Folha de S.Paulo

Arthur do Val Bolsonaris­mo enquanto tese morreu, e viabilizar impeachmen­t é possível

Deputado estadual sai da eleição municipal mirando o Governo de São Paulo em 2022 e afirma que presidente faz ‘open bar’ de crimes

- Carolina Linhares

“A popularida­de de Bolsonaro comprada com o auxílio emergencia­l não só está indo embora como vai se virar contra ele quando a conta chegar para a classe média. Quero ver os empresário­s entenderem que é bom manter Bolsonaro com ele recriando CPMF

são paulo Depois de superar expectativ­as na eleição municipal em São Paulo, quando teve mais de 520 mil votos e terminou em quinto, o deputado estadual Arthur do Val (Patriota), o Mamãe Falei, quer disputar o governo do estado em 2022 e, enquanto isso, militar pelo impeachmen­t do presidente Jair Bolsonaro.

Como membro do MBL (Movimento Brasil Livre), viu o caldo popular engrossar contra Dilma Rousseff (PT) e acha possível que isso se repita, apesar de faltar apoio na população e no Congresso.

Aliado ocasional da esquerda no impeachmen­t, Arthur vê uma direita não bolsonaris­ta órfã de representa­ntes e tenta ocupar esse vácuo da política, resgatando pautas conservado­ras nos costumes e liberais na economia.

“O bolsonaris­mo enquanto tese, fazendo governador­es, fazendo uma bancada federal e estadual gigantesca em diversos estados, isso acabou”, disse à Folha por telefone.

O deputado não poupa críticas ao governador João Doria (PSDB), minimiza a crise entre o MBL e o vereador Fernando Holiday (Patriota) e evita defender Isa Penna (PSOL), deputada assediada por Fernando Cury (Cidadania).

O sr. ficou em quinto lugar, à frente de Jilmar Tatto (PT) e Joice Hasselmann (PSL) e próximo de Celso Russomanno (Republican­os). A que atribui esse resultado?

Claro que o resultado foi bom, mas só não foi maior por causa das pesquisas, inclusive do Datafolha. Me tiraram voto útil até o último dia. Eu poderia dobrar essa votação. Sem TV, sem igreja, sem dinheiro fazer essa votação mostra que há demanda para o que a gente acredita.

O sr. é de direita, é do MBL, é rechaçado pela esquerda e já tinha desembarca­do do bolsonaris­mo antes da eleição. Quem é seu eleitor?

A maior parte das pessoas, independen­temente do meu voto, não são bolsonaris­tas. São pessoas de saco cheio da esquerda buscando pautas conservado­ras. Com Bolsonaro traindo esses discursos, esse público vai ficando órfão. Se Bruno Covas ganhou, tendo Bolsonaro um candidato [Russomanno], mostra que as pessoas não querem votar na esquerda, mas não confiam em Bolsonaro. Mostra uma carência de representa­ntes.

Qual leitura faz do recado das urnas em 2020 que possa servir de aprendizad­o para 2022?

Não acho que o bolsonaris­mo esteja morto, longe disso, mas a única chance que o bolsonaris­mo tem, e talvez tenha realmente essa chance, é de essas pessoas não encontrare­m representa­ntes e, dependendo das opções que tiverem, Bolsonaro ganhar alguma força para a reeleição.

Agora, o bolsonaris­mo enquanto tese, fazendo governador­es, fazendo uma bancada federal e estadual gigantesca em diversos estados, isso acabou. O bolsonaris­mo enquanto tese morreu.

O que planeja para 2022?

Estamos trabalhand­o para ir para o governo, para fazer nossa bancada de federais e estaduais e com um senador na chapa, dentro da lógica da direita não bolsonaris­ta. Eu pretendo sair para governador.

Olhando para o impeachmen­t de Dilma e o que veio depois, o movimento naquela época foi acertado?

Com certeza. Assim que Dilma saiu, diferente das previsões da época e diferente das previsões que agora se fazem sobre impeachmen­t de Bolsonaro, o que se teve no país foi mais estabilida­de.

O impeachmen­t de Dilma é visto como o início do processo de fragilizaç­ão das instituiçõ­es, intensific­ado no governo Bolsonaro.

Acho o contrário. O impeachmen­t fortalece as instituiçõ­es. Mostra que um governo não está acima das instituiçõ­es.

Por que defende o impeachmen­t de Bolsonaro? Porque ele é um criminoso. Que crimes de responsabi­lidade ele cometeu?

Costumo brincar que é um governo “open bar” de crimes. Tem falsificaç­ão de assinatura de ministro, interferên­cia na Polícia Federal, compra de um remédio superfatur­ado, que é a cloroquina, sem nenhum tipo de evidência de eficácia, o total desprezo pela ciência no combate à maior pandemia que vivemos no nosso século.

A esquerda também defende o impeachmen­t. Como fica isso paraseupúb­licoconser­vador?

Parte do público, minoritári­a, tem um pensamento dicotômico. Da mesma forma que quando pedimos o impeachmen­t da Dilma tinha galera na rua pedindo intervençã­o militar, e nós não concordáva­mos, agora que pedimos impeachmen­t de Bolsonaro há essa galera de esquerda com essas pautas de politicame­nte correto, de antifascis­mo, que nós não concordamo­s. As últimas carreatas fizemos em dias diferentes da esquerda, para mostrar que temos motivações diferentes dessa turma.

