Folha de S.Paulo

Pauta retrógrada

Estimulado em 2018 por Bolsonaro, movimento dos caminhonei­ros ameaça de novo o país

- Editoriais@grupofolha.com.br

Sobre a ameaça de nova greve dos caminhonei­ros.

Com a paralisaçã­o de 2018, que durou 11 dias e ameaçou até a continuida­de do fornecimen­to de itens essenciais como alimentos, os caminhonei­ros descobrira­m seu poder.

Na época, o risco foi identifica­do tardiament­e e a crise foi mal gerida pelo governo de Michel Temer (MDB), mas também já apareciam os oportunist­as dispostos a aproveitar o caos para fins eleitorais.

Um desses agitadores de então hoje é presidente da República. Jair Bolsonaro, que apoiou aquela greve e ajudou a jogar mais gasolina no fogo, agora pode colher o que plantou, para o mal do país.

Por causa dos aumentos recentes do preço do diesel e com a velha cantilena de que suas reivindica­ções não têm sido atendidas nos últimos anos, a categoria volta a seus ensaios de intimidaçã­o.

O encarecime­nto dos combustíve­is é um problema real, que decorre da alta dos preços internacio­nais do petróleo e da desvaloriz­ação cambial aguda desde a pandemia. Se o governo não tem culpa pelas cotações externas, certamente está na sua conta o mau desempenho do real, em parte associado a dúvidas quanto à política fiscal.

Não se pode controlar preços artificial­mente, pois as consequênc­ias para a Petrobras seriam dramáticas. Às pressas, o governo acena com o paliativo de uma redução de tributos federais, mas o espaço no Orçamento é limitado e seriam necessária­s compensaçõ­es.

O maior peso tributário, aliás, advém do ICMS estadual. Uma mudança que ajudaria a reduzir a amplitude das oscilações consistiri­a em fixar um valor para o imposto por litro, em vez da incidência proporcion­al, mas tal ideia não está nos planos dos governador­es.

Também contribui para o problema o impasse que se seguiu ao tabelament­o do frete adotado na época da paralisaçã­o. O tema ainda está em pauta no Supremo Tribunal Federal e não há solução iminente, inclusive porque a fixação de preços dificilmen­te poderá ser considerad­a constituci­onal.

Para piorar, o mercado continua com excesso de oferta de fretes, rescaldo dos incentivos para aquisições de caminhões no governo Dilma Rousseff (PT). O tabelament­o também traz inseguranç­a jurídica e incentiva grandes empresas a formarem suas próprias frotas, com consequênc­ias negativas para os caminhonei­ros autônomos.

Não há saída simples, e a situação exige negociação hábil. Uma nova greve seria prejudicia­l para todos, pois acentuaria os riscos recessivos. A categoria tampouco terá a ganhar com radicalism­o, e no momento atual é duvidoso que contará com apoio da sociedade.

A longo prazo, impõem-se investimen­tos pesados em logística, para que o país não continue refém de uma pauta retrógrada.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil