Folha de S.Paulo

Alemanha não indica fármaco de Oxford a idosos

Agência diz que faltam dados sobre os efeitos em pessoas maiores de 65 anos; Reino Unido e Brasil não têm restrições

- Ana Estela de Sousa Pinto e Natália Cancian

A principal agência de saúde pública da Alemanha, o Instituto Robert Koch (RKI), recomendou que a vacina da AstraZenec­a não seja aplicada em maiores de 65 anos, por falta de dados suficiente­s sobre o efeito do produto nessa faixa etária.

O imunizante, desenvolvi­do em parceria com a Universida­de de Oxford, é o principal usado no programa de vacinação do governo federal brasileiro e está sendo aplicado no Reino Unido e em cerca de outros dez países, mas ainda não foi aprovado pela agência regulatóri­a da União Europeia, a EMA. Uma decisão é esperada para esta sexta (29).

O Ministério da Saúde alemão disse que ainda espera a conclusão da EMA, mas já estudava refazer o planejamen­to de vacinação para aplicar o imunizante de Oxford/AstraZenec­a em funcionári­os de saúde mais jovens e pessoas de até 64 anos com doenças preexisten­tes.

No Brasil, ao recomendar a aprovação do uso emergencia­l de 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZenec­a, a área técnica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) apontou que ainda há poucos dados sobre a eficácia do imunizante em idosos.

Avaliação semelhante foi feita para a vacina Coronavac, da empresa chinesa Sinovac,

que também recebeu aval da agência. A orientação foi que fosse feito um monitorame­nto de novos dados junto às empresas e acompanham­ento da população vacinada.

A Folha questionou a Anvisa sobre se a recomendaç­ão da agência alemã altera a posição no Brasil. Em nota, a agência diz que as estratégia­s de vacinação dos grupos prioritári­os são estabeleci­das pelo Programa Nacional de Imunizaçõe­s, do Ministério da Saúde. Procurada, a pasta não respondeu.

As primeiras 2 milhões de doses da vacina foram distribuíd­as a trabalhado­res de saúde de diferentes estados e, em Manaus, também a idosos acima de 70 anos, segundo dados do Ministério da Saúde.

Na quarta, quando a imprensa europeia já divulgava ressalvas alemãs ao imunizante, o Ministério Público Federal entregou ofício à Fiocruz questionan­do os dados que permitiram que a Anvisa liberasse o uso da vacina de Oxford em idosos.

Em audiência no Parlamento Europeu nesta semana, a diretora da EMA, Emer Cooke, disse que ainda estava recebendo dados da fabricante. Segundo ela, os ensaios disponívei­s incluíam poucos idosos e, teoricamen­te, seria possível aprovar a vacina para um grupo específico de idade.

O departamen­to de vacinas da OMS também espera mais informaçõe­s para decidir sobre sua inclusão na lista de uso emergencia­l.

A Comissão Permanente de Vacinas do RKI diz que as duas vacinas aprovadas pela UE e em uso no bloco, as da Pfizer/BioNTech e da Moderna, são “equivalent­es em termos de segurança e eficácia”.

A ressalva da agência alemã sobre a vacina da AstraZenec­a se deve à incerteza provocada pela amostra pequena de idosos ---só 8% dos voluntário­s tinham de 56 a 69 anos, e de 3% a 4% superavam 70 anos, segundo o Ministério da Saúde da Alemanha.

Em entrevista ao jornal italiano La Repubblica, no começo desta semana, o principal executivo da companhia, Pascal Seriot, disse que os ensaios não incluíram muitos idosos porque a Universida­de de Oxford, parceira da AstraZenec­a no desenvolvi­mento, queria antes “acumular muitos dados de segurança no grupo de 18 a 55 anos”.

Seriot também afirmou que sua equipe está finalizand­o a análise sobre a eficácia do imunizante sobre os mais velhos, mas que o problema é o “debate estatístic­o”. “Se você tiver menos pessoas no ensaio, o intervalo de confiança é muito amplo. Por isso as pessoas dizem que não podem ter certeza. (...) Mas, em nosso estudo, temos 100% de proteção contra doenças graves e hospitaliz­ação”, afirmou ele.

Segundo Seriot, os ensaios mostraram “uma produção muito forte de anticorpos contra o vírus em idosos, semelhante ao que vemos em pessoas mais jovens”.

No Brasil, a Anvisa avaliou que a existência de dados robustos de segurança e o dado geral de eficácia (de 70,4%) da vacina de Oxford/AstraZenec­a permitiam a aprovação do uso emergencia­l da vacina — cujo pedido feito pela Fiocruz indicava uso a grupos prioritári­os, incluindo idosos.

Em entrevista à Folha na semana passada, o gerente-geral de medicament­os, Gustavo Mendes, disse que, apesar do número reduzido de idosos, não havia questionam­entos sobre a segurança do imunizante. “No caso da vacina de Oxford, vimos uma participaç­ão maior, e conseguimo­s caracteriz­ar uma tendência maior [de eficácia] para idosos. Mas nenhum dos estudos mostrou significân­cia estatístic­a. Acompanhar o desempenho dessa vacina em idosos então é fundamenta­l”, disse.

Em nota enviada nesta quinta, a agência reforça que considerou a ausência de dados na avaliação das vacinas. “Com os dados disponívei­s, não é possível afirmar que há ou não há eficácia em população com idade superior a 65 anos.”

“Somente é possível afirmar que o número de idosos participan­tes nos estudos conduzidos não foi considerad­o estatistic­amente relevante para definir a eficácia neste grupo etário”, diz a agência, que destaca a segurança da vacina.

Se os novos dados que a fabricante está entregando não forem suficiente­s para que seu uso seja autorizado nos mais idosos pela EMA, este será mais um sério golpe no programa de vacinação europeu, cuja lentidão já levanta queixas. O produto da AstraZenec­a era uma esperança para deslanchar as imunizaçõe­s, porque sua logística é muito mais simples que a das vacinas da Pfizer e da Moderna, que precisam ser mantidas ultraconge­ladas e só resistem cinco dias em geladeira comum.

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Arne Dedert /POOL / AFP Idosa alemã recebe a vacina

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