Para que o impeachmen­t vingue, acha importante que a esquerda também defenda essa bandeira?

Depende. Se falar dos votos, claro que sim. Precisa da maioria da Câmara.

Por que depende?

Por exemplo, acho importante a esquerda estar alinhada no que tange privatizaç­ões? Não. São pautas em que nunca vamos estar juntos, apesar de nesse momento estarmos pedindo o impeachmen­t de um presidente criminoso. Mas, quando começa a trazer outras pautas, você vê que não tem como se juntar com essa gente.

No fim de semana, tivemos carreatas separadas pelo impeachmen­t. Acha desejável ou possível que esse protesto seja unificado para dar uma massa de gente maior?

Nem sei te responder. Depende muito da comunicaçã­o que for feita. Se um jurista neutro ou um grupo misto faz um pedido baseado numa tese objetiva de crime, sem colocar ali teses de esquerda ou de direita, e se marca um ato para esse pedido, tudo bem. Se for uma manifestaç­ão pelo impeachmen­t do Bolsonaro porque ele é um fascista, não, a isso não vou aderir.

O sr. é liberal e é empresário. O Datafolha mostra que 71% dos empresário­s são contra impeachmen­t. Por que não aderiram?

Infelizmen­te, a maior parte das pessoas não entende os movimentos políticos. Na época da Dilma foi a mesma coisa. Acredito que parte do empresaria­do está muito medrosa. Acontece que estão defendendo algo que traz mais instabilid­ade, que é a manutenção de Bolsonaro.

Hoje a maioria do Congresso e da população não apoia o impeachmen­t. Acha que é possível?

Com certeza. No governo Dilma foi a mesma coisa. A popularida­de de Bolsonaro comprada com o auxílio emergencia­l não só está indo embora como vai se virar contra ele quando a conta chegar para a classe média. Quero ver os empresário­s entenderem que é bom manter Bolsonaro com ele recriando CPMF.

Acha que vai ter mobilizaçã­o para virar voto no Congresso?

Não sei, acho possível. Desde que a gente está batendo no Bolsonaro, desde o início de 2019, a gente está vendo que está cada vez mais fácil bater nele.

Como avalia a condução da pandemia por Doria, consideran­do a rivalidade com Bolsonaro?

Bolsonaro, que é um criminoso, quadrilhei­ro, corrupto, não tem o que fazer e se baseia nos erros do Doria. E Doria, que é um falso, um animal político, um marqueteir­o, se baseia nos erros de Bolsonaro. Na carência de virtudes, ambos se apoiam nos erros do seu oponente. Um absurdo. Doria é um péssimo governador. Teve uma vitória na vacina sim. Mas não fez lockdown no começo como deveria, continua agora com medidas que não têm o menor sentido, essa restrição de horários. Em São Paulo estamos vendo o tanto de clandestin­idade [de festas] que há e ninguém faz porcaria nenhuma. E Doria aumentou impostos, isso é inadmissív­el.

Bolsonaro pode se filiar ao Patriota?

Isso é mais especulaçã­o da imprensa. Até onde eu sei, a [direção] nacional não aprova isso. De qualquer forma, Bolsonaro vindo, vou embora no mesmo dia.

O MBL vive um racha com Holiday. O que aconteceu e como está a situação agora?

Não é um racha e não é por causa da eleição na Câmara dos Deputados. O que teve foi o Holiday, de forma completame­nte amistosa, decidindo sair do movimento por conta de uma decisão pessoal dele. Mas o Holiday é amigo nosso. Não é uma briga.

Holiday expôs a divergênci­a sobre a presidênci­a da Câmara no Twitter.

Ele falou que apoiava o Marcel [Van Hattem, do Novo] e a gente se posiciona diferente, mas isso já aconteceu um milhão de vezes no MBL.

O sr. é próximo ao Novo. Qual sua posição sobre a presidênci­a da Câmara?

Eu acredito que há uma ala do Novo essencialm­ente bolsonaris­ta, por mais que eles não gostem de assumir. E essa galera infelizmen­te não está vendo a possibilid­ade real de tirarmos do governo a vitória da presidênci­a da Câmara. No caso do Marcel, acho ele o melhor candidato, mas no momento errado.

A Assembleia também tem eleição da Mesa em março. Qual a sua posição?

Na Assembleia é diferente, quanto mais demorar para lançar candidatur­a, mais você pode ganhar. Como são menos deputados e o governo tem mais poder, quando você lança antes, o governo começa a comprar seus votos. Até agora, eu sei que está acontecend­o um movimento para se derrotar o governo e eu apoio, mas não sei dizer se já tem candidatur­a, se vai conseguir juntar PSOL e PSL. Não sei nem os nomes que estão na disputa.

O que acha sobre o assédio de Fernando Cury a Isa Penna?

Acho muito difícil a comissão de ética decidir por cassação e acho ainda mais difícil os deputados cassarem o mandato de outro deputado.

Mas o que acha do episódio?

É complexo. Vou tentar falar uma frase que não dê margem para segundas interpreta­ções. O que ele fez é indefensáv­el, mas não acho que a Isa Penna esteja agindo de forma 100% correta.

Como assim?

O que eu posso te dizer é isso. O que ele fez não tem defesa. “Ah foi sem querer, isso é normal.” Não existe isso. Não existe a possibilid­ade de se culpar a vítima.

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Bruno Santos - 15.fev.19/Folhapress

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