Milhares estão soltos, diz caçador de nazistas
Para Efraim Zuroff, idade não pode servir de proteção a criminosos da 2ª Guerra que participaram do Holocausto
SÃO PAULO Ainda há centenas, se não milhares, de criminosos nazistas soltos por aí, e é essencial que eles sejam encontrados e julgados. Esse é o alerta de Efraim Zuroff, um dos maiores caçadores de nazistas do mundo.
Ele participou de uma live nesta quarta (27), Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, promovida pela Confederação Israelita do Brasil no YouTube.
“A idade não deveria ser uma proteção para pessoas que cometeram esses crimes horríveis”, disse à Folha Zuroff, princial caçador de nazistas do Centro Simon Wiesenthal, com sede em Los Angeles.
“Quando olhamos para essas pessoas, vemos idosos frágeis, mas quando eles cometeram seus crimes, estavam no auge da forma física e dedicaram toda a sua energia a matar inocentes. Nós devemos isso às vítimas, punir os assassinos”, afirma.
Indagado sobre o papel do ex-presidente americano Donald Trump no crescimento das atividades de supremacistas brancos nos EUA, Zuroff defende o republicano: “Ele certamente não era antissemita, nem queria empoderar extremistas de direita”.
Quantos nazistas criminosos de guerra o senhor ajudou a localizar e processar? Sabe-se o número total de criminosos de guerra nazistas que foram responsabilizados?
Eu localizei o destino de emigração de cerca de 3.000 suspeitos de serem nazistas criminosos de guerra, que emigraram para o mundo todo, principalmente para democracias anglo-saxãs: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, e Nova Zelândia.
Transmiti as informações aos governos locais e isso ajudou a convencer o Canadá (em 1987), a Austrália (em 1989) e o Reino Unido (em 1991) a aprovarem leis especiais para permitir ações penais contra nazistas vivendo nesses países.
Em pelo menos 40 casos em que estive envolvido algum tipo de medida legal foi adotada contra os criminosos ou eles foram expostos. Ninguém nunca calculou o número total de nazistas que foram julgados, mas provavelmente está próximo de 1 milhão, a maioria na antiga União Soviética e em países comunistas.
O senhor tem estimativas de quantos ainda estão vivos e não foram julgados?
No mínimo centenas, se não milhares, se você aceitar minha definição de criminoso nazista — pessoa que, a serviço do Terceiro Reich ou aliados, participou da perseguição de civis inocentes. O motivo de tantos ainda estarem vivos é o aumento da expectativa de vida.
Por que é tão importante que essas pessoas sejam processadas e julgadas?
A passagem do tempo de nenhuma maneira diminui a culpa dos assassinos. A idade não deveria ser uma proteção para pessoas que cometeram esses crimes horríveis. Só porque alguém completa 90 anos não quer dizer que deixe de ser um assassino e se torne um “justo entre as nações” [honraria concedida por Israel a quem arriscou sua vida para salvar judeus dos nazistas].
Quando olhamos para essas pessoas, vemos idosos frágeis, mas quando eles cometeram seus crimes, estavam no auge da forma física e dedicaram toda sua energia a matar homens, mulheres e crianças inocentes. Nós devemos isso às vítimas, punir os assassinos. Esses julgamentos passam uma mensagem poderosa: se você cometer crimes como esses, haverá esforços para que você seja responsabilizado, mesmo que décadas depois.
Os julgamentos são importantes também na luta contra a negação e a distorção do Holocausto. Essas pessoas são as últimas que devem merecer compaixão, porque não tiveram nenhuma por suas vítimas. Ao contrário do que as pessoas pensam, aqueles que se envolveram nesses crimes tinham escolha. Não há nem um único caso documentado de alguém executado por se recusar a matar judeus.
Hoje, quais países são portos seguros para criminosos nazistas?
A Áustria não processou nem julgou nenhum criminoso de guerra nazista em mais de 40 anos, e não é porque não existam nazistas lá.
Mark Zuckerberg, dono do Facebook, mudou sua visão e passou a vetar comentários de negacionistas do Holocausto na plataforma. Até que ponto as mídias sociais ajudam a reviver teorias nazistas?
A decisão foi correta, e espero que as redes sociais aprimorem o monitoramento de linguagem de ódio e incitação. Sem dúvida a existência das redes sociais encorajou extremistas.
Levantamento mostra que houve um grande aumento na atividade de supremacistas brancos nos EUA durante o governo Trump. O senhor acha que o ex-presidente estava ativamente estimulando antissemitismo e grupos neonazistas, apesar de ser apoiador de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu?
Ele certamente não era antissemita, nem queria empoderar extremistas de direita. Infelizmente, sua vitória em 2016 e sua posição combativa em relação a progressistas foi mal interpretada por eles.
Quantos criminosos nazistas foram encontrados no Brasil?
Ninguém sabe. Infelizmente, vários criminosos nazistas muito importantes fugiram para o Brasil, como o doutor Josef Mengele, o “anjo da morte” de Auschwitz; Franz Stangl, o comandante dos campos de extermínio de Treblinka e Sobibor; Herberts Cukurs, vice-comandante do notório esquadrão da morte Arajs Kommando, da Letônia; e Gustav Franz Wagner, vice-comandante de Sobibor.
Entre todos que você ajudou a localizar, qual era o pior?
O mais importante foi Dinko Šakić, comandante do campo de concentração Jasenovać, na Croácia, onde foram assassinados cerca de 100 mil sérvios, judeus, ciganos e antifascistas croatas. Quando eu o localizei, ele era o último comandante de campo de concentração vivo.
A ascensão de governos populistas de direita levou ao poder líderes que frequentemente usam sinalizações antissemitas, ao criticar o bilionário George Soros e a globalização. Essa onda de direita é antissemita, embora seja próxima de Netanyahu?
Cada país é uma história diferente. Não há dúvida de que há elementos antissemitas nas políticas dos governos da Hungria e Polônia, especialmente em relação à distorção do Holocausto. Eles estão tentando mudar a narrativa histórica correta para esconder o papel importante que suas populações desempenharam nos assassinatos e prisões.
“Quando olhamos para essas pessoas, vemos idosos frágeis, mas quando eles cometeram seus crimes, estavam no auge da forma física e dedicaram toda sua energia a matar inocentes. Nós devemos isso às vítimas, punir os assassinos
Alguns críticos afirmam que o Centro Simon Wiesenthal se vale de acusações de antissemitismo para silenciar a oposição ao tratamento dado pelo governo israelense aos palestinos.
Essa crítica é totalmente falsa, uma tentativa de deslegitimar nossa crítica justificada ao fato de eles perseguirem Israel de forma injusta. Há casos em que, certamente, críticas a Israel são justas e válidas.