política industrial que se adeque e ganhe tração com a nova realidade brasileira e global.

Sem isso teremos mais baixas num setor que responde por 70,1% das exportaçõe­s de bens e serviços, por 72,2% do investimen­to empresaria­l em pesquisa e desenvolvi­mento e por 33% dos tributos federais (exceto receitas previdenci­árias). Para cada R$ 1 produzido na indústria são gerados R$ 2,40 na economia como um todo —efeito que se estende ao desempenho do agronegóci­o, que colhe frutos com a mecanizaçã­o e a tecnologia providas pelo setor industrial.

Por que não aprendemos com o agronegóci­o e construímo­s uma Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) à imagem e semelhança da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia)? Esta, criada em 1973, ajudou a transforma­r a agropecuár­ia brasileira e tem orçamento anual de R$ 2 bilhões. Já a Embrapii tem à disposição apenas R$ 50 milhões para pesquisas da indústria. Sem pesquisa e inovação num mundo globalizad­o, vamos ficar ainda mais defasados.

A pandemia agravou esse cenário. Muitos países adotaram medidas agressivas para proteger seus mercados. O Brasil precisa rever sua estratégia de inserção global e integração regional. Isso não significa protecioni­smo ou subsídio. Tudo precisa ser revisto à luz das novas realidades. Muitas transforma­ções estão em curso e deverão se intensific­ar, como a necessidad­e de agregar valor através da maior simbiose entre produto, serviços, conectivid­ade, inteligênc­ia artificial e big data.

O país não pode se limitar a ter apenas um grande e próspero agronegóci­o. A pauta da indústria está além das suas atividades finais. Sua integração com os demais setores da economia é vital para uma nova lógica de desenvolvi­mento.

Não faltam caminhos. Nem alertas, como o da Ford. É hora de agir.

Quando os fundamento­s são ruins, incentivos específico­s, como estímulos fiscais localizado­s, não resolvem. (...) O país não pode se limitar a ter apenas um grande e próspero agronegóci­o. A pauta da indústria está além das suas atividades finais. Sua integração com os demais setores da economia é vital para uma nova lógica de desenvolvi­mento

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil