Folha de S.Paulo

Milhares estão soltos, diz caçador de nazistas

Para Efraim Zuroff, idade não pode servir de proteção a criminosos da 2ª Guerra que participar­am do Holocausto

- Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO Ainda há centenas, se não milhares, de criminosos nazistas soltos por aí, e é essencial que eles sejam encontrado­s e julgados. Esse é o alerta de Efraim Zuroff, um dos maiores caçadores de nazistas do mundo.

Ele participou de uma live nesta quarta (27), Dia Internacio­nal em Memória das Vítimas do Holocausto, promovida pela Confederaç­ão Israelita do Brasil no YouTube.

“A idade não deveria ser uma proteção para pessoas que cometeram esses crimes horríveis”, disse à Folha Zuroff, princial caçador de nazistas do Centro Simon Wiesenthal, com sede em Los Angeles.

“Quando olhamos para essas pessoas, vemos idosos frágeis, mas quando eles cometeram seus crimes, estavam no auge da forma física e dedicaram toda a sua energia a matar inocentes. Nós devemos isso às vítimas, punir os assassinos”, afirma.

Indagado sobre o papel do ex-presidente americano Donald Trump no cresciment­o das atividades de supremacis­tas brancos nos EUA, Zuroff defende o republican­o: “Ele certamente não era antissemit­a, nem queria empoderar extremista­s de direita”.

Quantos nazistas criminosos de guerra o senhor ajudou a localizar e processar? Sabe-se o número total de criminosos de guerra nazistas que foram responsabi­lizados?

Eu localizei o destino de emigração de cerca de 3.000 suspeitos de serem nazistas criminosos de guerra, que emigraram para o mundo todo, principalm­ente para democracia­s anglo-saxãs: Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, e Nova Zelândia.

Transmiti as informaçõe­s aos governos locais e isso ajudou a convencer o Canadá (em 1987), a Austrália (em 1989) e o Reino Unido (em 1991) a aprovarem leis especiais para permitir ações penais contra nazistas vivendo nesses países.

Em pelo menos 40 casos em que estive envolvido algum tipo de medida legal foi adotada contra os criminosos ou eles foram expostos. Ninguém nunca calculou o número total de nazistas que foram julgados, mas provavelme­nte está próximo de 1 milhão, a maioria na antiga União Soviética e em países comunistas.

O senhor tem estimativa­s de quantos ainda estão vivos e não foram julgados?

No mínimo centenas, se não milhares, se você aceitar minha definição de criminoso nazista — pessoa que, a serviço do Terceiro Reich ou aliados, participou da perseguiçã­o de civis inocentes. O motivo de tantos ainda estarem vivos é o aumento da expectativ­a de vida.

Por que é tão importante que essas pessoas sejam processada­s e julgadas?

A passagem do tempo de nenhuma maneira diminui a culpa dos assassinos. A idade não deveria ser uma proteção para pessoas que cometeram esses crimes horríveis. Só porque alguém completa 90 anos não quer dizer que deixe de ser um assassino e se torne um “justo entre as nações” [honraria concedida por Israel a quem arriscou sua vida para salvar judeus dos nazistas].

Quando olhamos para essas pessoas, vemos idosos frágeis, mas quando eles cometeram seus crimes, estavam no auge da forma física e dedicaram toda sua energia a matar homens, mulheres e crianças inocentes. Nós devemos isso às vítimas, punir os assassinos. Esses julgamento­s passam uma mensagem poderosa: se você cometer crimes como esses, haverá esforços para que você seja responsabi­lizado, mesmo que décadas depois.

Os julgamento­s são importante­s também na luta contra a negação e a distorção do Holocausto. Essas pessoas são as últimas que devem merecer compaixão, porque não tiveram nenhuma por suas vítimas. Ao contrário do que as pessoas pensam, aqueles que se envolveram nesses crimes tinham escolha. Não há nem um único caso documentad­o de alguém executado por se recusar a matar judeus.

Hoje, quais países são portos seguros para criminosos nazistas?

A Áustria não processou nem julgou nenhum criminoso de guerra nazista em mais de 40 anos, e não é porque não existam nazistas lá.

Mark Zuckerberg, dono do Facebook, mudou sua visão e passou a vetar comentário­s de negacionis­tas do Holocausto na plataforma. Até que ponto as mídias sociais ajudam a reviver teorias nazistas?

A decisão foi correta, e espero que as redes sociais aprimorem o monitorame­nto de linguagem de ódio e incitação. Sem dúvida a existência das redes sociais encorajou extremista­s.

Levantamen­to mostra que houve um grande aumento na atividade de supremacis­tas brancos nos EUA durante o governo Trump. O senhor acha que o ex-presidente estava ativamente estimuland­o antissemit­ismo e grupos neonazista­s, apesar de ser apoiador de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu?

Ele certamente não era antissemit­a, nem queria empoderar extremista­s de direita. Infelizmen­te, sua vitória em 2016 e sua posição combativa em relação a progressis­tas foi mal interpreta­da por eles.

Quantos criminosos nazistas foram encontrado­s no Brasil?

Ninguém sabe. Infelizmen­te, vários criminosos nazistas muito importante­s fugiram para o Brasil, como o doutor Josef Mengele, o “anjo da morte” de Auschwitz; Franz Stangl, o comandante dos campos de extermínio de Treblinka e Sobibor; Herberts Cukurs, vice-comandante do notório esquadrão da morte Arajs Kommando, da Letônia; e Gustav Franz Wagner, vice-comandante de Sobibor.

Entre todos que você ajudou a localizar, qual era o pior?

O mais importante foi Dinko Šakić, comandante do campo de concentraç­ão Jasenovać, na Croácia, onde foram assassinad­os cerca de 100 mil sérvios, judeus, ciganos e antifascis­tas croatas. Quando eu o localizei, ele era o último comandante de campo de concentraç­ão vivo.

A ascensão de governos populistas de direita levou ao poder líderes que frequentem­ente usam sinalizaçõ­es antissemit­as, ao criticar o bilionário George Soros e a globalizaç­ão. Essa onda de direita é antissemit­a, embora seja próxima de Netanyahu?

Cada país é uma história diferente. Não há dúvida de que há elementos antissemit­as nas políticas dos governos da Hungria e Polônia, especialme­nte em relação à distorção do Holocausto. Eles estão tentando mudar a narrativa histórica correta para esconder o papel importante que suas populações desempenha­ram nos assassinat­os e prisões.

“Quando olhamos para essas pessoas, vemos idosos frágeis, mas quando eles cometeram seus crimes, estavam no auge da forma física e dedicaram toda sua energia a matar inocentes. Nós devemos isso às vítimas, punir os assassinos

Alguns críticos afirmam que o Centro Simon Wiesenthal se vale de acusações de antissemit­ismo para silenciar a oposição ao tratamento dado pelo governo israelense aos palestinos.

Essa crítica é totalmente falsa, uma tentativa de deslegitim­ar nossa crítica justificad­a ao fato de eles perseguire­m Israel de forma injusta. Há casos em que, certamente, críticas a Israel são justas e válidas.

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