Folha de S.Paulo

Estado estuda usar a estratégia e espera resposta federal

- Igor Gielow

são paulo O governo de São Paulo quer utilizar todas as vacinas contra Covid-19 disponívei­s no estado para ampliar o universo de pessoas que vão receber a primeira dose dos imunizante­s.

As vacinas Coronavac e da AstraZenec­a/Oxfordestã­osendo aplicadas de acordo com o protocolo federal do PNI (Programa Nacional de Imunização), que prevê reservar 50% dos lotes para a segunda dose.

Nos estados, elas são aplicadas com intervalos de 14 a 28 dias no caso do imunizante promovido pelo Instituto Butantan, mais amplamente disponível. No caso da vacina europeia, que será feita na Fiocruz, a recomendaç­ão do fabricante é um prazo de até 120 dias.

Como a Folha adiantou, a questão em debate no Centro de Contingênc­ia da Covid-19, painel de 20 especialis­tas do governo paulista que lida com a crise, é de cunho ético.

“Somos a favor [do adiamento da segunda dose]”, disse, ao ser questionad­o sobre o caso na quarta (27), o coordenado­r do centro, Paulo Menezes. Para o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, “não é lógico que haja vacina na prateleira e pessoas morrendo”.

Com 13 mil novos casos e 282 mortes só na terça (26) no estado, faria mais sentido vacinar mais pessoas, uma vez que há um grau razoável de proteção conferida na primeira dose.

Há inclusive um novo componente na equação para justificar a pressa: a presença no estado da nova variante amazonense do Sars-CoV-2, que parece ser bastante mais transmissí­vel. Uma primeira medida será ampliação de 21 para 28 dias o intervalo adotado no estado, isso dentro do já definido pelo PNI.

A questão que fica é sobre o acesso à reserva de 50% de doses. “É preciso a manifestaç­ão oficial do PNI. Encaminhar­emos uma consulta formal hoje”, disse em entrevista à imprensa o secretário-executivo da Saúde estadual, Eduardo Ribeiro.

Se isso não ocorrer, o governo pode decidir implementá­la sozinho. Alguns integrante­s do comitê temem que isso acabe por erodir ainda mais o PNI, que já está marcado por atrasos e erros gerenciais devido à resistênci­a inicial do governo de Jair Bolsonaro em promover a vacinação.

Na nota técnica enviada a secretaria­s estaduais, baseada na liberação emergencia­l do uso das duas vacinas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), prevê uma janela de 14 a 28 dias para a aplicação da segunda dose.

Assim, cada estado faz do jeito que quer. O Instituto Butantan, que ajudou a desenvolve­r o imunizante chinês Coronavac e irá produzi-lo localmente, já defendia os 28 dias previstos para serem adotados e há técnicos falando em 43 dias.

“Não há problema algum”, afirmou Covas. Estudos de fase 2 na China e de fase 3 (final) na Turquia apontaram que a eficácia pode inclusive aumentar com o intervalo. Alguns especialis­tas questionam a tática, como ocorreu nos EUA, por considerar que não há certeza ainda sobre o tema.

Isso é baseado em estudos recentes na Turquia, que mostraram uma eficácia maior da vacina com intervalos prolongado­s, de cerca de 70%, ante o dado global de 50,4% no ensaio com profission­ais de saúde e com 14 dias entre as doses no Brasil.

No caso da AstraZenec­a, no Reino Unido o intervalo é ainda maior, de até quatro meses. Teoricamen­te esse prazo pode ser aplicado no Brasil e assim foi recomendad­o pela Fiocruz. Isso auxilia a lidar com a escassez de imunizante­s no mundo todo, dando mais tempo para a produção das segundas doses.

No caso específico do Brasil, há a questão do atraso na remessa de insumos para sua formulação. O Butantan anunciou o próximo lote da matéria-prima em São Paulo para o dia 3, e, no caso da Fiocruz, que irá fazer o mesmo com a vacina da AstraZenec­a, a previsão otimista é março.

Dessa vacina criada no Reino Unido só há 2 milhões de doses no Brasil, importadas diretament­e da Índia, 500 mil delas em São Paulo.

Já o Butantan forneceu quase 7 milhões de doses da Coronavac, após longa disputa com o governo federal, que passou de negar a compra do imunizante a fazer propaganda dele ao perceber a queda na popularida­de de Bolsonaro.

Dessas, menos de 1,5 milhão ficaram em São Paulo. O estado vacinou até a manhã desta quarta 198 mil profission­ais de saúde, indígenas e quilombola­s. A campanha começou há dez dias.

Segundo o plano estadual de vacinação, lançado em dezembro pelo governador João Doria (PSDB), 9 milhões dos 46 milhões de paulistas poderiam estar vacinados até o fim de março. Como o governo federal acabou contratand­o o Butantan quando viu que a importação da vacina da Índia iria demorar, agora o número de doses foi reduzido.

Na área política do governo Doria, há a preocupaçã­o com os rumores sobre vetos a quaisquer repasses federais de dinheiro para São Paulo. Como o pagamento pela primeira remessa da Coronavac pode ser feito até um mês após a entrega do imunizante, o compasso é de espera.

A conta das 46 milhões de doses encomendad­as é de mais de R$ 2,5 bilhões.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil